Uma receita holandesa para a sustentabilidade

Stef van Dongen é jovem, entusiasmado e está determinado a encontrar formas lucrativas para resolver os problemas do planeta. Ele é o criador da Enviu, coletivo holandês de empreendedores, na faixa até 35 anos, que funciona como uma incubadora de negócios voltados para sustentabilidade, cujos sucessos começam a chamar atenção mundial.

A idéia de unir instrumento de gestão empresarial a ideais de ONGs começou a nascer em 2001, quando Van Dongen visitou comunidades pesqueiras do sul do Chile. Ali conheceu a realidade da pesca predatória e teve uma visão: o ecoturismo poderia aliviar a pressão sobre os ecossistemas e aumentar a renda daquela população. Decidiu, então, trazer jovens profissionais da Holanda à região, que apoiaram os pescadores na criação de 30 microempresas.

Hoje, a Enviu mantém convênios com mais de 40 universidades em diversos países - nas quais busca sangue novo para projetos inovadores. O mais famoso deles é o Sustainable Dance Club, discoteca de Roterdã cuja pista de dança converte em eletricidade a movimentação dos clubbers. Outro projeto bem sucedido é o Rotterdam Innovation Lab, centro de referência em empreendedorismo sustentável, montado em parcerias com o Rabobank e o porto de Roterdã, que oferece apoio técnico e logístico a empreendedores que começam a desenvolver projetos comerciais com viés socioambiental. Mas a iniciativa mais ambiciosa da Enviu é uma competição entre universitários, que pretende cortar 40 % das emissões de um milhão de riquixás motorizados na Índia.

Formado em Administração de Pequenos Negócios e com mestrado em Gestão de Relações Negócios-Sociedade pela Rotterdam School of Management, Van Dongen gerenciou os negócios da sua família, na área de serviços financeiros, até decidir criar a Enviu. Ele costuma dizer que está a procura de “idéias uau”, soluções inovadoras para problemas socioambientais que incorporem princípios do mundo dos negócios, que sejam replicáveis e que representem um desafio para jovens empreendedores.

A participação de Van Dogen será um dos destaques do 3º Congresso Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável (Sustentável 2009), que vai abordar a sustentabilidade na prática: tendências globais, inovações, educação e oportunidade de negócios. O evento, organizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), com o apoio da ONU por meio da UNESCO e do PNUMA, acontecerá em São Paulo nos dias 4 a 6 de agosto, no TUCA, o Teatro da Pontifícia Universidade Católica (PUC).

Na entrevista abaixo, à repórter Regina Scharf, do CEBDS, ele conta como transformar idéias em negócios.

A Enviu tem um perfil curioso, meio ONG, meio empresa, por quê?

Não acreditamos que os negócios tradicionais vão melhorar o mundo - e tampouco as ONGs vão. Acreditamos que é possível combinar o melhor desses dois mundos. Chamamos isso de empreendedorismo engajado. Ele busca maximizar o impacto positivo das suas ações sobre as questões sociais e ambientais, ao mesmo tempo em que busca o retorno do investimento.

Qual a sua recomendação para um jovem empreendedor ter sucesso investindo em sustentabilidade?

Em tempos de crise financeira, como os atuais, a sustentabilidade oferece uma enorme oportunidade. Para mim, a crise é um sinal de que o nosso sistema econômico foi concebido de forma equivocada. Ele parte do princípio de que existe uma oferta inesgotável de energia, de recursos naturais e de mão de obra barata. Ora, isso não é verdade. Acho que a crise financeira é um sintoma de uma utilidade incorreta do sistema econômico - assim como a crise energética, de alimentos, da água e do clima que enfrentamos.

A nova economia deveria internalizar os custos ambientais e sociais como se fossem custos de depreciação. Em outras palavras, se cortamos uma árvore, temos de plantar uma árvore. Se produzirmos um produto, temos de pensar como reutilizá-lo quando for descartado. No centro desta nova economia, empreendedores inovadores estão criando as empresas que vão liderar um futuro sustentável. A licença de operação está no valor que elas criam para as pessoas e o planeta. Você vê essas empresas aparecerem por toda parte: dos empréstimos de indivíduo para individuo (como a MYC4,dinamarquesa) a barcos de corrida cobertos com painéis solares (como a Czeers, holandesa), a novas soluções de tratamento de água, como canudos com filtros embutidos (da Livestraw, também holandesa), e laptops de US$ 100. Agora, quanto a aumentar as chances de sucesso, uma coisa eu aprendi: é importante errar muito e errar logo no início de um processo. Se você fizer isso, aprenderá muito e perderá muito menos.

Que nichos de negócios são mais promissores para jovens empreendedores?

Apostamos em produtos e serviços que não sejam intensivos em capital. Também acreditamos que soluções que envolvam a descentralização da geração energética ou a venda de eletricidade para a rede terão um enorme impacto num futuro próximo.

De modo mais geral, para nós é importante buscar oportunidades que possam inovar num setor específico ou produtos que gerem derivados, pois eles podem transformar indústrias que já existem. Esse tipo de produto oferece a outros empreendedores a oportunidade de desenvolver produtos e serviços compatíveis com aquela tecnologia. É o que o Google faz, por exemplo, com o Google Earth; todos podem usá-lo e elaborar produtos que derivam dele.

Como é possível atrair os jovens para projetos inovadores?

Hoje, os jovens pensam de forma positiva, têm foco em soluções e querem se divertir. Nos inspiramos e unimos forças com os líderes do futuro de modo a apresentar a sustentabilidade de um jeito novo, desafiador e contemporâneo. O essencial é adotar um modelo de criação conjunta, compreender a urgência da cultura jovem e mostrar por que essas questões lhes dizem respeito. Pelo menos, é assim que funciona na Europa. Talvez seja diferente no Brasil.

Minha experiência mostra que, se você desafiar os jovens e ajuda-los a unir forças, grandes coisas podem acontecer. Veja como isso acontece: conseguimos converter o Sustainable Dance club num business case bastante claro e numa start-up de sucesso internacional graças à participação de 200 membros da nossa rede em cooperação com universidades, empresas e outros parceiros. Esse projeto está ajudando discotecas em todo o planeta a se tornarem mais sustentáveis e foi escolhido como uma das melhores idéias de eco-negócios de 2006-2007, recebendo um prêmio dado em conjunto pela Toyota, Springwise, Fast Forward (Harvard) e a Readers Digest.

A Enviu tem trabalhado em diversos países - Holanda, Índia, Chile. Os jovens empreendedores desses paises são muito diferentes?

Na verdade não. Naturalmente, há imensas diferenças culturais, mas eu acho que as pessoas estão mudando a sua forma de pensar num nível global. O modo de vida sustentável está em alta e é possível adotá-lo com os conhecimentos que temos hoje e com tudo o que já inventamos. Agora, torná-lo realidade é um verdadeiro desafio. Os jovens empreendedores que eu encontrei em vários países compartilham essa visão. Eles agem de forma apaixonada, vêem o imenso mercado potencial e compreendem que não podem fazer tudo sozinhos. Você pode notar que muitos deles são brilhantes na mobilização de redes e na criação compartilhada com muitos parceiros.

EXEMPLO


As ambições da Enviu não são modestas. A organização holandesa está buscando uma forma de tornar híbridos parte dos 100 milhões de riquixás que circulam na Ásia. Isso porque esses triciclos motorizados, conhecidos como tuk tuks na Índia, são extremamente poluentes. Há estimativas de que um tuk tuk emita tantos gases-estufa, quanto uma frota de 50 automóveis.

Por isso, a Enviu lançou um desafio universitário: quem conseguir desenvolver o sistema mais barato, limpo e prático de conversão para tuk tuks receberá apoio para implantá-lo. Mais de 100 estudantes holandeses e indianos, distribuídos em sete times, estão participando da gincana, que deverá ser concluída este ano. Eles têm de desenvolver a tecnologia necessária, bem como um business plan que a viabilize. A equipe vencedora terá seu projeto abraçado pela Enviu, que ajudará com apoio técnico, busca de financiamento, estabelecimento de parcerias e criação das microempresas que se encarregarão de tocar a iniciativa. “Nosso sonho é aprimorar o desempenho de um milhão de tuk tuks” diz Stef van Dongen.

“Queremos torná-los muito mais limpos e eficientes, e assim incrementar a renda dos seus proprietários”. A sua expectativa é de que os tuk tuks adaptados tenham uma redução de pelo menos 40% nas emissões de gás carbônico. Ele projeta, também, que a economia de combustível decorrente aumente em até 35% os ganhos de seus motoristas, muitos deles taxistas com baixíssima renda. Por fim, o projeto pretende melhorar a qualidade do ar das muitas metrópoles asiáticas onde os tuk tuks são indissociáveis da paisagem. “É muito estimulante saber que tanta gente está trabalhando por um mesmo objetivo”, diz Van Dongen.


(Envolverde/CEBDS)
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