NEM SÓ DE COGUMELOS, DAS ONDAS ANTIGAS, VIVE O ESTERCO DOS BOIS...
Buenos Aires, 31 de agosto (IPS/IFEJ) - Com um enorme potencial para a produção de biogás, a Argentina está empenhada nesta alternativa energética limpa que já deu resultado em algumas fazendas que transformam esterco em energia. O biogás é um combustível gerado por biodegradação de matéria orgânica em um ambiente sem ar. Para passar ao desenvolvimento sustentável desta fonte é preciso vencer alguns gargalos, explicaram especialistas consultados pelo Terramérica.
“O biogás está em plena efervescência. Terminamos um estudo
de potencialidade e um plano de expansão, e tentamos levar adiante
projetos-piloto e aplicações concretas na agroindústria”, disse ao Terramérica
Jorge Hilbert, chefe do Programa Nacional de Bioenergia do Instituto Nacional de
Tecnologia Agropecuária (Inta). Para fomentar esta energia, o Inta publicou,
este ano, o Manual para a Produção de Biogás e o Atlas de Potencial de Produção
de Biogás na Argentina. Também recebe a cooperação da Alemanha, onde esta
tecnologia, subsidiada pelo Estado, é usada em turbinas que geram eletricidade
equivalente à de três centrais nucleares.
Na Argentina, 86% da energia
provém da queima de combustíveis fósseis (principalmente petróleo e gás), 6% de
centrais hidrelétricas e 1,6% de geração nuclear. O restante se divide entre
lenha, carvão mineral e fontes alternativas. Por sua vez, a atividade
agropecuária é a principal fonte de emissão de gases estufa que contribuem para
o aquecimento da atmosfera, com 29% do total argentino, segundo cálculos da
última medição oficial. Essa contaminação, principalmente de gás metano – que
tem um efeito estufa muito mais potente do que o dióxido de carbono –, poderia
ser evitada com a conversão da matéria orgânica que a gera em biogás, cuja
combustão é inclusive mais limpa do que a do gás natural.
Hilbert afirma
que existe um grande potencial para esta produção na Argentina. “O que falta é
investimento”, que não tem relação com a tecnologia, mas com a escassez de
financiamento geral para o setor agropecuário. Eduardo Gropelli, responsável da
área de Energia Não Convencional da Faculdade de Engenharia Química da
Universidade Nacional do Litoral, confirmou ao Terramérica que, do ponto de
vista tecnológico, “a solução foi desenvolvida, está disponível e tem um grande
potencial. Se a produção está freada é por falta de financiamento”, concluiu.
“As empresas com capacidade financeira têm acesso à tecnologia e estão
avançando”, disse Gropelli, citando como exemplo as propriedades agropecuárias
de produção primária e as do setor industrial agroalimentar.
Uma das
empresas que conseguiu transformar os resíduos próprios em energia é a Cabanas
Argentinas del Sol, uma criação de porcos com dez mil animais concentrados em 22
hectares no município de Marcos Paz, a 50 quilômetros da capital argentina, e a
apenas três do centro urbano municipal. “Preocupava-nos a contaminação pelo
metano emitido pelo esterco, além do mau cheiro e das moscas”, disse ao
Terramérica o engenheiro agrônomo Hugo García, dono da empresa. Depois de tentar
alguns testes caseiros, ele viajou ao Brasil, onde observou um biodigestor em
funcionamento e o comprou.
Para obter biogás, a biodegradação da matéria
orgânica deve se dar por ação de bactérias anaeróbicas, microorganismos que
vivem e se reproduzem sem oxigênio. Este processo controlado permite obter um
combustível biológico rico em metano que, ao ser queimado, libera muito menos
dióxido de carbono do que uma central térmica a carvão ou diesel. Além disso, o
biogás representa uma solução eficiente para os resíduos. O esterco do gado – em
fazendas leiteiras, parques de confinamento de gado de corte, frigoríficos e
outros estabelecimentos como o criadouro de García –, se converte em
matéria-prima de combustível, bem como os resíduos da produção de álcool de
cana, do processamento de frutas, verduras e lácteos, e outros
dejetos.
Para obter metano de origem biológica, além da matéria-prima
fermentável, é necessário um biodigestor, que é um reator hermético onde se gera
e se acumula o combustível que será destinado a gerar calor para cozinhas e
calefação, ou para alimentar uma turbina de geração de eletricidade. Depois do
biodigestor que comprou no Brasil, García incorporou uma segunda usina, e depois
a terceira e maior, com capacidade para 2.250 metros cúbicos de esterco. As
instalações para levar o excremento até o reator e a tubulação que transporta o
gás são simples e econômicas, assegura.
Com o biogás, o empresário
substituiu o gás natural de petróleo engarrafado, que comprava para calefação de
parte do criadouro e para processar a soja utilizada na alimentação dos porcos.
Todos esses passos, que exigiram combustível fóssil, agora são resolvidos com
biogás. “Os porcos, com seus dejetos, se provêm de sua própria energia
calórica”, resumiu García. Além disso, como subproduto, com o líquido do esterco
produz um adubo com alta concentração de nutrientes para cultivo de legumes com
os quais alimenta os animais. A economia é de US$ 5.200 mensais somente na conta
de gás. “Em dois anos amortizamos o biodigestor”, assegurou o
produtor.
Segundo Gropelli, os maiores desenvolvimentos em biogás estão
sendo observados em empresas agroindustriais, como grandes fábricas de cerveja,
gelatina, fermento e outros alimentos. Também destacou os casos de criações de
porcos, parques de confinamento e fazendas leiteiras, nos quais se acumulam
grandes volumes de esterco, sendo necessária uma solução ambiental. “Em menos de
quatro anos pode-se amortizar o investimento”, afirmou.
Por outro lado,
há um setor menos desenvolvido que exigiria uma mudança cultural: os resíduos
sólidos urbanos. Nesta área, há experiências em pequenos povoados. Na província
de Santa Fé, a localidade de Emilia, com mil habitantes, tem sua própria usina
de reciclagem de lixo orgânico, disse Gropelli. Outras localidades, com três mil
a sete mil habitantes fizeram a prova. “Neste caso, o calcanhar de Aquiles está
na separação do lixo orgânico e não orgânico. As pessoas estão acostumadas a
jogar o lixo e ignorar a responsabilidade ambiental. Então, falta uma mudança
cultural, que leva tempo”, ressaltou Gropelli.
* Este artigo é parte
de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação
Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o
Desenvolvimento Sustentável (http://www.complusalliance.org).
Crédito
da imagem: Germán Miranda/IPS
Legenda: A
criação de gado bovino precisa de uma solução ambiental para seus resíduos.