Desmatamento na Amazônia e no Cerrado, contaminação por agrotóxicos, ameaça à soberania alimentar de pequenos agricultores e concentração da renda e da terra são alguns dos impactos da expansão de culturas que podem ser usadas para a produção de fontes de energia no país. O Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da Repórter Brasil lançou, nessa segunda-feira (22), o relatório "O Brasil dos Agrocombustíveis - Palmáceas, Algodão, Milho e Pinhão-Manso - 2008", que examina os projetos dessas culturas já em funcionamento ou em fase de instalação.
Contexto
Passados quatro anos do
lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) pelo
governo federal, a pesquisa constata que a diversificação de culturas na
produção de combustíveis e a ampla participação de pequenos agricultores não se
concretizaram. A soja fornece a maior parte do óleo para a produção do biodiesel
brasileiro. E o segundo produto mais utilizado para o mesmo fim é o sebo bovino.
Os demais cultivos não chegam a participar com mais de 1% cada do volume total
da produção nacional.
Já a participação da agricultura familiar no PNPB
também se mostra bem menor do que as projeções iniciais das autoridades. No
início do projeto, previa-se que 200 mil famílias participariam da produção de
agrocombustíveis no Brasil. Hoje, apenas 36,7 mil famílias fazem parte da cadeia
do biodiesel.
Dendê
Oleaginosa mais produtiva
entre as culturas comerciais utilizadas na produção de biodiesel, o dendê vem
impulsionando novos projetos na região amazônica. O relatório avalia três
experiências envolvendo dendê na Amazônia: a integração de pequenos produtores
pela empresa Agropalma, em Tailândia (PA), que tem pressionado o cultivo de
alimentos e imposto um grande endividamento aos colonos, impactando
negativamente a segurança alimentar e a autonomia das comunidades; a compra de
terras pela Biopalma, empresa de capital canadense, que tem pressionado
comunidades quilombolas da região de Concórdia (PA) e tem levado à concentração
fundiária; e o projeto de cessão de terras, por parte do governo estadual do
Amazonas, à empresa Braspalma, representante do governo da Malásia, em Tefé
(AM), que pode desalojar mais de três mil famílias por força dos desmatamentos
para a implantação do projeto.
A expansão do dendê está relacionada
especialmente com projeto de de lei que visa permitir a sua utilização na
recuperação de reservas legais na Amazônia. Defendida pelos ruralistas e vista
com simpatia pelo governo federal, a proposta não têm apoio de ambientalistas. A
modificação no Código Florestal que exige a preservação de 80% das propriedades
na região desvirtua, segundo eles, a função de proteção da biodiversidade da
reserva legal e pode incentivar o desmatamento de áreas intermediárias às terras
degradadas, já que a produção da palma de dendê adota o modelo da monocultura de
grande porte.
A adoção da monocultura também é considerada uma ameaça à
biodiversidade da Amazônia e às práticas agroflorestais familiares e das
comunidades tradicionais. Na Bahia, onde o dendê é praticamente nativo e mantido
por famílias, a pesquisa verifica os benefícios da cultura para os pequenos
agricultores em termos de geração de emprego e
renda.
Algodão
Existem hoje no país 24 usinas que
podem transformar óleo de algodão em biodiesel. Mesmo assim, ainda é muito
pequena a quantidade de combustível produzido com o óleo de algodão, não apenas
porque o preço do caroço subiu demais, mas porque a indústria de óleos vegetais
e fabricantes de ração disputam o caroço no mercado com os produtores de
biodiesel.
Entre os impactos verificados estão o desmatamento do Cerrado,
a contaminação ambiental decorrente do uso massivo de agrotóxicos e a ocorrência
de trabalho escravo. No Mato Grosso, há problemas em pelo menos três áreas de
avanço da cotonicultura: "Sapezal/Campos de Júlio", "Nascentes do Juruena" e
"Terra do Papagaio". No Oeste baiano, São Desidério (BA) é o município com maior
área plantada de algodão no país (132,4 mil hectares), e Barreiras mentém o
quarto posto com 48,9 mil hectares. As preocupações no Cerrado baiano se
concentram nas bacias dos rios Corrente e Grande, em função do uso irregular dos
recursos hídricos, da contaminação por agroquímicos, da grilagem de terras e da
concentração fundiária.
Em relação às contaminações por agrotóxicos,
teme-se por possíveis conseqüências ao Pantanal, pois 60% das plantações
brasileiras de algodão estão no Centro-Oeste. Quanto ao trabalho escravo, nove
fazendas de algodão desde a criação da "lista suja" em 2003. Atualmente, cinco
continuam na lista, entre elas duas no Mato Grosso (fazendas Brasília, em Alto
Graças, e Maringá, em Novo São Joaquim), duas na Bahia (fazendas Guará do Meio,
em Correntina, e Correntina, em Jaborandi) e uma no Piauí (fazenda Perímetro
Irrigado da Gurguéia, em Alvorada do Gurguéia). No total, 431 trabalhadores
foram libertados da condição de escravidão nas áreas
algodoeiras.
Pinhão-manso
As iniciativas de
produção de combustível a partir do pinhão-manso, por sua vez, são marcadas pela
falta de conhecimento sobre o manejo e potencial de geração de óleo em escala.
Liberada recentemente para plantio pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa), a espécie cobiçada pela alta concentração de óleo sequer
dispõe de sementes certificadas no mercado.
Objeto de alguns
investimentos estrangeiros - a empresa espanhola CIE Automotive apóia
empreendimentos, por exemplo, em Minas Gerais e Mato Grosso - o pinhão-manso não
tem empolgado muito os assentados integrados com empresa Biotins, no Tocantins.
A baixa produtividade desestimula e até pressiona a segurança alimentar dos
pequenos agricultores, que se endividaram para instalar a cultura e firmaram
acordos com a empresa.
No Rio Grande do Sul, o cultivo de pinhão-manso
recebe investimentos do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), como fonte
alternativa de energia. Características favoráveis como a perenidade e a boa
adaptação à região contrastam com o déficit de informações sobre o processo de
produção. Por enquanto, a cautela reina entre os pequenos agricultores que estão
experimentando o cultivo.
Milho
O milho não está
sendo utilizado para fins energéticos no Brasil, mas vive um boom, motivado por
profundas transformações em seu mercado global, lideradas pelo programa dos EUA
de geração de etanol a partir do grão.
No Brasil, este fenômeno tem
gerado elevação dos preços do grão e o aumento da área cultivada, o que, por um
lado, tem pressionado a liberação de variedades transgênicas, potencialmente
contaminadoras de cultivares tradicionais, colocado em risco a manutenção do
milho crioulo e pressionado as pequenas criações de aves e suínos, altamente
dependentes do milho.
Babaçu
O babaçu é a
palmeira nativa com maior volume de pesquisas referentes ao potencial de
participação da produção nacional de biodiesel, mas nenhum projeto concreto
neste sentido está em execução.
O relatório avalia, contudo, que os
impactos da valorização do babaçu, cada vez mais demandado pelas siderúrgicas do
Maranhão e do Pará para produção de carvão vegetal (essencial para a produção do
ferro-gusa a partir do minério de ferro das minas de Carajás), na vida e na
cultura das quebradeiras de coco de babaçu no Maranhão, e traça um comparativo
com os impactos que a demanda do produto para biodiesel causaria nestas
comunidades.
Leia o relatório "O Brasil dos Agrocombustíveis - Palmáceas,
Algodão, Milho e Pinhão-Manso - 2008 (na íntegra, em pdf)", segundo de uma série
de documentos sobre o tema, em: www.reporterbrasil.org.br/documentos/o_brasil_dos_agrocombustiveis_v2.pdf
Confira
o site do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis: www.reporterbrasil.org.br/agrocombustiveis/
(Envolverde/Repórter Brasil)