As novidades não param de surgir. Bicicletários em vários pontos da
cidade – em parceria com o setor privado; bicicletas públicas, que podem ser
alugadas pelo celular ou computador - seguindo uma febre que assolou as capitais
européias - e até mesmo o ecotáxi. Isso, um táxi que funciona sob duas rodas,
pedaladas por um motorista. O lançamento foi em Volta Redonda (Sul Fluminense),
com a presença do ministro das Cidades, Márcio Fortes e do secretário de
Transportes do Estado do Rio, Júlio Lopes.
O ministro, aliás, tornou-se
um verdadeiro garoto-propaganda das bicicletas. Em abril deste ano, quando o
secretário Júlio Lopes esteve em Brasília para o lançamento do programa "Rio –
Estado das Bicicletas", Márcio Fortes não se fez de rogado e lembrou-se dos bons
tempos da juventude carioca para circular de bicicleta em plena Esplanada dos
Ministérios, divulgando suas vantagens.
Maior frota -
De acordo com dados do Ministério das Cidades, a maior frota de veículos do
Brasil é de bicicletas: 60 milhões. Apesar de lembramos logo da China e Holanda
quando pensamos em um "mar" de bicicletas, o mercado brasileiro já é hoje o
quinto maior consumidor de bicicletas do mundo. E o Rio é a cidade que tem a
maior malha de ciclovias do país, apesar de hoje ser mais voltada para o lazer:
são 150 kms, embora boa parte precise ser urgentemente reformulada e
recuperada.
O grande desafio, explica o ministro Márcio Fortes, é
transformar a bicicleta em um meio de transporte para curtas distâncias. Bons
motivos não faltam a favor: é um transporte seguro, pode-se integrar o trajeto
com meios de transportes públicos e o que é melhor, não polui o meio ambiente e
tem, de quebra, um caráter quase lúdico e desestressante. "Quem anda de
bicicleta pode apreciar a paisagem e ir respirando ar puro. Bem diferente do
stress de um carro ou ônibus", conta José Lobo, fundador da ONG carioca
Transporte Ativo, voltada para as bicicletas.
Programador visual, Lobo
sempre gostou de andar sobre duas rodas. Quis o destino casou-se com uma
aficcionada também no assunto, uma campeã de patinação que também adora pedalar.
Largou o emprego e fundou a Transporte Ativo com outros tantos amantes deste
meio de transporte. Precisa ir ao Centro do Rio? Vai de bicicleta, levando cerca
de 20 a 25 minutos pedalando de Copacabana até o destino final. E o calor? Como
driblar o suor da pedalada? Com a experiência de quem entende deste traçado, o
fundador da Transporte Ativo dá uma ótima dica: sair com calma e pedalar em
ritmo cadenciado, mas não acelerado. Quem gosta de tomar um banho tem uma boa
notícia: várias empresas já têm (e outras estão adaptando) banheiros com
chuveiros e vestiário para os ciclistas.
Educação - Há
um problema também de falta de educação dos motoristas e até dos ciclistas. A
jornalista Simone Goldberg, moradora de Botafogo e adepta da bicicleta (leia o
depoimento a seguir), ama este meio de transporte, no entanto lamenta que seja
preciso driblar carros, corredores e até quem passeia com cachorros. José Lobo,
da ONG Tranporte Ativo, também sabe bem disso. Mas reforça que muitos ciclistas
também precisam se fazer respeitar. "Já vi vários avançarem sinal, andarem em
alta velocidade ou irem em cima dos pedestres. Isso não pode. Por outro lado
sofremos com os ônibus e motoristas de táxi." Sérgio Bello Franco, do IPP,
admite que há sim este conflito. Mas espera que com mais e mais bicicletas na
rua, campanhas educativas e respeito mútuo, a convivência pacífica seja o único
caminho possível.
O professor Marcus Quintella, especialista em
Transportes, avalia que o transporte por bicicletas, nas grandes cidades, está
intimamente ligado ao planejamento sistêmico de todos os demais modos de
transporte público. Ele defende a construção de redes de ciclovias segregadas,
sinalizadas, protegidas e integradas com as estações de trens urbanos, metrôs e
ônibus,devidamente equipadas com bicicletários seguros, pagos ou não. Exatamente
como o exemplo que o Rio está procurando dar. "Além disso, a questão da
segurança pública também é fundamental para dar credibilidade e tranqüilidade
aos potenciais usuários desse saudável e ecológico modo de transporte",
complementa Quintella.
Há algum tempo, Lobo foi e tentou estacionar a sua
"companheira" de duas rodas em um estacionamento privado subterrâneo. Não
encontrou bicicletário. Reclamou para as autoridades e o ativismo conseguiu que
agora seja regra: todos os estacionamentos subterrâneos concessionários da
Prefeitura do Rio precisam ter bicicletários. Para os trajetos mais longos, ele
combina bicicleta com metrô. Uma solução cada vez mais adotada pelos cariocas.
Como parte do amplo projeto carioca, estão sendo instalados
bicicletários em várias estações do Metrô e também ao longo da orla e de outros
bairros. Serão 4.200 vagas em cinco anos, com o patrocínio da Sul América
Seguros e Previdência, que gastou R$ 3 milhões na instalação e outros R$ 10
milhões em campanha publicitária e ações para incentivar o uso deste transporte.
E qual a vantagem direta para uma seguradora que vende produtos para automóveis
apoiar este movimento? "Começamos com um programa de rádio em São Paulo só para
indicar melhores alternativas de trânsito e depois começamos a pensar ações para
o Rio. Nada mais carioca do que a bicicleta", conta à Plurale o vice-presidente
de automóveis da Sul América, Carlos Alberto Trindade.
O executivo
acredita que a ação contribui para um mundo mais sustentável e a seguradora pode
vir, quem sabe, a ser lembrada neste sentido na hora que alguém for escolher um
seguro de automóvel. A MPM Propaganda ajudou a formatar todo o projeto. A ação
já "deu frutos".
Dobradinha ecológica - O Metrô Rio –
parceiro da seguradora no bicicletário na estação de Copacabana - pretende
instalar outros bicicletários diretamente. "Nossos clientes usam muito as
bicicletas para completar a viagem de casa até a estação e no trajeto de volta.
Nossos bicicletários têm segurança", diz Regina Amélia Oliveira, diretora de
marketing do Metrô Rio. Ela revela a esta reportagem especial as três estações
piloto com novos bicicletários: Cantagalo (Zona Sul), Inhaúma e Pavuna (na linha
2). Outros poderão vir depois, ajudando alguns dos 550 mil passageiros por média
que são transportados a cada dia útil pela empresa. "O metrô é um transporte
superecológico e as bicicletas também. Estamos fazendo uma dobradinha
ecologicamente correta", completa Regina. No dia 22 de setembro, dia mundial sem
carro, o Rio e outras grandes cidades, como São Paulo, terão vários eventos para
marcar a importância ecológica das bicicletas. Algumas capitais vão comemorar no
fim de semana anterior, dias 20 e 21 de setembro, já que 22 é uma
segunda-feira.
E a "febre" das bicicletas como meio de transporte parece
estar apenas no início da curva ascendente. Até o fim do ano chegam as
bicicletas públicas, nos mesmos moldes das que já invadiram outras capitais,
como Paris, Amsterdã, Bruxelas e Oslo. A Prefeitura do Rio abriu licitação e uma
empresa de Recife, a Serttel, venceu: até novembro precisará instalar oito
estações só em Copacabana. Em média, cada ponto terá de 10 a 20 bicicletas que
poderão ser alugadas pelo telefone celular ou pelo computador. Em troca, a
empresa poderá (dentro de limites estipulados pelo contrato) vender espaços
publicitários.
As bicicletas se transformaram também em business: no
lugar dos motoboys, há empresas especializadas em transportar documentos e
material através de mensageiros que "pilotam" bicicletas. E há até mesmo o
turismo voltado para bicicletas – passeios específicos sobre duas
rodas.
Há um lado ecológico em todo este movimento, já que ninguém
suporta mais tantos carros apenas com um motorista, poluindo e tornando ainda
mais engarrafado o já caótico trânsito das grandes cidades. As vendas de carros
não param de aumentar e os números são preocupantes. Apenas no primeiro semestre
deste ano, a indústria automobilística vendeu em todo o país 1,4 milhão de
veículos.
Neste ritmo, é como dobrar as vendas em cinco anos. E poucos
percebem, mas as vendas recordes também de motos estão ajudando a piorar – e
muito – a qualidade de ar e de vida de brasileiros. Até junho, de acordo com
dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave),
as vendas de motos atingiram recorde até junho de comercialização de 175 milhões
de unidades. O drama é que as motos poluem mais do que os carros: segundo
informações da Cetesb (Agência Ambiental paulista), os novos modelos de motos
poluem por volta de seis vezes mais que os carros de passeio novos. Com crédito
farto e melhoria de renda, mais e mais brasileiros sonham em ter a falsa
comodidade de poder ir e vir em seu próprio veículo, esquecendo-se dos
inconvenientes para o já poluído ar e para o trânsito que não suporta mais
tantos carros e motos.
Social - E existe também um lado
socioeconômico o maior uso da bicicleta. Segundo o secretário de Transportes do
Rio, Júlio Lopes, muitas pessoas de baixa renda estão excluídas do sistema de
transportes públicos. De acordo com o PDTU (Plano Diretor de Transportes
Urbanos), 34% da população da Região Metropolitana do Rio não utiliza o sistema
de transporte urbano, por falta de condições financeiras. "A idéia é que o
cidadão percorra o primeiro trecho, de casa até os terminais de ônibus, trem,
metrô e barcas, pedalando de três a quatro quilômetros, economizando tempo e
dinheiro, praticando uma atividade saudável e contribuindo para melhorar a
qualidade do ar. Ele poderá também usar a bicicleta pública, alugando e
entregando em outro ponto da cidade, devolvendo em outro bicicletário, e seguir
seu destino."
Crédito de imagem: Ismar
Ingber
(Envolverde/Plurale)