Dualidade em meio à restinga

Enquanto o governo do Estado está preocupado com as restingas, como demonstra um decreto sobre sua proteção, permite, ao mesmo tempo, através de outro decreto, a instalação de um Distrito Industrial (DI) no município de São João da Barra, que se situa, todo ele, sobre a maior restinga do Rio de Janeiro. Recentemente, o Estado publicou o decreto nº 41.612, de 23 de dezembro de 2008, dispondo sobre a definição de restingas no Estado do Rio e estabelecendo a tipologia e a caracterização ambiental da vegetação de restinga. Nele, há artigos relacionados à proteção deste ambiente de alto valor ecológico. Contraditoriamente, o mesmo governo edita o decreto nº 41.584, de 5 de dezembro de 2008, que considera extensa área da restinga de Gruçaí como de utilidade pública para fins de desapropriação. Orientada pelo então presidente da Cedae, Wagner Victer, o grupo EBX comprou uma área que considerou vazia no município, para instalação do complexo industrial-portuário. A área em questão possui lagoas e um remanescente de vegetação de restinga, não tendo nada de vazia em termos sociais e ambientais.

Antes de declarar a área de utilidade pública em favor da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio (Codin), com a finalidade de implantar o Distrito Industrial (DI), o Instituto Estadual de Florestas (IEF) vinha travando uma queda de braço com a EBX, para a criação de um parque estadual de restinga, e o traçado assumiu um caráter aparentemente definitivo.

O governo do Estado não parou por aí. Em um anexo do mesmo decreto, arrolou, para desapropriação, uma grande quantidade de pequenos produtores para implantação do DI, não figurando a planta do distrito industrial, não apresentando o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto do Meio Ambiente (Rima), necessários por lei para criação de distritos industriais.

Comentários - O ecologista e professor universitário Arthur Soffiati ressaltou a contradição, mas esclarece que o Parque da Restinga de Gruçaí será criado em parte das terras compradas e cedidas pelo Grupo EBX ao Instituto Estadual do Ambiente. Assim, a instalação do Distrito Industrial não deve afetar a nova unidade de conservação.

Segundo ele, o decreto que considera a área de utilidade pública para fins de desapropriação, além de afetar o outro decreto de proteção de restingas, emanado do mesmo governo, apresenta lacunas que podem permitir uma ação judicial dos proprietários para manterem suas terras ou vendê-las por preço mais justo.
- A intenção é desapropriar o que resta da restinga para vender terras a preços acessíveis às empresas que quiserem se instalar nos complexo industrial-portuário. Assim, o grupo se beneficia com a medida, já que a crise econômica mundial levou algumas empresas interessadas a desistirem de se implantar na área - ponderou.

Mesmo que o decreto tenha fins puramente de desapropriação, Soffiati está examinando a legislação ambiental por achar que a desapropriação afeta o maior complexo ecológico de restinga do Estado do Rio e um dos maiores do Brasil. "Muitos segredos de ecodiversidade e de biodiversidade se escondem ali. Com o DI, podemos perder toda esta diversidade sem mesmo saber de sua existência", concluiu.

O secretário de Meio Ambiente de São João da Barra, Marcos Sá, disse que o DI não afetará a área de restinga. "Cerca de 70% da área está degradada e ocupada por pastagens, e os 30% restantes são de manejo. A restinga estará protegida pela Área de Preservação Permanente", assegurou.

A subsidiária da EBX, a LLX, reconheceu através de nota, a diversidade ambiental de parte da área onde será instalado o Porto do Açu. A nota também afirma que durante os estudos para a elaboração do EIA-Rima foram realizadas várias pesquisas na região, incluindo algumas com o envolvimento de renomados estudiosos de instituições locais e que esses dados constam nos estudos entregues ao órgão competente para emissão da licença.

A empresa informou ainda que possui uma série de programas ambientais para o local. Um deles é a conservação e recuperação da restinga na faixa próxima à praia. Outro é a criação de um viveiro específico para espécies nativas de restinga, que serão utilizadas para reflorestamento de área de restinga degradada antes da implantação do empreendimento. A LLX lembrou que, como em todo empreendimento, a definição da contra-partida ambiental é feita em conjunto com o órgão competente. Segundo ela, esta definição está em curso.

A Folha tentou ouvir o governo do Estado, mas a assessoria de Comunicação informou que é a Secretaria Estadual de Ambiente, que deveria se pronunciar sobre o assunto, o que não foi feito até o fechamento da matéria.

Projeto idealizado para preservar restingas

Ecologistas defendem a continuidade entre o núcleo da Unidade de Conservação (UC) de proteção integral do Parque Estadual da Restinga de Gruçaí, que protege, entre outros ecossistemas, a Lagoa do Salgado, ligando esta à Lagoa do Açu pelo canal entre as duas, e da Lagoa do Açu ao núcleo do parque por uma linha junto à costa, além da ampliação da unidade na Lagoa do Açu até a localidade de Maria da Rosa e mesmo até parte do banhado da Boa Vista, atrás do Farol de São Thomé.

Segundo eles, a unidade de Gruçaí terá duas partes: o núcleo e a Lagoa do Salgado, sem continuidade, e esta separação criará dificuldades para a sua administração. A intenção, segundo eles, é incluir na UC, as lagoas Gruçaí, Iquipari, Veiga, Taí e Salgado.

Os ecologistas acreditam que, com a preservação dessas lagoas, a pesca artesanal estará mantida através da realização de um plano de manejo a ser desenvolvido pelas comunidades do entorno.

Eles sugerem ainda a criação de um programa de varredura de biodiversidade, no interior do empreendimento, incluindo organismos pluricelulares, como fungos, plantas e animais, inclusive invertebrados.

Mais de mil espécies vegetais no ecossistema

Na época colonial, a vegetação de restinga cobria cerca de 1.200 quilômetros quadrados do Estado do Rio, e apenas uma pequena fração se encontra hoje protegida em unidades de conservação. Nas restingas foram identificadas mais de 1.200 espécies de vegetais superiores pertencentes a 120 famílias botânicas, com destaque para leguminosas, bromeliáceas, mirtáceas, rubiáceas e orquidáceas, que foram identificadas como endêmicas, várias espécies botânicas e zoológicas, espécies da flora e da fauna oficialmente reconhecidas como ameaçadas de extinção.

Para conter a degradação de restingas, o Código Florestal (Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965), enquadra a vegetação como Área de Preservação Permanente (APP), não podendo ser devastada. A resolução do Conama 303, de 20 de março de 2002, define como APP a área situada nas restingas em faixa mínima de 300 m , medida a partir da linha de preamar máxima; ou em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues.

Um Lembrete
No território da Mata Atlântica concentram-se 75% da população e 70% da economia do Brasil. Pense sobre isso ao avaliar quaisquer custos envolvidos na Proteção e Recuperação do que ainda resta dela. Os preços a pagar serão sempre inferiores ao valor dos serviços da floresta na manutenção dos recursos hídricos, proteção ao solo, conservação da biodiversidade e conforto climático, entre outros. Destruir a Mata Atlântica é muito caro. 
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