Boston, 10 de novembro (Terramérica) - A Antártida, que contém em seus gelos a maior reserva de água doce do planeta, está esquentando por ação dos gases causadores do efeito estufa, afirmam novos estudos. "Pela primeira vez podemos atribuir diretamente à influência humana o aquecimento no Ártico e na Antártida", disse o físico Nathan Gillett, da Universidade de East Anglia, na Grã-Bretanha, que liderou uma pesquisa publicada no dia 30 de outubro pela revista científica Nature Geoscience. A evidência do aquecimento global causado pela emissão de dióxido de carbono e outros gases poluentes foi encontrada em todos os continentes. A exceção, até agora, era a Antártida, que contém 90% dos gelos do planeta e 70% da água doce.
O continente antártico, 1,4 vez maior do que o dos Estados Unidos, tem apenas 20 estações de coletam informações climáticas. Por esta e outras razões, sabe-se pouco sobre ele. Os cientistas observam que estão esquentando as zonas menos frias, como a região ocidental e a Península Antártica, cujo extremo norte se aproxima da América do Sul e é lar de milhões de focas, pingüins e uma grande variedade de outras aves. Mas a gélida porção oriental, com uma cobertura de gelo de 2.226 metros de espessura, não experimentou mudanças significativas de temperatura nos últimos 50 anos, e inclusive mostrou evidências de esfriamento. Por isso, foi impossível tirar conclusões sobre o efeito dos gases que provocam o efeito estufa.
A
Quarta Avaliação do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança
Climática (IPCC) concluiu que a Antártida era o único continente onde as
mudanças de temperatura antropogênicas não foram detectadas, possivelmente por
dados e observações insuficientes. O trabalho de Gillett "prova de maneira
convincente o que sugeriam estudos anteriores, que os humanos contribuem para
aquecer tanto a região ártica quanto a antártica", disse ao Terramérica o
cientista Andrew Monaghan, do Centro Nacional dos Estados Unidos para a Pesquisa
Atmosférica, e colega próximo da equipe pesquisadora. O grupo de Gillett
utilizou informação coletada entre 1990 e 2000 nas 20 estações instaladas na
Antártida, e criou quatro modelos em computador para chegar às suas
conclusões.
Um destes modelos inclui o impacto de gases de efeito estufa
e outro não. O primeiro apresentou resultados que coincidem com as temperaturas
observadas até agora, afirma a pesquisa "Atribution of polar warming to human
influence" (Atribuição do aquecimento polar à influência humana). "Se pegarmos a
temperatura média de toda a Antártida, encontraremos um aquecimento" de uns
poucos décimos, disse Gillett ao Terramérica. Porém, foram encontrados aumentos
de temperatura de até três graus centígrados na Península Antártica desde 1950,
dos maiores registrados no planeta, disse Monaghan. A temperatura média mensal
ali varia entre um grau e 15 graus abaixo de zero.
Várias grandes
geleiras da região ocidental estão derretendo e elevando o nível do mar pelas
correntes oceânicas mais quentes que tocam e desgastam as barreiras de gelo. As
temperaturas médias nessa área ficam entre -12 graus e -35 graus. "Este
derretimento tem conseqüências no aumento do nível do mar", afirmou Gillett. Em
2002, afundou a enorme barreira de Larsen B, na península. Media 3.250
quilômetros quadrados, acrescentou Gillett. Os pesquisadores alertam que os
dados indicam um aquecimento ao longo da costa da Antártida oriental e esperam
que o fenômeno sofra uma aceleração.
Gillet apresentou a hipótese de que
certo esfriamento do Pólo Sul pode ser causado por uma acentuada perda de ozônio
na atmosfera polar, atribuída à contaminação. O cientista acredita que sua
pesquisa permitirá delinear uma imagem mais precisa do futuro da Antártida. Os
cálculos mostram que os gelos antárticos que afundarem no próximo século poderão
ajudar a elevar o nível do mar em 70 metros. "Não veremos nada catastrófico nos
próximos cem anos se as coisas seguirem o ritmo atual. Contudo, o derretimento
pode ter uma aceleração", alertou Monaghan.
Os informes do IPCC não
incluíram previsões completas e precisas sobre a elevação do nível do mar por
falta de dados sobre a Antártida. Suas previsões foram de 18 e 59 centímetros,
disse Gillett. Em janeiro, o presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, exortou seus
colegas a estudarem a Antártida e a Groenlândia. "Minha esperança é que o
próximo informe do IPCC, se é que vai existir, possa fornecer informação muito
melhor sobre a possibilidade de essas duas grandes massas de gelo estarem
derretendo, o que seria aterrador", disse Pachauri.
A pesquisa sobre a
Península Antártica aumentou. Este ano, Eric Rignot, da Universidade da
Califórnia, estudou imagens obtidas via satélite, entre 1996 e 2006, e encontrou
mostras claras de derretimento na região ocidental e na Península. A Antártida
ocidental perdeu 132 bilhões de toneladas de gelo em 2006, enquanto há uma
década a perda registrara 83 bilhões de unidades, disse Rignot. No mesmo ano, na
Península desapareceram 60 bilhões de toneladas. Não fosse por um simultâneo
acúmulo de gelos na zona oriental, o nível do mar teria aumentando 0,5
milímetro, disse Rignot.
Os estudos que mostram a atividade humana como
responsável pela mudança climática podem produzir esforços para reduzir as
emissões de gases de efeito estufa, disse ao Terramérica a especialista Meg
Boyle, da organização ambientalista Greenpeace. "Nos Estados Unidos temos uma
pequena porcentagem da população mundial, mas produzimos 25% da poluição que
influencia na mudança climática. É hora de colocarmos um limite", acrescentou.
Tomara que o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, mostre vontade
de conseguir acordos sobre mudança climática, concluiu.
* A autora é
correspondente da IPS.