Bairro do Saco Grande, em Florianópolis: construções em encosta de alta declividade, ocasionando erosão e perdas de bens e imóveis. Crédito: Tereza Coni Aguiar
Para colaborar na compreensão deste fenômeno, de grande complexidade, destaco que o IBGE, através da sua Diretoria de Geociências (DGC), elaborou o Diagnóstico Ambiental do Litoral de Santa Catarina, em Convênio com o Governo do Estado, no âmbito do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro. O projeto, além de fazer uma caracterização detalhada dos sistemas naturais existentes, com levantamento de dados sobre a geologia, o relevo, solos, vegetação e usos da terra, indicou os problemas sócio-ambientais, segundo uma escala de gravidade, e elencou as pressões diretas exercidas sobre esses sistemas.
O conjunto de informações gerado foi disponibilizado à sociedade e aos órgãos competentes estaduais e federais, mostrando uma região que passou por um crescimento populacional rápido e expressivo, sustentando densidades demográficas elevadas e fluxos excepcionais de população nos períodos de verão. As atividades econômicas que dão vida à região geraram uma série de impactos negativos, alterando sobremaneira o meio ambiente do estado. As edificações construídas modificaram a paisagem e criaram problemas graves, como a ocupação em manguezais, praias, dunas, orlas, margens de rios e lagoas, e em encostas de alta declividade. Nestes últimos casos, verificaram-se desmatamentos e o conseqüente aumento dos riscos de erosão e de deslizamentos de terras nos morros. Este tipo de ocupação contribuiu para a ocorrência de enchentes, agravadas pelos freqüentes aterros em ecossistemas extremamente vulneráveis, tais como manguezais, restingas e dunas.
Barra Velha: a construção de estruturas sólidas, como prédios e vias de circulação, altera a dinâmica marinha, com a aceleração de processos erosivos e prejuízos para os cidadãos e o poder público. Crédito: IBGE, 1998
O diagnóstico ressaltou ainda que o turismo foi a atividade que mais impacto provocou no litoral, embora seja uma atividade que somente atrai turistas no auge dos meses de verão, cria conflitos, e provoca danos ambientais com riscos de irreversibilidade. As administrações municipais, na tentativa de solucionar problemas de habitação, geram também fortes impactos ambientais, ao construir novas habitações populares em áreas que, por suas características naturais, deveriam permanecer sem esse tipo de ocupação.
Barra Velha: construção na retropraia, alterando a dinâmica do ecosistema. Crédito: IBGE, 1998
Sem dúvida, o litoral de Santa Catarina, a exemplo de outras áreas litorâneas, abrange áreas com alta vulnerabilidade, devido às suas características físicas, topográficas e climáticas que, no entanto, o processo desordenado de ocupação humana – sem planejamento, e com baixo grau de fiscalização do poder público – tratou de acentuar. O diagnóstico elaborado registrou, com muita propriedade, verdadeiras aberrações na indistinta ocupação de espaços que, por suas características naturais, deveriam ter sido poupados da frenética especulação imobiliária que, naquela época, já assolava a extensa faixa costeira de Santa Catarina. Essas formas de ocupação sem a devida precaução foram registradas pelo referido diagnóstico em diversos pontos do litoral: Palhoça, Itapema, Itajaí e Barra Vela fornecem vários exemplos desta problemática.
Praia do Sonho, em Palhoça: ocupação irregular em ambiente frágil de dunas; tentativas individuais de evitar o soterramento das construções, pelo deslocamento das dunas. Crédito: IBGE, 1998
Acredita-se que, neste momento em que foi lançado um alerta quanto ao aumento da freqüência de eventos climáticos extremos, provocados pelo aquecimento global, abre-se uma oportunidade para que todos os segmentos sociais que atuam no país, interferindo diretamente no meio ambiente, repensem suas práticas sobre o uso do espaço e procurem compreender a legislação existente – mesmo com seu aparente exagero –, buscando compatibilizar as atividades implantadas e suas respectivas construções com os recursos naturais e os ecossistemas.
Itapema: a falta de fiscalização favorece o uso inadequado do solo urbano, com ocupações desrespeitando o recuo em relação à linha de praia, e a perda da beleza cênica. Crédito: IBGE, 1998
Cabe citar Engels, no seu belíssimo texto escrito em 1875: "o animal apenas utiliza a Natureza, nela produzindo modificações somente por sua presença; o homem a submete, pondo-a a serviço de seus fins determinados, imprimindo-lhe as modificações que julga necessárias, isto é domina a Natureza". Mas não nos regozijemos demasiadamente em face dessas vitórias humanas sobre a Natureza. A cada uma dessas vitórias, ela exerce a sua vingança. Cada uma delas, na verdade, produz, em primeiro lugar, certas conseqüências com que podemos contar, mas, em segundo e terceiro lugares, produz outras, muito diferentes e não previstas, que quase sempre anulam essas primeiras conseqüências.
Praia do Meio, em Itapema: privatização da orla, com perda da beleza cênica e o comprometimento do acesso à praia. Crédito: IBGE, 1998
Esperemos que a catástrofe que assombrou Santa Catarina, estado que se destaca pelo equilíbrio, harmonia e beleza, mobilize a todos no país, num grande ato de solidariedade humana e de compaixão, e renove o desejo de se encontrar uma nova ordem e consideração na construção de edificações, especialmente nos espaços urbanos, pautada pelas idéias de sustentabilidade, segurança para os cidadãos, e amor à Natureza.
Bairro Covanca, em Florianópolis: processo de favelização, edificações em encostas, aceleração de processos erosivos, formação de voçorocas e lixo espalhado. Crédito: IBGE, 1998
NOTA
1. O segmento 'Domínio da Natureza' do Diagnóstico Ambiental do Litoral de Santa Catarina foi coordenado pelo geógrafo Rogério de Oliveira Rosa, a quem a autora agradece as sugestões.
* Geógrafa e consultora da ONG ViverCidades; especialista em Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; coordenou o segmento sócio-ambiental do Diagnóstico Ambiental do Litoral de Santa Catarina¹.
Fonte: Imprensa MST.