Buenos Aires, 20 de outubro (Terramérica) - A aqüicultura avança na América Latina, alimentada por um mercado mundial que enfrenta a estagnação da pesca. Entretanto, há os que alertam para as limitações da criação industrial de espécies aquáticas e de seus riscos ambientais e sociais. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), 45% do pescado consumido no mundo provêm de criadouros. Hoje são 48 milhões de toneladas, e até 2030 será preciso duplicar devido à redução da pesca e à maior demanda de uma população crescente.
No México, a aqüicultura remonta à época pré-hispânica. Os historiadores asseguram que várias espécies eram cultivadas em criadouros e que os maias faziam a reprodução em mananciais. Hoje, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, México e Peru obtêm em criadouros volumes que são vistos com admiração por produtores argentinos. Entretanto, neste país, o mais austral do continente, as condições climáticas e a topografia não são tão favoráveis a um desenvolvimento de grande magnitude. Porém, os ambientalistas dizem que os danos sociais e ambientais, que a implantação da aqüicultura na Argentina pode representar, não justificam sua promoção industrial e recomendam o incentivo à pesca responsável em mares e rios que ainda têm uma rica biodiversidade.
Com 710 mil toneladas anuais, o Chile é o maior produtor
de peixes e moluscos em cativeiro da região e um dos dez maiores do mundo, junto
com China e Índia. Também é o segundo produtor mundial de salmão e trutas (ambos
da família Salmonidae) em criadouro, sendo a Noruega o primeiro. Mas a atividade
não está isenta de risco. Em 2007, a irrupção da anemia infecciosa do salmão fez
com que fossem fechados muitos estabelecimentos no Chile. Dos 55 mil empregos,
mil foram perdidos, segundo o governo, embora os sindicatos falem em três mil
desempregados.
A Argentina tem seu potencial, "mas não é igual ao do
Chile ou do Brasil", disse ao Terramérica a diretora nacional de Aqüicultura,
Laura Luchini. "Alguns governos provinciais incentivam esta atividade, mas nossa
tarefa é fazer as pessoas terem os pés no chão", afirmou. O Chile tem uma
extensa costa com fiordes no sul do Oceano Pacifico "muito propícia para a
atividade", explicou Luchini. Por outro lado, no litoral argentino do Atlântico
não há locais abrigados, com exceção da Terra do Fogo, a província mais austral
do país, onde são cultivados mexilhões.
A piscicultura se desenvolve em
pequena escala na Argentina. São criações de trutas, linguados (Paralichthys
patagonicus) e mexilhões (família Mytilidae). A produção não chega a três mil
toneladas anuais, volume insignificante se comparado com a pesca, que
proporciona entre 850 mil e 1,1 milhão de toneladas de pescados e moluscos
silvestres. "Nosso país tampouco pode se comparar ao Brasil, que possui águas
tropicais", disse Luchini. O Brasil produz cerca de 250 mil toneladas por ano de
pescado e camarões provenientes de fazendas de água doce e no litoral, em uma
enseada perto da cidade de Florianópolis. Luchini acredita que o entusiasmo de
produtores argentinos, que vêem um enorme potencial na aqüicultura, responde ao
ritmo de crescimento mundial da atividade.
"Enquanto, a produção
pesqueira está estagnada e a da carne bovina sobe ao ritmo de 2,5%, a
aqüicultura aumenta 8,5% por ano, há oito anos", afirmou a funcionária. Esta
atividade está em alta pela maior demanda mundial por alimentos e pela
possibilidade de estabelecer o "rastreamento", procedimento para conhecer a
história, localização e trajetória de um produto ao longo da cadeia de
fornecimento. Até 2045, a FAO estima que as produções pesqueira e aqüífera
estarão equiparadas. E os produtores argentinos acreditam que com créditos,
subsídios e melhor tecnologia poderão aproveitar a oportunidade de fazer bons
negócios, disse Luchini. Contudo, não há soluções mágicas.
Claudio
Baigún, doutor em Ciências Biológicas e especialista em Recursos Pesqueiros de
Água Doce, concorda que a expectativa dos produtores não leva em conta as
limitações da Argentina. "Guiam-se por países como Brasil e Chile, mas a
Argentina é diferente. Há projetos para criar pacu (Piaractus mesopotamicus) em
Rosário (na oriental província de Santa Fé). E, enquanto no Brasil e na Bolívia,
com água quente, a espécie cresce em oito meses, aqui são necessários 18. A
Argentina está no limite para as espécies cultivadas em países sul-americanos de
águas quentes", afirmou.
De todo modo, o especialista alerta que a
aqüicultura não é uma panacéia. Existem as doenças, o custo da energia e dos
alimentos, e também os riscos associados à falta de variedade genética dos
exemplares criados em cativeiro. "Acredita-se que a criação solucionará tudo,
mas é preciso preservar o que temos, promover um manejo responsável da pesca e
não acreditar que a aqüicultura é o que vai nos salvar", alertou Baigún,
pesquisador do Instituto Tecnológico de Chascomús.
Do ponto de vista
ambiental, Jorge Cappato, diretor da Fundação Proteger, afirma que é preciso
diferenciar entre a aqüicultura comunitária e a industrial, que é a que pode ter
impacto social e ecológico negativo. A organização trabalha na preservação da
biodiversidade e em pesca sustentável. Em conversa com o Terramérica, Cappato
ressaltou que "os produtos químicos utilizados na criação – antibióticos,
pesticidas, fertilizantes – têm efeitos na água. Comunidades locais, como as de
pescadores artesanais perdem o acesso aos recursos e correm o risco de serem
transformados em criadores".
Na Colômbia, são produzidas 70 mil toneladas
anuais de peixes em cativeiro, segundo dados de 2006 do Instituto Colombiano
Agropecuário. Quando desapareceu o bocachico (Prochilodus magdalenae), principal
espécie de água doce, os pescadores artesanais passaram por uma reciclagem,
lembrou Cappato. "Ganham menos, são mais pobres e se alimentam pior",
acrescentou o especialista, que percorreu os criadouros do Rio Sinú, no
departamento de Córdoba. Cappato também mencionou o caso do Equador, onde foi
promovida a produção intensiva do camarão em zonas costeiras de florestas de
mangue. As empresas "destruíram 60% dos mangues, deixaram sem ocupação as
mulheres que coletavam camarões e quando apareceu um vírus foram embora,
deixando os tanques de concreto vazios", afirmou.
A destruição de mangues
também é um problema no México, que em 2007 teve produção aqüífera de 261 mil
toneladas, com o camarão em primeiro lugar. A indústria do camarão responde por
grande parte do desaparecimento destes ecossistemas, segundo o Grupo Ecológico
Mangue. Em 2007, de acordo com um inventário oficial, os mangues haviam
diminuído 27% em relação a 2000 na costa mexicana do Pacifico, no Golfo do
México e no Caribe.
* A autora é correspondente da IPS.