Berlim, 27 de abril (Terramérica) - O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) previsto no Protocolo de Kyoto, sobre emissões de gases estufa, “deveria ir além da pura compensação e produzir um beneficio atmosférico claro”, afirma Lambert Schneider, especialista do Instituto de Ecologia Aplicada da Alemanha. O MDL permite aos países industrializados investir em projetos em nações pobres para reduzir emissões de gases de efeito estufa, como alternativa mais barata a uma redução real e certificada dos gases que lançam em seus próprios territórios.
Quem reduz dióxido de carbono em um país pobre “vende”
créditos de carbono a quem paga por esse projeto em um país rico, que pode
emitir carbono na mesma proporção. Mas tais projetos devem ser adicionais, ou
seja, sua redução líquida de gases estufa tem de ser maior do que as reduções
que ocorreriam sem essa iniciativa, a qual seria possível apenas no contexto dos
benefícios do MDL. Essa “adicionalidade” é um desafio, afirma Schneider. Sem ela
“o efeito global seria um aumento das emissões de gases poluentes”.
Na
prática, “é muito subjetivo” julgar se um projeto é adicional, e, portanto,
vários dos aprovados são muito duvidosos, acrescentou Schneider, autor de uma
avaliação critica do MDL e membro do painel metodológico da Organização das
Nações Unidas para a avaliação desse
mecanismo.
TERRAMÉRICA: O senhor acredita que houve
avanço substancial para a Conferência da Convenção Marco das Nações Unidas sobre
Mudança Climática de Copenhague, destinada a selar um novo pacto para frear esse
problema ambiental?
LAMBERT SCHNEIDER: As negociações
progridem. As partes agora discutem propostas mais concretas para se chegar a um
acordo em Copenhague, em dezembro. Ainda há muitos pontos de vista diferentes
sobre assuntos fundamentais, e o tempo está
acabando.
TERRAMÉRICA: A redução das emissões que os
países industrializados oferecem estão longe das recomendações científicas. E as
nações em desenvolvimento precisam de apoio financeiro para lançar políticas
efetivas de redução. Com a recessão econômica mundial, o combate à mudança
climática poderia parecer um obstáculo à superação da
crise?
LS: A crise econômica também poderia ser uma
oportunidade para abordar a mudança climática. Os programas políticos para
reconstruir a economia poderiam centrar-se em medidas que reduzissem as emissões
de gases, como promover energias renováveis, melhorar a eficiência energética,
instalar sistemas de transporte baixos em
carbono.
TERRAMÉRICA: Um pacto que suceda o Protocolo de
Kyoto a partir de 2012 enfrenta vários problemas. Um deles é a participação dos
principais emissores de gases estufa, Estados Unidos e os países emergentes,
como China e Índia. Há algum plano para que se integrem a
ele?
LS: O novo governo dos Estados Unidos está adotando
uma posição construtiva embora ainda não esteja clara sua posição sobre muitos
temas. Para que os Estados Unidos participem é importante chegar a um acordo
justo para compartilhar a carga entre as economias mais avançadas. China e Índia
querem que as nações industrializadas assumam objetivos ambiciosos e os apoiem
na limitação de suas emissões.
TERRAMÉRICA: A redução de
gases estufa prevista no Protocolo de Kyoto até agora não foi cumprida. Ao
contrário, as emissões continuam crescendo. Por que?
LS:
Alguns países estão no caminho de cumprir seus compromissos de Kyoto, enquanto
outros devem intensificar seus esforços. Uma deficiência do Protocolo de Kyoto é
que a maioria dos países da Europa oriental recebeu autorização de emissão de
volumes muito maiores do que os que geravam. Então, esses direitos excedentes
acabaram vendidos a nações que não cumprem suas obrigações de limitar as
emissões.
TERRAMÉRICA: Em sua pesquisa, o senhor
concluiu que o MDL foi um êxito comercial de resultados ambientais
insatisfatórios.
LS: Há vários problemas. O desafio mais
importante é a questão da adicionalidade. Um projeto deve demonstrar que só pode
ser implementado pelo incentivo da venda de créditos de carbono do MDL. Do
contrário, as reduções de contaminação aconteceriam igualmente, mas os créditos
permitiriam ao país industrializado elevar suas emissões. O efeito global seria
um aumento de gases estufa. Na prática, é muito subjetivo julgar se um projeto é
adicional, e, portanto, são aprovados vários cuja adicionalidade é muito
duvidosa. Outro problema é o desempenho dos verificadores independentes. O
Conselho Executivo do MDL – a instituição da ONU que regula o mecanismo –
identificou sérias falhas. O maior verificador teve seu credenciamento suspenso
temporariamente, e muitos projetos aprovados por esses verificadores não
superaram a avaliação do Conselho Executivo. Uma terceira limitação é que os
benefícios do desenvolvimento sustentável associados a muitos projetos de MDL
são relativamente baixos.
TERRAMÉRICA: O MDL parece,
então, uma ferramenta perversa. Sob a premissa de que ajudaria a reduzir a
emissão de gases estufa, deu lugar a negócios milionários, mas do ponto de vista
ambiental este é um jogo de soma zero.
LS: Não há nada
de mau em fazer dinheiro reduzindo emissões, ao contrário. O mercado de carbono
diz aos que tomam decisões: reduzir a contaminação desta forma economiza custos.
Mas é claro que a compensação é uma ferramenta limitada. Para cada tonelada de
gás que é eliminada em um país em desenvolvimento pode ser emitida uma tonelada
a mais em uma nação industrializada. Neste aspecto, o MDL é um jogo de soma zero
para a atmosfera.
TERRAMÉRICA: Pode-se reformar o MDL ou
é preciso eliminá-lo?
LS: É necessário reformá-lo. Antes
de tudo, deveria ir além da simples compensação. Por exemplo, por duas toneladas
de reduções de emissões em um país em desenvolvimento, uma nação industrializada
poderia ter permissão para aumentar suas emissões em apenas uma tonelada. Assim
haveria um claro beneficio atmosférico. Em segundo lugar, precisamos de regras
mais objetivas para avaliar quais projetos devem ser aprovados. Deve-se
assegurar que não sejam aprovados projetos que de todo modo seriam feitos sem o
MDL, e que sejam priorizadas iniciativas com claros benefícios de
desenvolvimento sustentável. Em terceiro lugar, necessitamos de incentivos mais
fortes para que os verificadores avaliem minuciosamente os projetos. Isto se
consegue se a ONU pagar seus salários e não as entidades que recebem os créditos
de carbono. No longo prazo, o MDL deveria ser substituído por esquemas de
comércio de emissões que funcionem nos países em desenvolvimento mais
avançados.
* O autor é correspondente da IPS.
Crédito da imagem:
Oeko-Institut
Legenda: Lambert Schneider, especialista do Instituto de
Ecologia Aplicada da Alemanha.