Uxbridge, Canadá, 17/11/2008 – Alguma você já pensou que seu velho televisor pode estar envenenando uma criança na China, ou que seu antigo computador esteja contaminando um rio na Nigéria? Sem uma lei que proíba a exportação de lixo eletrônico tóxico nos Estados Unidos não há maneira de saber se os antigos celulares, computadores ou televisores originados nesse país não acabaram em alguma aldeia pobre do mundo em desenvolvimento. Ali, moradores desesperados desmontam estes aparelhos à mão para recuperar parte dos valiosos metais que o compõem. Um pequeno grupo de pessoas aliou-se com uns poucos recicladores para garantir que o lixo eletrônico possa ser tratado com responsabilidade, criando um programa de certificação de controlador eletrônico (e-Stewards).
Anunciado este mês, os e-Stewards são recicladores de lixo eletrônico acreditados e certificados por uma terceira parte independente. Esta certificação é crucial em uma indústria que frequentemente apela para a mentira em busca de uma imagem de responsabilidade social. Atualmente, mesmo quando o lixo eletrônico procedente do mundo rico vai para um reciclador com preocupações ambientais, há altas probabilidades de que substâncias tóxicas terminem em uma enorme pilha no meio de alguma aldeia.
Estima-se que os Estados Unidos
produzem três milhões de toneladas anuais de lixo eletrônico, como celulares e
computadores. Seus habitantes compraram cerca de 30 milhões de aparelhos de TV
desde janeiro. Essa quantidade será maior no próximo ano, quando todas as redes
de televisão do país passarem ao sistema digital, a partir do dia 17 de
fevereiro. Assim, para onde irão os televisores velhos e indesejados? Segundo
ativistas, um destino é Hong Kong. "Vi há pouco contêineres carregados nos
Estados Unidos quando foram abertos no porto de Hong Kong. Estavam cheios de
lixo eletrônico, como televisores e monitores de computadores", contou Jim
Puckett, coordenador da não-governamental Basel Action Network (Rede de Ação da
Basiléia –Ban).
Esta organização leva o nome do convenio internacional
que regulamenta o tráfego internacional de lixo tóxico, a fim de impedir que os
procedentes de países ricos contaminem os pobres. Puckett calculou que cem
contêineres de lixo eletrônico chegam por dia a Hong Kong, para em seguida serem
contrabandeados para a China. "Tudo procede dos Estados Unidos e do Canadá",
afirmou. Boa arte desta atividade é ilegal na China. Mas, é uma indústria muito
grande e rentável, por isso muitos funcionários chineses e de outros países se
mostram dispostos a fazer vista grossa, ressaltou.
Nos Estados Unidos, o
programa jornalístico semanal "Sixty Minutes" divulgou este mês uma pesquisa
sobre os achados de Puckett, rastreando contêineres embarcados por recicladores
desse país com destino a Hong Kong até aldeias na China, como Guiyu. "Estivemos
em Guiyu há cerca de seis anos, e as condições são muito piores hoje",
acrescentou. A montanha de lixo eletrônico aumenta a cada dia, ao mesmo tempo em
que são criados novos aparelhos para conduzir uma economia arraigada em um
crescimento sem fim. E 85% desses resíduos acabam como aterro sanitário ou
incinerados localmente, contaminando a água subterrânea e o ar dos Estados
Unidos. Outros milhões de computadores, monitores e televisores acumulados
descansam em sótãos, garagens, oficinas e dentro de casa.
O que tem de
fazer uma pessoa responsável com o lixo eletrônico diante da negligencia do
governo, da irresponsabilidade dos fabricantes e da cobiça dos recicladores?
"Era pouco provável que com George W. Bush como presidente fosse aprovada uma
lei a respeito, por isso decidimos trabalhar com a indústria da reciclagem",
disse Sarah Westervelt, da Ban. Junto com a Coalizão pela Devolução de Aparelhos
Eletrônicos e 32 recicladores nos Estados Unidos e no Canadá, a Ban anunciou na
semana passada o programa de e-Stewards. Será o primeiro de certificação de
reciclagem de lixo eletrônico auditado e acreditado de maneira
independente.
Jogar lixo eletrônico tóxico em países pobres, aterros
sanitários locais e incineradores ficará proibido, bem como o uso de mão-de-obra
carcerária para processar esse tipo de dejeto. "Neste momento é impossível às
pessoas saberem qual reciclador está agindo corretamente", disse Westervelt.
Empresas e organizações que dizem ser verdes normalmente tergiversam dados sobre
como manejam os dejetos. "As companhias enganam as pessoas", ressaltou. Bob
Houghton, presidente da Redemtech, que recicla lixo eletrônico e integra o
programa e-Stewards, diz que, "segundo meus cálculos, 90% das empresas enganam
seus clientes".
Muitas firmas proporcionam documentos a outras empresas
ou governos locais alegando que o lixo eletrônico é processado de maneira
segura, mas, na realidade, os enviam a países em desenvolvimento, afirmou
Houghton. Quando a cidade norte-americana de Denver quis um reciclador de lixo
eletrônico insistiu que este não deveria ter custo. Assim, sues aparelhos
obsoletos terminaram na China, como demonstra o documentário do "Sixty Minutes",
disse Mike Wright, presidente do Guaranteed Recycling Experts, em Denver. "É
impossível reciclar lixo eletrônico sem nenhum custo que não seja exortá-lo",
disse Writht à IPS.
Sua empresa não ganhou o contrato de Denver por essa
razão, e é por isso que defende com firmeza o programa e-Stewards, que dá provas
e garantias de que esses resíduos são manejados de maneira adequada. Westervelt
disse que o programa será minuciosamente analisado ao longo de 2009 e que estará
plenamente operacional em 2010. Enquanto isso, o público pode encontrar
participantes no programa que se comprometam a cumprir sues rígidos padrões no
e-stewards.org., afirmou
Na Europa, os
fabricantes de aparelhos eletrônicos estão obrigados por lei a aceitar que seus
compradores lhes entreguem seus produtos velhos para que façam uma reciclagem
adequada. Embora nem Canadá nem Estados Unidos tenham uma lei semelhante, alguns
fabricantes de televisores, como Sony, LG e Samsung, e vários de computadores,
como Dell, Lenovo e Toshiba, pegam de volta seus produtos sem custo. Outras
cobram uma tarifa. O custo de manejar e reciclar costuma superar o valor dos
materiais recuperados, assim a maioria das empresas não quer aceitá-los de
volta, disse Barbara Kyle, da Electronics TakeBack Coalition.
Existe a
preocupação de que essas firmas que recebem seus produtos antigos simplesmente
os despachem para países em desenvolvimento. "Estamos tentando fazer com que os
fabricantes assinem um compromisso para agirem como se os Estados Unidos fossem
parte da Convenção da Basiléia", disse Puckett. Esse tratado, vigente desde
1992, foi criado especificamente para impedir transferências de lixo perigoso,
entre eles os eletrônicos, de países industrializados para nações em
desenvolvimento. Os Estados Unidos são um dos poucos países que não o assinou.
"até agora, somente a Sony assinou o compromisso, mas esperamos que outros o
façam logo", disse Puckett. O ativista espera que o novo governo
norte-americano, com Barack Obama, seja mais responsável e desperte essa mesma
responsabilidade em outros países.
(Envolverde/IPS)