Tem aumentado a preocupação com os pontos críticos da natureza. Cientistas já
questionam, por exemplo, a capacidade de recuperação das espécies em risco de
extinção. Biólogos marinhos, por sua vez, estão preocupados com o fato de que a
pesca excessiva dará início ao colapso dessa indústria.
Sabemos que
existiram pontos críticos em civilizações antigas, pontos em que a população foi
dominada pelas forças naturais que as ameaçavam. Por exemplo, em algum ponto, o
acúmulo de sal relacionado à irrigação do solo esgotou a capacidade agrária dos
Sumérios. Com os Maias, os efeitos danosos do desmatamento associados à perda da
fertilidade do solo tornaram-se irreversíveis.
Porém, os pontos críticos
que levam ao declínio e ao colapso de uma sociedade nem sempre são facilmente
previstos. De forma geral, os países desenvolvidos podem lidar com novas ameaças
de forma mais efetiva do que os países em desenvolvimento. Por exemplo, enquanto
os governos de países industriais têm sido capazes de manter os índices de
infecção do HIV entre adultos abaixo de 1%, muitos governos de países em
desenvolvimento têm falhado nesse controle e agora estão lutando com altos
índices de infecção. Isto é mais evidente em alguns países sul-africanos, onde
20% ou mais adultos estão infectados.
Uma situação semelhante existe com
o crescimento populacional. Enquanto a taxa se mantém estável em quase todos os
países industrializados, exceto os Estados Unidos, observa-se o contrário em
quase todos os países da África, Oriente Médio e do subcontinente indiano - onde
a taxa populacional é crescente. Esses 80 milhões de pessoas a mais no mundo por
ano nascem, exatamente, em países onde os sistemas naturais já estão se
deteriorando, em face da excessiva pressão populacional. Nestes países, o risco
de falência do Estado também está crescendo.
No entanto, alguns assuntos
parecem superar até mesmo as habilidades de governança das nações mais
avançadas. Quando alguns poucos países detectaram a redução nos níveis de água
dos lençóis subterrâneos, era lógico esperar que seus governos rapidamente
elevassem a eficiência racional do recurso e estabilizassem o crescimento da
população, para estabilizar os aqüíferos. Infelizmente, nenhum país -
desenvolvido ou em desenvolvimento - o fez. Dois Estados em falência, onde o
resultado da extração excessiva da água soma-se à falta de uma política de
segurança hídrica, são o Paquistão e o Iêmen.
Embora a necessidade de
cortar as emissões de carbono seja evidente já há algum tempo, nenhum país
conseguiu se tornar uma nação “carbono-neutra”. Até mesmo as sociedades
tecnologicamente mais avançadas enfrentam muita dificuldade política para isso.
Poderiam, assim, os crescentes níveis de dióxido de carbono na atmosfera,
provarem-se tão incontroláveis para a nossa civilização quanto os níveis de sal
no solo foram para os Sumérios no ano 4.000 A.C.?
Outro ponto de pressão
sobre os governos é a redução da oferta de combustível fóssil. Embora a extração
mundial de petróleo tenha excedido, em 20 anos, a descobertas de novas reservas,
somente a Suécia e a Islândia possuem algo que remotamente assemelhe-se a um
plano para lidar efetivamente com uma retração da oferta.
Este não é um
inventário exaustivo de problemas não resolvidos, mas apresenta uma noção da
quantidade deles. Analiticamente, o desafio é avaliar os efeitos de pressionar
cada vez mais o sistema natural global. O resultado desse estresse ficou
evidente na atual questão da segurança alimentar, o ponto fraco de muitas
civilizações antigas que entraram em colapso.
Além da dificuldade de
adaptação ao crescimento constante da demanda por alimentos, várias tendências
convergentes estão tornando as coisas ainda mais difíceis para agricultores ao
redor do mundo. Os pontos críticos delas são a queda dos níveis dos lençóis
freáticos, o uso indevido de terras cultiváveis e ocorrências climáticas
extremas, incluindo ondas de calor, secas e enchentes. Como os problemas não
resolvidos se acumularam, os governos mais fracos estão começando a
sucumbir.
Para agravar a situação, os Estados Unidos, maiores produtores
mundiais de trigo, aumentaram dramaticamente sua participação na safra de grãos
utilizando o etanol como combustível - saltando de 15%, em 2005, para mais de
25% em 2008. Esse esforço mal orientado para reduzir a dependência do petróleo
ajudou a conduzir os preços mundiais de grãos a elevações constantes até meados
de 2008, criando uma insegurança alimentar mundial sem precedentes.
Os
riscos desses problemas acumulados (e suas conseqüências) dominarão cada vez
mais os governos, levando à falência generalizada do Estado e, finalmente, ao
fim da civilização. Os países que estão no topo da lista de Estados em falência
não são particularmente uma surpresa. Incluem, por exemplo, Iraque, Sudão,
Somália, Chade, Afeganistão, República Democrática do Congo e o Haiti. E a lista
cresce cada vez mais a cada ano, levantando questões perturbadoras: quantos
Estados em falência serão submetidos a isso antes do fim completo da
civilização? Ninguém sabe a resposta, mas é uma pergunta que precisamos
fazer.
Estamos numa corrida entre os pontos críticos da natureza e nossos
sistemas políticos. Podemos desativar poderosas usinas de carvão antes que o
derretimento da calota de gelo da Groelândia se torne irreversível? Podemos
reunir vontade política pelo fim do desmatamento na Amazônia antes que as
crescentes queimadas cheguem a um ponto sem retorno? Podemos ajudar os países a
estabilizarem a população antes que se tornem Estados em falência?
Temos
tecnologias para restaurar os sistemas naturais de suporte da Terra, para
erradicar a pobreza, para estabilizar a população, para reestruturar a economia
energética mundial e o clima. O desafio agora é construir vontade política para
fazê-lo. Salvar a civilização não é um esporte para espectadores. Cada um de nós
possui um papel de liderança a representar.
Adaptado do Capítulo 1,
“Entering a New World”, Lester R. Brown, Plano B 3.0: Mobilizing to Save
Civilization (Nova Iorque: W.W. Norton & Company, 2008), disponível para
download gratuito e para compra no site do Earth Police Institute.
*
Lester R. Brown é considerado um dos mais influentes
pensadores mundiais. Formado em ciências agrícolas, dedica-se à pesquisa e ao
debate dos grandes temas ambientais e econômicos desde os anos 70, quando fundou
o World Watch Institute. É também fundador do Earth Policy
Institute.
Tradução: Leticia Freire, do Mercado
Ético
(Envolverde/Mercado Ético)