México, 02/03/2009 – As negociações realizadas na semana passada no México expuseram as dificuldades quase insolúveis para obter um forte regime internacional de responsabilidade e compensação por danos causados pelo movimento transfronteiriço de transgênicos. Com esse diagnostico concordam a ativista Silvia Ribeiro, porta-voz na América Latina do não-governamental Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), com sede no Canadá, e Sandra Pina, gerente de negociações internacionais da Agrobio México, associação de empresas de biotecnologia que promovem os transgênicos.
Silvia, uma experiente crítica das empresas que vendem sementes transgênicas, e Sandra assistiram como observadora ao encontro de apoio do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança da Biotecnologia, e conversaram com a IPS. Os delegados de aproximadamente 30 países esperavam definir o regime que aplicará o artigo 27 do protocolo sobre “responsabilidade e compensação”, em vigor desde 2003. Mas o debate que já dura cinco anos ainda não chegou ao consenso necessário para este tipo de instrumento. As negociações avançaram no México, mas não chegaram a esse ponto, segundo as entrevistadas. As discussões continuarão no próximo ano, possivelmente em fevereiro na Malásia.
O objetivo é obter um documento
negociado antes da conferência dos 153 países que aderiram ao Protocolo de
Cartagena, programada para outubro de 2010 no Japão. Este documento,
complementar ao Convenio sobre a Diversidade Biológica, destina-se a proteger a
biodiversidade dos possíveis danos causados pelos transgênicos, e estabelece
que, diante da incerteza ou falta de informação, se deve aplicar o princípio
precautório para evitar a entrada ou o uso desses organismos geneticamente
modificados.
A biotecnologia agrícola permite criar, manipulando genes,
plantas tolerantes a herbicidas, resistentes a pragas e enfermidades, bem como
outras que podem sobreviver a solos secos ou com salitre. Além disso, estão
sendo desenvolvidas sementes que, segundo seus defensores, darão lugar a
cultivos de alimentos com mais vitaminas e até vacinas contra doenças.
Cientistas de todo o mundo ainda discutem se os organismos geneticamente
modificados são perigosos para o meio ambiente e a saúde humana. Há quem afirme
que são totalmente inócuos, mas há registros de casos de alergias em pessoas e
alterações em animais relacionadas ao seu consumo.
De acordo com Silvia
Ribeiro, se em 2010 se chegar a um acordo entre governos sobre o regime de
responsabilidade e compensação ao movimento de transgênicos “haverá tantas
lacunas que será inútil, estará viciado de conteúdo”. O problema da atual
negociação, acrescenta, é que exige consenso, o que impede a impede de ganhar a
postura majoritária de países que apostam em um regime que ordene compensações
diretas às empresas que produzem e vendem sementes transgênicas e aos governos
que as autorizam. Por outro lado, a porta-voz da Agrobio disse que nas
negociações foi possível observar que “felizmente” os participantes “estão cada
vez menos apaixonados” na defesa de suas posições.
Sandra Piña disse que
as partes estão “mais abertas” para um acordo sobre um regime de compensação de
caráter administrativo, que seja definido em seus detalhes por cada país. Ditar
um regime universal “seria muito difícil”, pois na responsabilidade e
compensação por possíveis danos “há enes fatores a considerar, como os
ambientais de cada lugar, o transporte, o manejo, a presença de outras espécies
e o mau uso de sementes, entre outras. Cada país deve analisá-lo”, afirmou. “Os
ativistas, cuja presença e ponto de vista são valiosos e necessários, gostariam
de subir muito o tom neste assunto, mas isso não anima ao consenso e se deve
recordar que aqui mandam os governos”, acrescentou Sandra. Em sua opinião, se
busca um acordo “razoável que ainda tem algum caminho a
percorrer”.
Durante toda a semana passada, cerca de 150 delegados de 30
governos se reuniram na chancelaria do México, na capital do país. Do lado de
fora do edifício, ativistas ambientalistas e camponeses fizeram manifestações
contra os transgênicos. Além disso, o escritório nacional do Greenpeace fez com
milho transgênico um gigantesco mapa do México na praza do Zócalo, no centro
histórico da cidade. A Rede em Defesa do Milho do México, do qual fazem parte
ETC, Greenpeace e várias organizações camponesas, divulgaram uma declaração
dizendo que “os transgênicos são a expressão mais exagerada e lesiva do domínio
corporativo e para o lucro da história da agricultura”.
Do seu ponto de
vista, os transgênicos estão “desenhados para garantir a dependência alimentar
de todos”. As empresas que os produzem, “os cientistas que trabalham para elas,
junto às multinacionais que os distribuem e promovem, e os governos que os
permitem” são responsáveis pelos danos que causam “aos povos, às suas culturas e
economias, à saúde, ao meio ambiente e à biodiversidade”, afirmaram. A área de
cultivo de transgênico no mundo cresce sem parar desde suas primeiras
autorizações comerciais em 1996 e já inclui 125 milhões de hectares em 25 países
e 13,3 milhões de agricultores.
As sementes das multinacionais BASF,
Bayer CropScience, Dow AgroSciences, DuPont/Pioneer, Monsanto e Syngenta dominam
amplamente este mercado. Uma infinidade de alimentos processados com esses
produtos já circulam no mercado e são consumidos por milhões de pessoas. “A
experiência dos últimos anos não indica que os temores sobre os transgênicos
sejam reais. Atualmente existe mais consciência sobre seus potenciais
benefícios, daí seu crescimento exponencial”, disse a porta-voz da
Agrobio.
Por sua vez, Silvia Ribeiro disse haver evidências claras dos
impactos dos transgênicos e que, diante da impossibilidade de definir um
“verdadeiro” regime mundial de responsabilidade e compensação, só o que resta é
rechaçar sua presença em cada país de forma pontual e usando os meios ao alcance
dos ativistas e camponeses. O ETC também reclama regulamentações internacionais
para impedir que entrem transgênicos nos centros de origem de certas variedades,
como o milho no México, pois podem alterar sua presença natural.
Embora
no México esteja proibido o cultivo comercial e experimental de milho
transgênico, várias investigações detectaram traços e misturas com as variedades
locais. O México deverá decidir em breve a conveniência ou não de cultivar milho
transgênico, mas somente poderá fazê-lo permitindo primeiro a experimentação,
disse Sandra Pina, uma possibilidade que os ambientalistas rejeita.
(IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)