Como toda crise esta também vai passar. E ao final dela sairá fortalecida a onda verde que já se espalha entre empresas, governos e indivíduos em todo o mundo. A green wave se escora em duas grandes fontes de pressão, na verdade, duas macrotendências especialmente observáveis nos últimos três anos.
A primeira diz respeito ao sentimento de que os limites do planeta – e a ascendente noção de escassez versus a utopia decadente da abundância – acabarão por restringir operações de negócio, redesenhar mercados e ameaçar a qualidade de vida das pessoas. Ninguém bem informado e mentalmente são acredita que será possível continuar tomando 30% a mais dos recursos que a terra é capaz de provisionar sem deixar a conta da esbórnia para alguém. Vale destacar que já não se está mais empurrando a dívida para as gerações de um futuro distante. A degradação dos ativos naturais e o aumento da geração de resíduos têm resultado em sérios desequilíbrios socioambientais para as presentes gerações. O mais notável deles é a redução da oferta dos chamados ecosserviços essenciais à vida, como água limpa, ar respirável, solo fértil e clima estável.
Sobre a
água, muitas vezes desperdiçada por senhoras paulistanas que insistem em usar a
mangueira para varrer calçadas, nunca é demais lembrar: um quinto da população
mundial não têm acesso a ela potável e limpa. O relatório Estado dos Negócios
Verdes 2009, da Green Biz, destacado em matéria desta página, aponta que a água
será o carbono do século 21. Trata-se de recurso estratégico para os processos e
produtos de empresas cuja gestão exigirá crescente eficiência. Em alguns lugares
do mundo, ela já custa mais do que a gasolina. Sua previsível falta poderá
inclusive ser foco de conflitos, a ponto de reordenar o mapa geopolítico
internacional.
E o que dizer do ar de qualidade, uma commodity ambiental
importante para a vida humana, posta em xeque nos grandes centros urbanos.
Pesquisa divulgada pela Faculdade de Medicina da USP, na semana passada,
conferiu verdade científica ao que já se sabia: a poluição produzida pelos 9
milhões de carros da região metropolitana de São Paulo agrava doenças
cardiorrespiratórias que matam 20 pessoas por dia. Há cinco anos, eram 12
pessoas. Três vezes mais tóxico que o limite estabelecido pela Organização
Mundial da Saúde, o ar poluído da maior cidade da América do Sul custa R$ 334
milhões anuais com internações.
Do clima nada estável muito se tem dito.
E pouco se tem feito. Ao anunciarem em 2007 o aquecimento global e as suas
razões humanas, os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas da ONU foram taxativos na defesa do desafio que ficou conhecido como
80-20 –reduzir as emissões de carbono em 80% nos próximos 20 anos. No entanto,
até a eclosão da crise econômica mundial, as emissões seguiam vertiginosa curva
ascendente. Mais um débito penoso na dívida contraída para com o
planeta.
A expansão da onda verde nada mais é do que uma resposta de
adaptação darwiniana ao quadro de escassez. E um contraponto necessário ao
modelo econômico que chegou numa encruzilhada. É urgente repensar novos modos de
extrair-produzir-destacartar. As empresas líderes já compreenderam esse
imperativo e estão se mexendo. A bolha da era industrial estourou. É o fim da
mentalidade do ou/ou, do tipo ou se produz muito para gerar desenvolvimento ou
se é sustentável.
Urgente também é abolir o pensamento industrial do
século 19 de que os recursos abundantes da natureza estarão sempre disponíveis
para servir de insumos aos mercados. Tornou-se imprescindível aprender a
consumir de modo responsável.
É esse justamente o cerne da segunda fonte
de pressão da onda verde. Filhos de uma ética fundamentada no conceito da
interdependência, há cada vez mais indivíduos sensíveis e atentos às questões
socioambientais, prontos a cobrar de empresas compromissos e práticas
sustentáveis. Em todos os lugares do mundo. Até mesmo nos EUA, cujo modelo de
consumo, historicamente perdulário, costuma-se atribuir boa parte da dívida para
com a Terra. Sociólogos daquele país estão debruçados sobre um fenômeno,
conhecido como Cultural Creatives, que se caracteriza pela notável ascensão de
um grupo cada vez maior de americanos com valores menos conservadores, fora do
tradicional padrão egocêntrico de ser e de viver.
Eleitores de Barak
Obama, eles são ambientalistas, feministas, defensores de direitos civis, da paz
e da justiça social, adeptos de alimento orgânico, da espiritualidade e de
cuidados alternativos com a saúde. O movimento já conta com 70 milhões de
indivíduos. Especialistas acreditam que ele já represente para a civilização
ocidental o mesmo que a Renascença foi para a idade média na Europa. Eis uma boa
notícia para se comemorar em tempos de crise de dinheiro e de valores.
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Ricardo Voltolini é publisher da revista Ideia Socioambiental e
diretor de Ideia Sustentável: Estratégia e Conhecimento em Sustentabilidade. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
/ http://www.ideiasocioambiental.com.br
(Envolverde/Revista Idéia Socioambiental)