Caracas, 27/04/2009 – Os Estados Unidos trabalharão em matéria energética com os demais países da América sob um enfoque de “geometria variável”, buscando colaborar com alguns em determinados temas e não com todos em tudo, afirmou Jeremy Martin, diretor do Programa de Energia da Universidade da Califórnia. Esse “menu à la carte” permitiria “trabalhar com a Venezuela sobre petróleo pesado de sua Faixa do Orenoco e com o Brasil no caso do etanol e com Brasil e México na redução dos gases causadores do efeito estufa, porque com o casamento entre energia e mudança climática agora Washington não pode falar de uma sem a outra”, afirmou o especialista norte-americano em um fórum realizado em Caracas.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, na V Cúpula das
Américas, realizada de 17 a 19 deste mês em Puerto España, exortou no sentido de
se percorrer “um novo caminho para uma sociedade de energia e mudança climática”
no hemisfério, que, segundo Martin, se baseia em promover a eficiência, melhorar
a infra-estrutura e reduzir a emissão de gases de efeito estufa. O consultor
canadense em assuntos de energia Roger Tissot, recordou, no mesmo fórum, que
Washington pretende reduzir a importação de combustível do Oriente Médio e da
Venezuela, desenvolver veículos híbridos e reduzir em 80% até 2050 as emissões
de dióxido de carbono (CO²), um dos gases apontado pela maioria dos cientistas
como responsável pelo aquecimento do planeta.
Mas essa intenção depende
da segurança energética dos Estados Unidos, pois o uso de abundante energia foi
o pilar dessa economia e de seu crescimento. Os especialistas recordaram a frase
do presidente George W. Bush, “somos viciados em petróleo”, e que durante o
governo de Richard Nixon (1969-1974) esse país importava 30% do petróleo que
consumia, quando atualmente importa 65%. E mais, lembrou Paulo Valadão de
Miranda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, enquanto o mundo consegue de
fontes renováveis 13% da energia que consome, os norte-americanos obtêm dessas
fontes apenas 2% de seu consumo.
Isso explicaria o que Martin chama de
“modelo de altos e baixos” nos Estados Unidos. “Durante a campanha presidencial
de 2008, com altos preços para a gasolina, a opinião pública apoiava a busca de
novo petróleo em águas do Atlântico ou no Alasca, e seu lema parecia ser “drill,
baby, drill” (perfura, bebê, perfura). “Mas, agora, com a queda do preço do
combustível, todos aparecem como verdes e é melhor envolver-se de verde”
ironizou Martin. Mas o especialista citou o presidente da Petrobras, Sergio
Gabrielli, para quem “por muitos anos o mundo continuará se movimentando em
carros, aviões e caminhões” e estimou que “ainda em 2030 até 80% da energia
mundial virão de combustíveis fósseis”.
Diante do atual consumo mundial
diário de 84 a 85 milhões de barris (de 159 litros), em 20 anos a demanda
chegará a 113 ou 115 milhões de unidades. Por outro lado, segundo especialistas
venezuelanos como Victor Poleo, professor da Universidade Central e
vice-ministro de Energia no primeiro triênio (1999-2001) de Hugo Chávez, “o
mundo avança para uma mudança estrutural da matriz energética do motor à
gasolina rumo a fontes diferentes, como a eletricidade”. Para Poleo, a gasolina
“é o maior contaminante do mundo; 50% dos passivos trabalhistas do planeta são
provocados pelo motor” que consome esse combustível e, além disso, “é o maior
contribuinte do capital energético mundial”, representado pelas grandes
corporações do petróleo.
Oito das 15 empresas com maiores vendas no
mundo, segundo a revista norte-americana Forbes, se dedicam ao negocio
petroleiro. Para Tissot, a manutenção da demanda e alta do preço em anos
recentes causaram um “exagerado otimismo” nas companhias de petróleo, que
praticamente “deixavam dinheiro sobre a mesa” quando competiam por licitações de
jazidas. O panorama, após surgir a depressão global no ano passado, agora é
diferente – diz o especialista canadense – pois “a crise norte-americana é real,
grave, não haverá recuperação rápida e o ciclo econômico parece que não
descreverá um V ou um U, mas sim um L.
Nesse contexto, as empresas
petroleiras privadas, “que já haviam abandonado há anos programas de pesquisa e
desenvolvimento, observam que seus custos de produção não caíram como os preços,
há colapso na demanda e persistem a crise financeira e o risco político de novas
regulamentações sobre os empreendimentos que fizerem”. As companhias estatais,
por sua vez, “embora controlem 80% das reservas mundiais, não têm a comodidade
de um propósito único como as privadas (lucro para os acionistas), mas respondem
a múltiplos interesses, e com frequência a pressão de um Estado populista que
quer dinheiro, mas tem aversão aos riscos”.
Essas circunstâncias “podem
ser o preâmbulo de outra crise energética, porque para manter o equilíbrio entre
a oferta e a demanda que aumenta a cada ano é preciso investir cerca de US$ 500
bilhões anuais”, disse Tissot. “É como essas esteiras de academia, que exigir ir
cada vez mais rápido para estar no mesmo lugar”, disse o canadense. Tissot
também considerou que essa é a razão para cálculos díspares sobre qual deveria
ser o preço de equilíbrio para o petróleo. Recordou que a Arábia Saudita o situa
entre U$ 60 e US$ 70, e Venezuela e Irã o querem a US$ 80, “mas, com a atual
recessão, não creio que seja possível”, acrescentou.
Bancos de
investimento calculam que o barril de petróleo ficará, em média, entre US$ 50 e
US$ 60 nos próximos dois anos, e no longo prazo poderá voltar aos US$ 100 ou US$
110. Dessa forma, “os Estados Unidos apostam em ampliar o mercado para energia
limpa, enquanto trabalha junto como Brasil em etanol e junto a todos em petróleo
de difícil extração, como nas profundidades do Atlântico brasileiro, na Faixa do
Orenoco ou nas areias betuminosas de Athabaska (Canadá). “Cada país é diferente.
A Colômbia, por exemplo, tem uma produção declinante desde que atingiu um máximo
de 821 mil barris diários em 1999, mas realiza um esforço de recuperação para
passar novamente dos 500 mil barris diários”, disse Martin.
Outro caso é
o de Trinidade e Tobago, primeiro fornecedor estrangeiro de gás natural aos
Estados Unidos, com reservas de 31 trilhões de pés cúbicos e um programa de
incentivos fiscais para investimentos de exploração que podem duplicar as
reservas disponíveis, lembrou o especialista norte-americano. Com um horizonte
de 10 anos para reduzir a dependência de combustíveis fosseis importados, a
administração Obama estabeleceu medidas como a produção maciça de carros
híbridos (gasolina e outro combustível) a partir de 2011 e veículos que consumam
no máximo 6,7 litros de gasolina a cada cem quilômetros, em lugar do atual teto
de 8,7 litros.
A declaração da V Cúpula das Américas diz que os Estados
Americanos “se esforçarão para promover investimentos e inovação para o
desenvolvimento e a diversificação de fontes de energia e de tecnologias
eficientes e ambientalmente amigáveis, incluindo tecnologias mais limpas para a
produção de combustíveis fosseis”. José Ignácio Moreno, ministro de Energia da
Venezuela em 1983 e 1984 e reitor da Universidade Metropolitana, que recebeu
Martin e Tissot, propôs que “se leve em conta a eco-economia, os valores da
ecologia na economia, que supõem mudanças nos modelos de consumo e se insista na
busca de fontes limpas de energia”. O “dilema não é quanto custa a mudança, mas
que preço pagaremos se não o fizermos”, acrescentou.
IPS/Envolverde
(Envolverde/IPS)