A questão de gênero estava sobre a mesa no Fórum Mundial da Água, realizado na semana passada em Istambul, do qual participaram cerca de 30 mil pessoas. Porém, as mulheres do Sul em desenvolvimento eram poucas nesse Fórum, dominado por “homens em trajes negros”, disse Muylwijk. Somente ela e uma representante de uma organização não-governamental do Norte falaram sobre igualdade de gênero.
IPS - O que impede as mulheres serem protagonistas na questão da água?
Joke Myilwijk - Muitas coisas, mas a principal é que os homens tomam decisões e as mulheres fazem o trabalho. Precisamos de mais mulheres em níveis de decisão e homens no trabalho.
IPS - Isto pode ser conseguido?
JM - Não neste momento, mas poderá piorar se não continuarmos tentando. Necessitamos ir passo a passo, começando com uma conscientização, capacitação e poder. O êxito não se consegue sentado. Se o acesso à água melhora em algum lugar, temos de garantir que continue assim. De outra forma, a situação retrocederá.
IPS - Há algo para destacar e boas práticas?
JM - Algumas. Bangladesh é um bom exemplo. As mulheres formam grupos e se reúnem com as pessoas que tomam decisões para apresentarem demandas. Em lugares como Brasil, Bolívia, Quênia e México os grupos de gênero colocaram sobre a mesa a necessidade de atender as necessidades especiais das mulheres.
IPS - Como quais?
JM - As mulheres têm especiais necessidades em saneamento. Já não é um tabu, nem deveria ser, discutir abertamente que as mulheres precisam de banheiros especiais porque, ao contrário dos homens, não podem simplesmente ir ao campo. E mesmo se o fizessem, se tornariam vulneráveis aos ataques sexuais. Algumas bebem menos água para não ter de ir ao banheiro, a menos que haja um limpo e seguro disponível. Também os órgãos reprodutivos são vulneráveis à água suja. Algumas jovens de fato abandonam a escola por falta de banheiros adequados.
Depois de parir, necessitam de água limpa, mas a falta desta ainda mata muitas mulheres no século XXI. Isto se deve à falta de compreensão das necessidades especiais das mulheres. O estimulante é que estamos discutindo publicamente estas necessidades. É uma mudança grande e positiva. Inclusive nosso príncipe (Willem-Alexander da Holanda, que participou do Fórum de Istambul) fala publicamente sobre a necessidade de banheiros especiais para as mulheres.
IPS - Qual outro grande problema existe depois da falta de saneamento?
JM - O fornecimento. A água de torneira em algumas cidades é de qualidade duvidosa. Quando as mulheres fazem fila para conseguir água em centros fornecedores, em geral são expulsas à força por homens que adquirem uma parte extra e a vendem, às vezes para as mulheres a preços mais altos.
Em zonas rurais, as mulheres cuidam do fornecimento. Isto se acrescenta ao fato de terem de ser donas de casa, mães e agricultoras. A demanda por favores sexuais e violações são comuns no caminho em busca da água. Uma vez violentadas, as jovens já não podem se casar. É obrigada a se prostituir. A proteção policial é coisa rara. As mulheres deveriam ir todas juntas e não deixar as jovens sozinhas.
IPS - Está otimista quanto ao futuro?
JM - Sejamos realistas, mais do que otimistas. Ao contrário de cinco anos atrás, as necessidades das mulheres agora são discutidas publicamente. Existe a tendência para uma melhor compreensão, mas isto não acontece sem uma constante vigilância. Há relações de poder. Existe uma propagada corrupção. Os corruptos ainda não se dão conta de que ficando com o dinheiro e acossando as mulheres estão arruinando as vidas e contribuindo para a morte de meninos e meninas. Mais crianças morrem de problemas relacionados com a água do que por outras razões. IPS/Envolverde
(Envolverde/IPS)