Florestas chilenas na mira dos biocombustíveis

Santiago, 2 de fevereiro (Terramérica) - O Chile aposta na produção, em menos de cinco anos, de agrocombustíveis de segunda geração a partir da biomassa florestal. Antes, deve avaliar os impactos ambientais e socioeconômicos desta atividade, alertam especialistas e ativistas. Os problemas de sua grande dependência energética e o aumento progressivo de suas emissões de gases causadores do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento do planeta, levaram este país a se interessar pelas energias renováveis não convencionais, como solar, eólica, geotérmica e a partir da biomassa. A biomassa – matéria orgânica renovável de origem vegetal e animal e seus subprodutos – serve para gerar eletricidade, para a produção térmica e elaboração de combustíveis líquidos, como bioetanol e biodiesel. Uma lei promulgada em abril de 2008 exige que, a partir de 2010, pelo menos 5% do fornecimento elétrico provenha de fontes não convencionais, incluída a biomassa. A partir de 2015, essa proporção aumentará 0,5% ao ano até chegar aos 10% em 2024. Em outubro, foram criados dois consórcios para pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis lignocelulóicos, isto é, refinados a partir da fibra de madeira. A intenção é "superar as limitações de expansão e os graves conflitos que podem gerar os atuais agrocombustíveis" destilados de alimentos, como milho ou cana-de-açúcar, explicou ao Terramérica o coordenador do Grupo de Biocombustíveis do Escritório Regional da Agência das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), Guilherme Schuetz.

Alemanha, Estados Unidos e Suécia lideram a pesquisa mundial destes produtos em fase de laboratório ou projeto-piloto. Calcula-se que, dentro de três a cinco anos, a Espanha poderia utilizá-los de maneira significativa, "embora alguns países possam estar prestes a iniciar seu uso", disse Schuetz. A Agência Internacional de Energia estima que os custos de produção do bioetanol e do biodiesel de segunda geração estejam hoje entre US$ 0,80 e US$ 1,00 por litro. Isto equivale a um preço do petróleo entre US$ 100 e US$ 130 o barril de 159 litros, acrescentou o coordenador da FAO, valor caro para a cotação atual do petróleo. "Entretanto, estima-se que estes custos cairão pela metade até 2030, se os biocombustíveis de segunda geração forem produzidos comercialmente", ressaltou.

Segundo o VII Censo Nacional Agropecuário e Florestal 2006-2007, no Chile, há 15,8 milhões de hectares destinados à produção agropecuária e 15,9 milhões de hectares florestais, sendo 2,7 milhões de plantações e 13,2 milhões de floresta nativa. "Com a premissa de conciliar a produção silvo-agropecuária" para o mercado interno e externo, e de "manter uma atividade agrícola sustentável no tempo, preservando a água e o solo", produzir biocombustíveis de segunda geração é "uma opção viável" para o Chile, assegurou ao Terramérica Ivan Nazif, diretor do Escritório de Estudos e Políticas Agrárias, do governo.

Estes seriam produzidos com dejetos agrícolas e florestais e com plantações dendroenergéticas, como o álamo (família das Salicaceae), a paulownia (Paulowniaceae), espinilho (Acacia caven) e capim zebrado (Miscanthus sinensis). Também se destacam as microalgas do norte do país e a gordura animal do sul, acrescentou Schuetz. Contudo, as espécies dendroenergéticas, de crescimento rápido, são plantadas em altas densidades, por isso extraem rapidamente os nutrientes do solo e exigem muita água, alertou ao Terramérica Daniela Escalona, do não-governamental Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais e da Rede de Ação pela Justiça Ambiental e Social. Também possuem alto valor calórico e são mais aptas para o uso energético.

Segundo Nazif, "a produção de biocombustíveis de segunda geração necessariamente deveria contar com a experiência dos de primeira geração", pois o mercado já foi regulado e há experiências-piloto em algumas regiões, principalmente de biodiesel. Os agrocombustíveis de segunda geração "apenas trazem boas notícias" para um país com uma indústria florestal consolidada, disse ao Terramérica Aldo Cerda, gerente da área florestal da Fundação Chile, uma instituição público-privada dedicada à inovação e ao desenvolvimento do capital humano do país. "Teremos maior demanda por fibra de madeira, com benefícios para todos os proprietários, mais demanda de manejo da floresta nativa", e recuperaremos terrenos degradados, disse Cerda, para quem esta indústria terá "atores sofisticados", que trabalharão com terras certificadas para não se exporem a críticas ambientais.

A Fundação Chile participa do Bioenercel, um dos consórcios impulsionados pelo governo, junto com as principais empresas florestais do país – Masisa, CMPC e Arauco – e duas universidades estatais. Com orçamento qüinqüenal de US$ 10 milhões, o consórcio desenvolve protocolos para produzir bioetanol "barato e competitivo". Porém, Escalona expressou sua preocupação pelos efeitos que estes combustíveis terão no meio ambiente e nas comunidades camponesas e indígenas que habitam as regiões florestais do país. Para Schuetz, os riscos "dependem da escala de produção e da disponibilidade de matéria-prima". Por isso, vê vantagens no biodiesel a partir de dejetos agrícolas e florestais.

"Com relação à floresta nativa, é muito importante que a legislação permita apenas a utilização dos dejetos lignocelulóicos obtidos de sua manutenção", ressaltou Schuetz. A perda de hábitat por causa de monoculturas e a possível propagação de árvores geneticamente modificadas com impactos desconhecidos são outros perigos a serem avaliados, alertou. O país requer "pesar com cuidado todos os prós e contras" desta atividade, como "o balanço de dióxido de carbono de todo o ciclo, as repercussões sobre a biodiversidade, o ciclo de nutrientes dos solos e o ciclo hidrológico", além de seus impactos socioeconômicos, resumiu Schuetz.


* A autora é correspondente da IPS.

Crédito da imagem:
Photo Stock
Legenda: Broto de palownia.

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