O milho demorou a entrar na Europa
devido à sua presença nas zonas americanas dominadas pelos espanhóis, que
durante a era católica da Santa Inquisição consideravam que não se devia comer
alimentos dos indígenas porque estes não eram "filhos de Deus". Muito usado hoje
como razão para animais, o milho foi objeto de uma forte polemica inclusive
dentro da Comissão Européia. Por um lado, seu presidente, José Manuel Durão
Barroso, defende um aumento significativo da produção de milho transgênico na
UE, apesar da oposição do comissário europeu de Meio Ambiente, Stavros
Dimas.
Em outubro de 2007, Dimas propôs aos demais membros do Executivo
do bloco de 27 países proibir o cultivo das variedades transgênicas Bt-11 e
1507, devido a evidências científicas sobre seu impacto ambiental negativo.
"Mas, o senso majoritário na Comissão é a favor dos OGMs, e a decisão final foi
adiada duas vezes por falta de consenso", explicou à IPS a bióloga portuguesa
Margarida Silva, coordenadora nacional da Plataforma Transgênicos Fora,
integrada por 12 organizações não-governamentais de Portugal da áreas de meio
ambiente e agricultura, associada ao seus congêneres do bloco.
Barroso
tentou convencer Dimas a levantar sua objeção em abril deste ano, a tempo de
pedir uma avaliação à Autoridade Européia de Segurança Alimentar, "com o
propósito de retirar legitimidade da proposta do comissário", disse a bióloga e
catedrática universitária. "Não é muito o que os europeus podem fazer, mas a
força dos números continua jogando a nosso favor, e com eles podemos fortalecer
Dimas", ressaltou. Esta especialista explicou que "na sociedade civil de toda a
Europa cresce o movimento contra os transgênicos, já proibidos em vários
países".
As políticas da União Européia nessa área se baseiam na
Regulamentação 1829 sobre alimentos e rações geneticamente modificados, adotada
em 2003, e na Diretriz 18 de 2001, sobre liberação deliberada de transgênicos no
meio ambiente. De acordo com essa norma, o cultivo e consumo de OGM só pode ser
autorizado após uma "rigorosa avaliação de seus riscos". O estudo de riscos para
a saúde humana e animal é responsabilidade da Autoridade Européia de Segurança
Alimentar. Mas, a autorização dos OGM depende em última instancia dos países do
bloco.
No centro da polemica está o milho, um dos quatro alimentos
básicos da humanidade, junto com o arroz, o trigo e a batata, segundo a
Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), e que
tem produção de 677 milhões de toneladas por ano, destinada em sua maior parte à
alimentação animal. Do total da produção global, o continente americano responde
por 58%, boa parte cabendo aos Estados Unidos, berço dos OGM. Este país é o
primeiro produtor, com quase a metade do volume mundial. Suas plantações
consomem grandes quantidades de fertilizantes e herbicidas e incorporam
variedades hibridas e transgênicas.
Os críticos como Margarida Silva
lembram que já foi provado que a abundante quantidade de herbicidas usados em
plantações transgênicas contamina os solos, e a diversidade de espécies também
está em risco. Os críticos também dizem que os grãos geneticamente modificados
desenvolvem imunidade, exigindo doses mais fortes de agroquímicos, prejudicando
o meio ambiente e levando a uma uniformização das sementes, que terão cada vez
mais as mesmas características. Também rebatem o argumento de que as plantações
transgênicas, por sua grande produtividade, podem colaborar para elevar a
produção de comida e acabar com a fome no mundo. "O interesse não é esse, mas os
grandes agronegócios de exportação, atualmente voltados à indústria
transgênica", disse a especialista.
Os defensores da opção transgênica
garantem que não há outra saída diante da duplicação da população mundial nos
próximos 40 anos, que obrigará a aumentar a produção alimentar em cerca de 250%.
Na Península Ibérica existe um grande movimento unificado para conseguir uma
moratória no cultivo de transgênicos, seguindo a decisão adotada em março pela
França apelando à chamada "cláusula de salvaguarda", que permite aos membros da
União Européia passar por cima da direção comunitária.
Margarida Silva
recordou que Paris baseou sua decisão "em um conjunto de 25 estudos científicos
que apontam para a existência de riscos para o ambiente, a agricultura e a saúde
humana quando é usada a variedade de milho geneticamente modificado". Em
Portugal, a especialista deu como exemplo a região de Alentejo, que compreende
um terço dos 92 mil quilômetros quadrados do território nacional, onde "metade
das propriedades abandonaram o cultivo de transgênico". Os agricultores preferem
"tecnologias práticas mais eficazes, que apresentem menos riscos para o
ambiente, a saúde humana e para a própria economia", afirmou.
Embora,
"contrariando a lei, o Ministério da Agricultura insista em não divulgar dados,
o quadro português aponta para um ciclo de experimentação e posterior abandono
dos cultivos transgênicos por uma quantidade significativa de produtores",
afirmou Margarida Silva. Essa tendência "é conseqüência de um estudo da UE
recentemente divulgado, em que de três regiões estudadas, o cultivo de milho
transgênico não propiciava nenhuma vantagem econômica aos produtores de duas
delas", acrescentou.
A bióloga recordou que o experimento dos
transgênicos na Península Ibérica esteve desde 2005 a cargo principalmente da
Pioneer Hi-Bred International, a companhia de sementes do grupo norte-americano
DuPont, e da empresa suíça Syngenta, "firmas com amplo histórico de contaminação
da agricultura européia". Além de Portugal, os experimentos destas
multinacionais "já afetaram agricultores na Alemanha, Áustria, Croácia,
Eslovênia, Espanha e Itália", ressaltou Margarida Silva.
Quando França,
Hungria e Polônia, principais produtores europeus de cereais, proíbem o cultivo
de milho transgênico em seus territórios e a Alemanha está no caminho de fazer o
mesmo, os países ibéricos deveriam seguir o mesmo rumo, recomendou a
especialista. Ela fustigou a autorização por três anos dada pelo governo
português às duas multinacionais que se associaram para experimentos nas
comarcas de Monforte e Rio Maior, no centro do país, e em Ponte da Barca, no
extremo norte.
A luz verde para Syngenta e Pioneer "não tem sentido
econômico, é imoral e põem em risco toda a imagem verde a natural dessas áreas
municipais e suas respectivas potencialidades turísticas, com uma aprovação cujo
objetivo é aplicar mais herbicidas em um país que já sofre o excesso de consumo
de agroquímicos", disse Margarida Silva.
(IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)