O Brasil é hoje um dos países mais influentes do mundo e, dos chamados Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), é o que menos sofre impactos da crise financeira global, segundo análises de instituições como o banco de investimentos Goldman Sachs. Isso significa que o país tem potencial para crescer e integrar-se cada vez mais ao mercado mundial. Também significa que, para manter esse ritmo, será preciso colocar em prática o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado no início de 2007. Mas será o melhor caminho para o desenvolvimento nacional?
É o que questionam organizações de defesa do meio ambiente. Segundo ambientalistas e lideranças indígenas, algumas das obras mais importantes do PAC podem gerar prejuízos irreversíveis em médio e longo prazos, com danos à Amazônia brasileira e às comunidades que vivem nela, além de provocar um crescimento exacerbado e descontrolado das áreas urbanas da região. A abertura de estradas e a construção de hidrelétricas são os temas mais polêmicos, e razão de conflitos há mais de 30 anos, a exemplo da usina de Belo Monte, no Rio Xingu, Pará.
"Até hoje essa questão está em discussão. Queremos contribuir com o homem branco para que tenhamos uma conversa honesta, um diálogo. A terra indígena Kayapó não será inundada por Belo Monte, mas temos interesse em discutir o projeto porque também somos responsáveis pela preservação do Rio Xingu e sabemos que a usina inundará outras áreas indígenas", explica o líder kayapó Paulinho Paiakan. Ele, ao lado de outras lideranças como Raoni, Marcos Terena e Ailton Krenak, organizou a famosa reunião com a Eletronorte em 1989.
A intenção do governo é leiloar Belo Monte ainda em 2009, depois de anos tentando reduzir os impactos da obra. Inicialmente, a usina alagaria uma área de 1.200 Km². Hoje, o projeto prevê a inundação de 440 Km². Ainda assim, as comunidades que serão afetadas não se sentem seguras. "A Eletronorte se comprometeu a nos manter informados, mas soube só agora que o leilão está previsto para 2009", diz Paiakan. A intenção de leiolar Belo Monte este ano foi anunciada em agosto do ano passado.
Outra obra que provoca polêmica é a reforma da BR 319, que liga Manaus a Porto Velho, em Rondônia. Nesta semana, em 22 de abril, a Justiça Federal adiou as audiências públicas agendas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para discutir os impactos etnoambientais da rodovia. A decisão estende o prazo para 90 dias, tempo para que as partes interessadas no assunto leiam o EIA/Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental).
"Falta transparência no processo porque há uma dificuldade em acessar esses documentos. Por exemplo, o estudo da BR 319 foi divulgado no início de março, mas ainda não está no site do Ibama. Fizemos uma projeção e descobrimos que, se 0,5% da população de Manaus - o que não é nada - resolvesse consultar esses documentos na sedes regionais, o órgão demoraria 30 dias para atender a demanda. Isso pensando no melhor dos cenários. A sociedade não consegue se informar", alerta Raquel Carvalho, agrônoma da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil.
Segundo a organização não-governamental, a estrada afeta diversas comunidades, inclusive indígenas, e não é um investimento vantajoso, pois os custos com a manutenção da rodovia são muito altos. Raquel explica que seria mais viável economicamente e muito menos danoso investir na modernização do Porto de Manaus e no transporte fluvial. Para o governo, no entanto, a revitalização da estrada significa a integração de duas cidades importantes na região, facilitando o trânsito da população e o escoamento de produção.
De acordo com informações preliminares de um estudo da Conservação Estratégica (CSF-Brasil), o custo de implantação das obras da BR 319 é de cerca de R$ 557 milhões e deve gerar prejuízos na ordem de R$ 351 milhões. O estudo mostra que a cada um real investido na obra, apenas 33 centavos trariam benefícios. Além disso, projeções da Universidade Federal de Minas Gerais estimam que as obras devem provocar o desmatamento de quatro milhões de hectares até 2030, o que equivale quase à área do Rio de Janeiro.
Povos isolados em risco
"Queremos o desenvolvimento do Brasil, mas não a qualquer custo, a custo do meio ambiente e dos povos indígenas", diz Ivaneide Bandeira, coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em Rondônia. Além da BR 319, Neidinha, como é conhecida, alerta que a BR 429 e a hidrelétrica do Rio Madeira também têm impactos em comunidades indígenas, inclusive grupos isolados.
"É preciso fazer um levantamento rigoroso e urgente nas duas regiões para identificar os índios isolados que serão impactados. Eles correm risco de morte, mas a Funai não tem recurso humano nem infra-estrutura para identificar esses grupos. É preciso fortalecer o órgão para ter condições de proteger essas áreas."
Filha de seringueiros, nascida no Acre, Neidinha trabalha no desenvolvimento de planos de gestão ambiental em terras indígenas. Segundo ela, é possível promover a sustentabilidade econômica dos povos sem gerar danos ao meio ambiente. "É necessário fazer um etnozoneamento dessas áreas para a partir daí pensar em um plano de gestão. Os índios Suruí fizeram isso e conseguiram se planejar para os próximos 50 anos", explica.
Para a coordenadora da Kanindé, as obras do PAC não representarem um real desenvolvimento para a região, levando apenas inchaço populacional das cidades, violência, invasão de terra, desmatamento, entre muitos outros problemas.
O líder indígena Almir Suruí, da reserva 7 de Setembro, também em Rondônia, preocupa-se com a segurança dos índios isolados. "O PAC é bastante divulgado pelo governo, que quer atrair a atenção dos eleitores por causa de 2010, que está aí. Mas a verdade é que não há respeito às comunidades que serão afetadas pelas obras. Sabemos que esses projetos podem trazer impactos socioambientais muito sérios. Qual é a sustentabilidade disso no futuro? E a vida dos povos isolados, não tem valor?", indaga.
Fonte: Yahoo Notícias.