'Cidades e Soluções' poderia inspirar presidente Lula

O Plano Decenal de Energia lançado pelo governo federal agravará as emissões de gases estufa do país, além de menosprezar as fontes limpas e renováveis de energia como eólica e solar. Perde-se uma oportunidade ímpar de promover os ajustes necessários na direção certa, ou seja, a de um mundo onde a matriz energética seja cada vez menos suja, com menos combustíveis fósseis e menos emissões de C02.

Mais do que isso: segundo o relatório Stern (produzido pelo ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern), o cenário econômico é propício à taxação do carbono, ou seja, produtos feitos a partir de energia suja serão sobretaxados por agravar o aquecimento global. Sinal amarelo nas transações comerciais entre os países num futuro próximo.

Apenas para efeito de comparação, na mesma semana em que o Brasil anunciava seu plano estratégico para o setor de energia, os Estados Unidos de Barack Obama determinavam a redução compulsória de 30% no consumo de energia das edificações públicas federais.

O plano de eficiência energética americano compreende - entre outras medidas - que, a partir do mês de agosto, 30 produtos eletroeletrônicos como computadores, celulares, aparelhos de ar-condicionado, etc, deverão sair de fábrica com metas mais rígidas de consumo de energia. Da Casa Branca, saiu a ordem que repercute diretamente no pátio das fábricas em favor da racionalização do consumo de energia. É a mesma voz que enquadrou as montadoras de veículos, condicionando a ajuda financeira de Washington - leia-se bilhões de dólares - a metas tecnológicas mais ousadas na direção da eficiência no consumo de combustíveis.

É bom lembrar que, por aqui, a ajuda financeira às montadoras de veículos - redução do IPI e empréstimo a fundo perdido de R$ 8 bilhões - não teve nenhuma contrapartida. E que o selo verde dos automóveis não é obrigatório - as montadoras aderem se assim o desejarem.

Também na semana passada, o presidente Lula anunciou a construção de 500 mil novas casas populares para a população de baixa renda. A previsão é de que esse meio milhão de casas sejam construídas ainda este ano.

Nenhuma palavra se ouviu do presidente sobre eventuais medidas que poderiam alinhar o Plano Nacional de Habitação às chamadas construções sustentáveis ou verdes.

Exigência de madeira certificada, coleta de água de chuva, coletores solares em lugar de chuveiros elétricos, biodigestores para a conversão de esgoto doméstico em gás de cozinha são alguns dos exemplos de como o plano poderia estimular um novo conceito de construção que já é regra em várias partes do mundo e, em menor escala - bem menor mesmo - também aqui no Brasil.

A aplicação de tecnologias sustentáveis tanto no setor de energia como no da habitação são exibidas em detalhes há mais de dois anos no programa "Cidades e Soluções". Tivemos a oportunidade de conhecer de perto essas experiências e daí a nossa perplexidade com o descompromisso dos setores governamentais com a aplicação inteligente dessas ferramentas.

O anúncio dos planos citados aqui revela que a sensibilidade para a mudança, embora exista, ainda encontra obstáculos importantes que agravam nosso atraso e o descompasso entre o discurso e a prática.

* André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro "Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação" (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro "Meio Ambiente no século XXI", (Editora Sextante, 2003).


(Envolverde/O autor)
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