Anchorage, Estados Unidos, 20 de abril (Terramérica) - Enquanto indígenas de todo o mundo se reúnem nesta cidade norte-americana em busca de um caminho que lhes permita influir nas negociações internacionais sobre mudança climática, o veloz aquecimento do Ártico desloca aldeias inteiras da etnia inuit. “Temos séculos de experiência em nos adaptarmos ao clima e nossas formas tradicionais de vida deixam pegadas de carbono muito tênues”, disse ao Terramérica a líder aborígine filipina Victoria Tauli-Corpuz, presidente do Fórum Permanente para as Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas. O carbono, principal gás de efeito estufa, é liberado na atmosfera por atividades humanas como queima de combustíveis fósseis, a indústria, a pecuária e o desmatamento.
Cerca de
400 indígenas – entre eles o presidente boliviano, Evo Morales, e observadores
de 80 nações – participam, entre os dias 20 e 24 deste mês, da Cúpula Mundial
dos Povos Indígenas sobre Mudança Climática, em Anchorage, Estado do Alasca.
Neste encontro, patrocinado pela ONU, serão discutidas e sintetizadas aplicações
do conhecimento tradicional nativo para mitigação da mudança climática e
adaptação a ela. “Os povos originários são os que menos contribuem para a
mudança climática, mas carregam a pior parte de seu impacto”, disse Patricia
Cochran, presidente da Cúpula e do Conselho Circumpolar Inuit.
Em sua
opinião, os indígenas estão na vanguarda do debate sobre mudança climática.
Qualquer diálogo será muito mais rico e produtivo com sua participação, afirmou
Patricia ao Terramérica. Os povos indígenas também estão na primeira linha
quanto a sofrer os impactos das mudanças climáticas, acrescentou. A aldeia de
Newtok, cerca de 800 quilômetros a leste de Anchorage, é a primeira de várias
que devem se deslocar devido às alterações do clima. Pelo calor, a corrente do
rio ficou mais intensa e derrete o permafrost, a camada sempre congelada do
solo. Dessa forma são destruídas casas e infra-estrutura, obrigando 320
moradores a se mudar para um lugar mais alto 15 quilômetros a oeste, ao custo
calculado em dezenas de milhões de dólares.
Outros cinco assentamentos
inuit no Alasca necessitam de realocação urgente. Em Shishmaref, de 560
habitantes, e em Kivalina, com 377 moradores, as tempestades de outono não são
contidas pela minguante barreira de gelo costeiro, o que está causando uma grave
erosão. Dezenas de povoados semelhantes estão ameaçadas. Segundo o Grupo
Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), nas regiões
mais afetadas, como Ártico, Caribe e Amazônia, vive a maioria dos indígenas,
disse Sam Johnston, da Universidade das Nações Unidas em Tóquio,
co-patrocinadora da Cúpula.
Pelo menos cinco mil grupos originários foram
identificados em mais de 70 países, com uma população global de 300 a 350
milhões, o que representa cerca de 6% da humanidade. Por sua ancestral ligação
cultural e espiritual com a terra, os oceanos e a natureza, os indígenas têm
muito a oferecer, disse Johnston em uma entrevista. “O mundo deve aos indígenas
e a si mesmo uma atenção maior à sabedoria de seu conhecimento tradicional”,
acrescentou. O principal objetivo da Cúpula é fortalecer a participação das
comunidades aborígines na Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações
Unidas sobre Mudança Climática, que acontecerá em dezembro, em
Copenhague.
Nessa ocasião, os governos deverão criar um tratado
obrigatório – sucessor do Protocolo de Kyoto, que expira em 2012 – para reduzir
as emissões de gases causadores do efeito estufa e também um fundo de adaptação
para ajudar os países pobres. A cúpula indígena concluirá com uma declaração e
um plano de ação, bem como um chamado aos governos para incluir plenamente os
povos originários no regime que for adotado na capital dinamarquesa. Os povos
indígenas não têm nenhum papel formal nas conversações sobre clima, embora
tenham participado da delegação boliviana em reuniões preparatórias, como a
realizada no início deste mês, na cidade alemã de Bonn.
O ideal é que os
aborígines tenham um papel de assessoria formal, como no Convênio das Nações
Unidas sobre a Diversidade Biológica, disse Tauli-Corpuz. “Porém, nenhum governo
está disposto a pressionar por isto”, afirmou. A Declaração de Anchorage será
assinada por Evo Morales, de origem aymara; pelo presidente da Assembléia Geral
da ONU, Miguel d”Escoto, e pela parlamentar dinamarquesa Juliane Henningsen,
disse Cochran.
Questões como a redução do desmatamento e o
reflorestamento maciço podem ter importantes impactos nas comunidades nativas e
é vital que sejam reconhecidos e respeitados seus direitos em qualquer acordo
final sobre clima, disse Tauli-Corpuz. Contudo, alertou Johnston, as discussões
entre governos, especialmente entre China e Estados Unidos, estão subindo de tom
e podem marginalizar o esforço indígena de participar do debate.
* O
autor é correspondente da IPS.
Crédito da imagem: Cúpula
Indígena
Legenda: Aborígine de uma das ilhas de
Carteret, em Papua-Nova Guiné, percorre a costa afetada pela erosão
marinha.