San Felipe del Progresso, México, 14 de setembro (IPS/IFEJ) - Em seu romance “México Sedento”, o escritor Francisco Moreno afirma que a seca conduzirá a uma nova guerra em 2010, após ter sido o detonador da luta pela independência, em 1810, e da Revolução Mexicana, em 1910. Embora a falta de água seja uma característica histórica, o México sofre hoje uma severa crise hídrica por causa do esgotamento das camadas freáticas e da escassez de chuvas. Na capital, um dos locais mais afetados, uma opção é o uso de água da chuva, que se desperdiça. A cada segundo, 17 metros cúbicos de chuva se vão pelos bueiros.
Um bom
exemplo de aproveitamento da chuva é desenvolvido no município de San Felipe del
Progresso, a cerca de 150 quilômetros da capital, onde funciona uma unidade de
captação e limpeza de água pluvial. Com tecnologia desenvolvida pelo Centro
Internacional de Demonstração e Capacitação em Aproveitamento da Água da Chuva
(Cidecalli), do Colégio de Pós-Graduados, e com doações particulares, a
organização não governamental Patronato Pro Zona Mazahua investiu US$ 1,5 milhão
na obra, inaugurada em 2006, para abastecer zonas marginalizadas e reduzir a
incidência de doenças gastrointestinais.
“Foi difícil introduzir a água
que purificamos, porque as pessoas estão acostumadas a beber refrigerantes”,
disse ao Terramérica Manuel Figueroa, responsável pela unidade. A instalação
consta de um terreno inclinado coberto com uma geomembrana que deixa passar a
água da chuva para duas enormes pilhas com mais geomembranas, lâminas de baixa
permeabilidde fabricadas com resinas plásticas. Estas filtram a terra e pedras
da água, que passa para uma cisterna de onde flui para as máquinas de
purificação e um sistema de engarrafamento de vasilhames de 19 litros. Esta
última fase demora cerca de cinco horas.
A capacidade instalada é de
cinco milhões de litros, e diariamente quatro mil são processados, dos quais
aproveitam-se 2.500 e o restante é usado na irrigação do viveiro de espécies
florestais criado como parte do programa. O projeto distribui sua marca Más-Agua
nas escolas e casas rurais da região, povoada por indígenas mazahuas, a preços
que variam de US$ 0,75 a US$ 1,10 por garrafão.
“Começamos a olhar para
cima e nos perguntamos por que não aproveitávamos a água da chuva, que é um
recurso muito valioso e fácil de tratar e tornar potável. Nosso projeto tem 30
anos e me perguntavam quando seria viável. Eu respondia que isso aconteceria
quando a crise nos alcançasse. E esse momento já chegou”, disse ao Terramérica
Manuel Anaya, coordenador do Cidecalli.
Um grupo de catedráticos do
Colégio de Pós-Graduados, especialista em carreiras agropecuárias, e as
universidades autônomas de Chapingo e Antonio Narro, criaram o Cidecalli em
2004. A capital mexicana, com cerca de 12 milhões de habitantes, consome 33
metros cúbicos de água por segundo. Devido a vazamentos nas tubulações, por ano
são perdidos aproximadamente 150 milhões de metros cúbicos. As camadas aquíferas
da cidade perdem 55,5 metros cúbicos por segundo. Diante da falta de chuva dos
últimos meses, a governamental Comissão Nacional da Água e o Sistema de Águas da
capital diminuíram o abastecimento. As autoridades asseguram que, se a crise
prosseguir, a cidade ficará sem água em fevereiro de 2010.
Os sistemas de
captação de chuva são “realizáveis, econômicos, acessíveis e dão bons
resultados”, disse ao Terramérica Enrique Lomnitz, diretor do escritório
mexicano do não governamental Instituto Internacional de Recursos Renováveis
(IRRI). Dentro do projeto “Ilha Urbana”, Lomnitz e sua equipe instalaram cinco
sistemas de captação em residências de um bairro de baixa renda do sul da
capital, em um esquema no qual os interessados fornecem os materiais e o IRRI
faz a instalação sem custo para os usuários.
Esse sistema consta de uma
tubulação, um mecanismo de pré-filtragem, uma cisterna com cloro para
desinfecção e um filtro, com custo total entre US$ 115 e US$ 190. Cada metro de
teto pode proporcionar um litro de água. “Concentramos nossos esforços em um
local específico para criar um protótipo em escala de bairro, que é monitorado e
manejável”, explicou Lomnitz, projetista industrial formado na Escola de Desenho
de Rhode Island, nos Estados Unidos. Diante do agravamento da crise, o não
governamental Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento (Cidac) criou um
projeto-piloto para instalar sistemas de captação pluvial em cerca de 120 mil
casas, equivalentes a 10% do total de residências da cidade.
O Cidac
propõe que os governos da capital e do vizinho Estado do México financiem a
iniciativa, cujo custo por casa é de US$ 350, o que redundaria na economia de
aproximadamente 7,2 milhões de metros cúbicos por ano. O uso de água da chuva
mediante coleta domiciliar em cisternas tem grande êxito em áreas muito secas do
planeta, como no Nordeste do Brasil. Os gestores da Más-Agua compraram uma
máquina para engarrafar 48 vasilhames de meio litro por minuto.
Porém,
San Felipe del Progresso, de cem mil habitantes, enfrenta um fenômeno comum ao
país: falta de chuva. E se não cai água do céu, a unidade não terá matéria-prima
para purificar. A alternativa será processar água dos poços e mananciais da
região. Neste tipo de iniciativa, o comum é que a água pluvial baste para
atender os meses secos, que vão de novembro a maio.
* Este artigo é
parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ
(Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de
Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (http://www.complusalliance.org).
Crédito
da imagem: Emilio Godoy/IPS
Legenda:
Geomembranas são usadas para armazenar e filtrar água da
chuva.