Indígenas fecham o cerco contra represas amazônicas

Entre a indefinição da Bolívia e a pressa do Brasil, o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira avança e deixa em alarme indígenas e ativistas dos dois países.

La Paz, 7 de julho (Terramérica) - Comunidades indígenas do Brasil e da Bolívia se declaram em emergência por causa da construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, que Brasília persegue incessantemente, enquanto pesquisas independentes buscam medir impactos do que será um dos maiores projetos energéticos da América do Sul. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende construir, este ano, as represas de Jirau e Santo Antônio, primeira parte do complexo em território brasileiro. Mas os vizinhos bolivianos do norte amazônico temem que o projeto desencadeie danos ambientais e que arrebatem suas terras.

As organizações que os representam reuniram-se no dia 29 de junho, na cidade boliviana de Riberalta, e se declararam em emergência. O pronunciamento de sete organizações sindicais e do Movimento de Afetados por Represas do Estado de Rondônia, ao qual o Terramérica teve acesso, exortou o governo da Bolívia a "não negociar nem assinar nenhum tipo de acordo" com o Brasil. O Madera, nome com que nasce na Bolívia, ou Madeira, no Brasil, tem origem na Cordilheira dos Andes, formado pelos rios Beni e Madre de Dios, para desembocar no Rio Amazonas, onde se converte em um dos rios mais caudalosos do mundo.

Atravessa uma região de grande biodiversidade, com um trecho binacional de correnteza e cachoeiras, ou cascatas de menor altura. Tal entorno impede a navegação de grande porte, mas oferece potencial hidrelétrico. Pesquisadores do Instituto de Hidrologia e Hidráulica da Universidade Mayor de San Andrés (UMSA) e do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento, junto com estudiosos apoiados pelo não-governamental Fórum Boliviano de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fobomade) tentam determinar os riscos que a Bolívia corre com a construção das represas. Embora o complexo deva ser erguido em território brasileiro, haverá conseqüências também para a Bolívia, disse ao Terramérica o pesquisador da UMSA, Jorge Molina.

Os resultados preliminares de seu estudo indicam tamponamento de rios e afluentes com conseqüentes inundações, perdas graves de diversidade aquática e terras de cultivo e deslocamento de povos originários. O projeto central do Complexo Hidrelétrico fica nas proximidades da cidade de Porto Velho, em Rondônia, próximo da fronteira. O plano original consistia em uma hidrovia de 4.200 quilômetros e quatro represas hidrelétricas com eclusas para a navegação, duas no Brasil (Santo Antônio e Jirau), a terceira em águas binacionais e outra na Bolívia, na região amazônica de Cachuela Esperanza. Mas Brasília descartou as duas últimas, enquanto não se chegar a um acordo com La Paz.

Se o plano for concretizado, poderão gerar até 17 mil megawatts, principalmente destinados às indústrias do sul do Brasil, disse ao Terramérica o engenheiro ambiental brasileiro David Melendres, que pesquisa o tema no norte boliviano. O custo ambiental poderia superar os benefícios, assegurou. O pronunciamento de Riberalta demanda a presença do presidente boliviano, Evo Morales, na Central de Camponeses da cidade de Guayaramerín, perto da fronteira, para se reunir com indígenas, camponeses e sindicatos. "Não nos ouvem quando advertimos para o aumento das doenças, deslocamento de povos inteiros e inundação de afluentes", afirmou Rabi Ortiz, presidente da Central Indígena da Região Amazônica, da Bolívia.

O governo de Morales reiterou sua intenção de não tomar medidas à margem dos povos originários. No começo de junho, o ministro de Hidrocarbonos, Carlos Villegas, disse que a Bolívia insistiria em um acordo com o Brasil baseado em "uma análise binacional dos efeitos econômicos, sociais e ambientais". Mas a represa de Santo Antônio já foi entregue em licitação ao consórcio liderado pela companhia brasileira Furnas e ao gigante da construção civil Odebrecht. O projeto de Jirau recebe propostas desde maio. O complexo custará mais de US 9 bilhões e é o segundo maior do país, depois de Itaipu, no Rio Paraná, compartilhado com o Paraguai.

Em abril de 2004, a Odebrecht solicitou à boliviana Superintendência de Eletricidade duas licenças provisórias para estudos de viabilidade de centrais hidrelétricas nos rios Mamoré, Madeira e Beni. O pedido não foi aceito. Embora até agora a Bolívia mantenha essa decisão, "não fica clara sua posição oficial", disse ao Terramérica a vice-presidente da Fobomade, Elizabeth Mamani. O Estado boliviano carece de estudos oficiais, reconheceu Ivan Castellón, superintendente do Sistema de Regulamentação de Recursos Naturais Renováveis.

Por sua vez, o Brasil se mostra decidido a iniciar as obras este ano. As populações ribeirinhas foram notificadas do prazo para deixarem suas terras até 30 de agosto, segundo um comunicado governamental ao qual o Terramérica teve acesso. A preocupação dos indígenas é com o deslocamento de pelo menos três mil pessoas no Brasil. E, na Bolívia, uma pesquisa da Fobomade diz que cerca de 300 comunidades seriam obrigadas a abandonar suas casas. Esta organização publicou um estudo de impacto ambiental das represas alertando sobre aumento de doenças - febre amarela, malária, dengue e outras - relacionadas com a fala de saneamento e urbanização para os reassentados.

"É necessário multiplicar os equipamentos de saúde no Brasil: a situação se complicará na Bolívia porque o Estado simplesmente não chega às regiões do norte amazônico", disse Mamani, advogada ambientalista. A Bolívia é um dos poucos países que ainda têm povos desconhecidos, "agora em perigo", acrescentou. Por exemplo, os pacahuara, que se movem entre o Rio Negro, no departamento de Santa Cruz (leste), e o Pacahuara, no departamento de Pando (norte). De acordo com as pesquisas de Melendres, "estes grupos teriam de emigrar para outras regiões em busca de alimento e espaços habitáveis, ocasionando a invasão de territórios de outras populações indígenas". Estes indícios são suficientes para deter o projeto, apelando ao princípio da prevenção, afirma Mamani.

Entretanto, como "o Brasil vive com o medo de sofrer novo apagão, como o registrado em 2001, devido a uma crise energética", é improvável que o projeto seja suspenso, afirmou ao Terramérica Patrício Sorbera de Los Ríos, ex-professor da Universidade Federal do Acre. "Sabe-se que estas construções desencadeiam impactos diversos, mas esperamos que não sejam da magnitude falada pelos ambientalistas", acrescentou.

* A autora é correspondente da IPS.

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