As pesquisas em questão
tiveram início em 1996, por ocasião da dissertação de mestrado da professora Ana
Flávia, orientada pelo professor Marco-Aurelio De Paoli, também do IQ.
Atualmente, os estudos são realizados no Laboratório de Nanotecnologia e Energia
Solar (LNES), que conta com 15 integrantes, entre alunos de iniciação
científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Nos últimos anos, o trabalho
tem sido concentrado em duas tecnologias: células fotoeletroquímicas de óxido de
titânio (TiO2), cujos estudos estão mais avançados, e células fotovoltaicas
orgânicas.
A vantagem desses dispositivos sobre os que são encontrados no
mercado é o preço, até 80% inferior. "Elas são constituídas por materiais
semicondutores muito mais baratos do que o silício, base das células
convencionais. O óxido de titânio, por exemplo, é um pigmento usado em tintas de
parede. Já as células orgânicas utilizam polímeros entre seus componentes. Além
disso, o método de preparação utiliza técnicas de baixo custo e não requer toda
a sofisticação das células de silício, tornando nossa tecnologia a futura
geração de células solares", explica a docente.
As células solares de
óxido de titânio desenvolvidas no LNES apresentam uma vantagem adicional. O
eletrólito que integra o dispositivo [há ainda dois eletrodos] é feito a partir
de um polímero, enquanto os modelos convencionais empregam um líquido. "Isso
evita eventuais vazamentos, pois o próprio eletrólito age como um selante",
esclarece a professora Ana Flávia. Há que se destacar, porém, que a eficiência
das novas tecnologias ainda é inferior a alcançada pelos produtos comerciais.
"Nas células à base de silício cristalino, a eficiência varia de 11% a 16%. Já
nas de óxido de titânio, por exemplo, esse índice gira em torno de 7%. No LNES,
estamos trabalhando para reduzir essa diferença. Ainda há espaço para
avançarmos", adianta a professora Ana Flávia.
A principal aplicação dos
dispositivos que estão sendo investigados pelos pesquisadores do IQ é em
equipamentos para o uso em ambiente indoor, ou seja, no qual há pouca
disponibilidade de luz. "Nossa idéia é produzir células solares que possam ser
acopladas e manter funcionando, por exemplo, telefones celulares, notebooks,
brinquedos etc", afirma. A expectativa do grupo é que os produtos fabricados com
base nessa tecnologia sejam colocados no mercado entre 2012 e 2013. Um primeiro
protótipo de célula solar de óxido titânio, um módulo medindo 10 centímetros
quadrados, já foi produzido pela equipe. Colocado sob a luz de uma prosaica
luminária, ele é capaz de movimentar um pequeno motor que faz girar uma diminuta
hélice.
A docente da Unicamp chama a atenção para a importância desse
tipo de pesquisa, lembrando que o Brasil perdeu excelentes oportunidades no
passado por não ter investido adequadamente em estudos científicos estratégicos.
"Agora é o momento para dominarmos essa tecnologia e tornarmos essas células
solares baratas. O mercado de produtos eletrônicos portáteis está crescendo de
forma exponencial. Se perdermos essa chance, é muito provável que nos tornemos
tecnologicamente dependentes nessa área. O resultado é que continuaremos
exportando quartzo, de onde é extraído o silício, e importando componentes
semicondutores com alto valor agregado", adverte a professora Ana
Flávia.
Quanto às células fotovoltaicas orgânicas, as pesquisas ainda
estão em fase inicial. Entretanto, os pesquisadores observam que elas apresentam
características semelhantes àquelas produzidas a partir do óxido de titânio. A
maior diferença é que as segundas, por contarem com dois eletrodos e um
eletrólito, funcionam como se fossem baterias. As primeiras, por serem
fotovoltaicas, não apresentam transporte de íons entre os eletrodos. Há apenas o
transporte eletrônico entre dois materiais com afinidade diferente por elétrons.
"A grande vantagem das células orgânicas é que elas nos permitem trabalhar com
uma ampla gama de materiais, que apresentam propriedades diferentes. Isso nos
possibilitará, por exemplo, o desenvolvimento de módulos flexíveis, coloridos ou
transparentes, que poderão ser aplicados em inúmeras soluções. Um exemplo de
aplicação futura é na arquitetura. Por hipótese, vamos poder criar painéis
solares que substituirão as áreas envidraçadas dos prédios e que serão
responsáveis pela geração de parte da energia consumida pelo próprio edifício",
projeta a docente do IQ.
Roupas inteligentes
Além
de formar pessoal altamente qualificado e desenvolver novas tecnologias para o
país, as pesquisas realizadas no LNES também contribuíram para a criação de mais
uma "filha" da Universidade, a Tezca Células Solares, spin-off que tem por
objetivo transformar conhecimento em produtos. De acordo com um dos sócios da
empresa, Agnaldo de Souza Gonçalves, que faz pós-doutorado no IQ, a unidade
pretende produzir células solares flexíveis de óxido de titânio. Uma das
aplicações possíveis para esse tipo de dispositivo, conforme a professora Ana
Flávia, coordenadora dos estudos, é em roupas de uso militar. Acoplado à
vestimenta, um módulo, que é o conjunto de células conectadas em série, geraria
eletricidade para alimentar aparelhos de comunicação, como rádios e telefones
celulares.
Preço da tecnologia é ainda o maior
entrave
Mas se a energia solar é tão abundante e oferece tantas
possibilidades, por que razão ela não tem sido devidamente explorada,
principalmente no Brasil? De acordo com a professora Ana Flávia Nogueira,
coordenadora do Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar (LNES), vinculado
ao Instituto de Química (IQ) da Unicamp, o principal entrave ainda é o preço da
tecnologia e, conseqüentemente, da eletricidade gerada por ela. De acordo com a
docente, o custo de instalação de um sistema completo (ver esquema) em uma
residência no país sairia por volta de US$ 30 mil, o equivalente a R$ 75 mil, de
acordo com a cotação do dólar no início da segunda semana de dezembro. "Isso
ocorre por causa de vários fatores, mas fundamentalmente porque o Brasil ainda
investe pouco em pesquisa e desenvolvimento na área de energia solar, além de
importar os wafers de silício ultrapuros e caríssimos. À medida que dominarmos a
tecnologia e baratearmos os custos de produção, a energia fotovoltaica
certamente se tornará competitiva", prevê.
Atualmente, assinala a
professora Ana Flávia, a energia solar é a fonte que mais se expande no mundo. A
capacidade instalada para a geração de eletricidade a partir de células solares
fotovoltaicas em termos globais é da ordem de 3,2 mil megawatts. "Ainda há
espaço para crescer muito mais. Dentro desse contexto, o Brasil surge como um
país com enormes potencialidades. Aqui, nós temos uma grande extensão
territorial e um alto índice de radiação solar. Também contamos com recursos
humanos qualificados e com uma das maiores reservas de quartzo do planeta,
matéria-prima usada na fabricação dos painéis de silício. Uma nação que
apresenta todos esses atributos não pode perder mais uma vez o bonde da
história", analisa a professora Ana Flávia, cujos estudos contam ou contaram com
financiamento da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Rede de
Nanotecnologia Molecular e de Interfaces (Renami).
(Envolverde/Jornal da Unicamp)