Lima, 30 de junho (Terramérica) - O cenário peruano de conflitos por causa das indústrias extrativistas pode se mudar da cordilheira para a selva, devido ao aumento de concessões nas regiões amazônicas de San Martín, Madre de Dios e Amazonas, com forte oposição de comunidades nativas. "Não permitiremos mais concessões petrolíferas nem mineradoras nos territórios indígenas", disse ao Terramérica o líder shaw Alberto Pisango, presidente da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep).
Entre 2002 e junho de 2008, a porcentagem do território de Amazonas (norte), San Martín (centro) e Madre de Dios (leste) concedida às mineradoras quadruplicou, passando de 4,65% para 17,35%, segundo o governamental Instituto Geológico de Mineração e Metalurgia. Amazonas está na frente, pois as concessões passaram de 1,17% de seu território, há seis anos, para 7,6% este mês. Em Madre de Dios, o aumento foi de 2,44% para 6,56%, enquanto em San Martín as concessões ocupavam 1% e hoje pouco mais do que 3%.
As principais operadoras são pequenas empresas canadenses que
exploram para depois negociarem suas descobertas de metais preciosos com
companhias multinacionais maiores, dedicadas à exploração, informou a
não-governamental CooperAcción. "Sem dúvida, haverá conflitos por causa destas
concessões, pois do ponto de vista ambiental é uma zona mais sensível do que a
serra", disse ao Terramérica José de Echave, responsável por Indústrias
Extrativistas da CooperAcción. A atividade mineradora se desenvolveu
tradicionalmente nos Andes peruanos. Apenas na década de 90 se expandiu para a
costa e nos últimos anos para a Amazônia.
"A indústria de mineração está
em uma corrida por novas jazidas porque daqui em diante haverá mais restrições
no mundo para esta atividade devido ao impacto climático, que já entrou na
agenda mundial", disse Echave. A proteção ambiental, cada vez mais presente,
compete com o interesse de garantir o investimento privado. Mas, as empresas
desejam aproveitar o auge mundial das cotações dos minérios. Segundo a agência
de notícias econômicas Bloomberg, entre 2005 e 2006, o cobre aumentou 111%, o
ouro 42,5%, a prata 65,5%, o zinco 150%, o chumbo 36,5% e o estanho
15%.
A mineração representa 60% das exportações do Peru, segundo produtor
mundial de prata, quinto de ouro e terceiro de cobre e zinco. No ritmo deste
crescimento, aumentaram os problemas. Segundo a Defensoria do Povo, em 2007,
havia conflitos ambientais em 40% das áreas de mineração. Em maio deste ano, já
se apresentavam em 48%. "É provável que, nos próximos dez anos, o cenário do
conflito seja a Amazônia, porque o Estado não dá garantias para que a atividade
mineradora respeite os direitos das comunidades camponesas e nativas", disse
Echave.
Pisango, da Aidesep, considera que uma das principais razões do
conflito é que as empresas exploram sem consultar as comunidades. "Se o governo
continuar lançando agressões, vamos responder de maneira organizada", advertiu.
Desde 2004, multiplicam-se as queixas dos indígenas contra atividades
extrativistas em Amazonas e Madre de Dios, afirmou. A Aidesep apresentará em
julho uma demanda contra o Estado no Tribunal Constitucional, por ferir direitos
indígenas na promoção de indústrias extrativistas, e pensa em levar o caso à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
As organizações indígenas já
se dirigiram à Comissão em julho de 2007, pedindo medidas cautelares para os
povos kugapakori, nahua e nanti, em situação de isolamento e contato inicial,
afetados pelo projeto de gás de Camisea, nas regiões de Cusco e Ucayali, no sul
e lese do país. Outra solicitação foi em defesa das etnias em isolamento
voluntário waorani, panannunjuri e aushiri ou aijira – em Loreto (nordeste) –
supostamente ameaçados por atividades das petrolíferas Barrett Oil e Repsol YPF.
Nos dois casos se pede proteção da comunidade, de seu território, cultura e
direito a viver em um ambiente saudável. Os conflitos mais duros na Amazônia
aconteceram em torno do gás e do petróleo.
O governo incentiva o
investimento privado na serra e na selva "por que tem de começar por algo" para
promover o desenvolvimento nessas regiões, disse ao jornal La Republica o
presidente do Conselho de Ministros, Jorge del Castillo. Os aborígines invocam o
Convênio 169, adotado pela Organização Internacional do Trabalho, que estabelece
um sistema de proteção especial para as etnias autóctones e mecanismos de
consulta sobre leis, projetos e políticas que afetem seu desenvolvimento e
hábitat. O Peru o ratificou em 1993.
É necessário primeiro um
ordenamento territorial, para evitar que sejam exploradas áreas florestais ou
agrícolas. "A lei é muito ambígua ou prioriza a mineração antes de outras
atividades produtivas. Por isso é importante um registro do que há realmente no
terreno antes de se tomar decisões que apenas gerem conflitos", disse ao
Terramérica o presidente da região Madre de Dios, Santos Kawai
Komori.
* A autora é colaboradora da IPS.