Você se revela otimista em relação às mudanças climáticas. Qual o tamanho desse desafio, que pode significar ter de encontrar um novo modelo de civilização sustentável?
Sérgio Abranches: Esse é o maior e mais monumental desafio que a humanidade já enfrentou, e que a coloca frente ao seu próprio extermínio. No limite, estamos falando da sobrevivência da vida na Terra. Mas, o fato de ser um desafio fenomenal não significa que nós não tenhamos capacidade de enfrentá-lo. Temos os meios para isso, por isso sou otimista. O que precisamos fazer é acelerar a mudança, para que não sejamos forçados a conviver com grandes mudanças climáticas, o que seria muito lesivo ao bem-estar da humanidade. Ainda temos condições de garantir que a humanidade, que deve chegar a 10 bilhões de pessoas, possa viver de forma digna no mundo, mesmo com as mudanças climáticas que já vão acontecer. Estamos no limite. A partir de mais alguns anos de procrastinação, começaremos a colocar uma parte da humanidade em risco de não ter condições de vida suficientemente boas no futuro.
Como podemos começar a enfrentar esse desafio?
Sérgio Abranches: O tamanho do desafio não significa que a luta tenha de começar de forma muito complexa. Acho que há coisas realmente muito difíceis de obter, outras são relativamente simples. Dou um exemplo: do ponto de vista de acelerar a mudança criando mais pressão da sociedade a partir do consumidor, a primeira luta tem de ser forçar todas as empresas a dizer quanto de emissões de carbono seus produtos têm embutidos. O conteúdo de carbono nos produtos passa a ser informação tão importante ao consumidor quanto aquelas informações sobre danos à saúde. Sabendo que um produto tem mais carbono que outro, posso imediatamente sinalizar para o mercado que estou disposto a comprar um de baixo carbono.
O consumidor, então, tem um papel importante nesse processo?
Sérgio Abranches: Se eu fosse fazer uma campanha a favor do consumidor hoje, no Brasil, eu diria: “eu posso saber qual o teor de carbono do produto que eu consumo”. É a mesma coisa em relação ao produto transgênico. Só quero saber se é transgênico, e eu decido se quero ou não consumir. Mas, para isso, preciso saber o que é transgênico, o que é natural, o que é orgânico. Esse é o princípio do processo, porque o capitalismo não acabou pela crise econômica que estamos vivendo. O mercado vai continuar existindo, e trabalhar os sinais de mercado é muito importante. Isso não significa que não precisamos do Estado, pois precisamos de regulação e ela é fundamental para acelerar esse processo. Mas, a sinalização de mercado pela circulação de informação para orientar o consumidor, para que o consumidor possa tomar uma decisão, é fundamental.
Como os cidadãos podem ser mobilizados para exercer esse papel, percebendo a relação do seu consumo com as mudanças climáticas?
Sérgio Abranches: Aí entra o papel das vanguardas, dos formadores de opinião, tanto do ponto de vista de movimentos sociais quanto empresarial. Uma vez conhecido o teor de carbono do produto, posso começar a associar o produto de alto carbono às conseqüências imediatas, aos eventos climáticos extremos, às dificuldades que pessoas estão sofrendo. Aí entram as vanguardas mostrando para o consumidor o que ele está consumindo. Isso é repetir a história. Nós já tivemos movimentos bem-sucedidos que fizeram isso, como o movimento pela preservação da camada de ozônio. As pessoas trocaram seus produtos e as empresas acabaram com o CFC [gás que destrói a camada de ozônio] até mais rapidamente do que o Protocolo de Montreal tinha pedido. Fizemos isso com vários produtos cancerígenos que eram usados nos alimentos, ou com hormônios de crescimento na produção animal. Tudo isso foi feito pela associação entre a ciência e a tecnologia e os movimentos de vanguarda que sinalizam, informam e mostram ao consumidor o mal que aquilo faz a ele. Com isso, o consumidor muda seu comportamento.
(Envolverde/Instituto Akatu)