Amazônia: terra de ninguém

O desenvolvimento da Amazônia dentro de parâmetros de sustentabilidade é um desafio urgente e que precisa ser encarado de forma de maneira inovadora por empresas, sociedade e governos. A economia baseada no desmatamento não garante nenhum tipo de progresso social para as comunidades que lideram o mapa de retirada da cobertura florestal. Pelo contrário, são as cidades que mais desmatam que também lideram em indicadores de violência, trabalho escravo e baixo IDH. No entanto, governos e entidades de madeireiros costumam descrever esta realidade de forma diferente, mais favorável ao desmatamento, uma vez que nos primeiros anos de extração da floresta realmente ocorre um boom de crescimento econômico. Mas, efêmero, esse desenvolvimento acaba junto com as árvores, e a atividade que vem depois é a criação de gado, que ocupa muito menos gente do que a indústria madeireira. O alerta foi feito por Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, que tem sede em Belém e é uma das organizações fundadoras do Fórum Amazônia Sustentável, do qual o Instituto Ethos também faz parte.

Beto Veríssimo, como é mais conhecido por seus parceiros que estudam e trabalham na e pela Amazônia, é reconhecido como um dos mais importantes especialistas na dinâmica econômica e social da região, além de ser autor de estudos relevantes usados como base para políticas públicas no Pará e em toda a Amazônia. Em entrevista ao jornalista Dal Marcondes durante a Conferência Internacional do Instituto Ethos 2008, em São Paulo, Beto alertou sobre a necessidade de inovar na busca de soluções para a região e destacou a questão fundiária como uma das mais urgentes.

Instituto Ethos: Por que a regularização da posse da terra é importante para a Amazônia?

Adalberto Veríssimo: Mais de 70% da região não tem titulação e isso torna muito difícil responsabilizar autores de crimes ambientais. O modelo cartorial existente hoje no Brasil não vai conseguir resolver este desafio, porque as escalas na Amazônia são imensas. Se utilizarmos as novas tecnologias de internet e de localização por satélite, podemos ter um avanço rápido na identificação de posse e de uso da terra. Para o governo, boa parte da Amazônia é terra de ninguém.

IE: E como isso pode ser feito?

AV: Em um primeiro momento, precisamos fazer uma regularização ambiental e, em seguida, de titulação. Para trabalhar a parte ambiental, os ocupantes de glebas de terras se autodeclaram como detentores da posse. Com isso, passamos a ter pessoas ou empresas que podem ser responsabilizadas pelas ocorrências em suas terras. Depois, é preciso fazer um mutirão para a regularização documental. Aí sim os proprietários têm de entrar em acordos sobre divisas e respeitar regulamentações de posse e de uso da terra na região. Esta questão é fundamental para o desenvolvimento, os Estados Unidos fizeram isso em 1870.

IE: Este é um desafio de tamanho chinês?


AV: Sim, e é preciso que a Amazônia esteja presente no núcleo duro do governo, como prioridade, para que os órgãos públicos se articulem para realizar esta empreitada. A falta de regularização fundiária é a origem de muitos conflitos na região. Esta regularização é condição para que o desenvolvimento local seja minimamente sustentável. Hoje a área regularizada na Amazônia é do tamanho do Estado de São Paulo, e precisa ser multiplicada por quatro.

IE: O novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, tem a visão desta urgência?

AV: Acredito que não. No entanto, a Marina deixou o governo em posição delicada. Ficou claro que o governo precisa da Amazônia sob o ponto de vista energético e de recursos naturais, mas não tem caixa nem vontade política para cuidar da Amazônia. O ministro Minc vai ter de colocar a região na pauta econômica e social. Nos próximos anos o desmatamento vai crescer, por pressão econômica, dos preços das comoditties, e o governo tem de ter um plano para enfrentar isto. E não adianta querer fazer na marra, tem de ser um plano que envolva os atores econômicos. Não existe uma solução mágica, a Amazônia não é um cenário de soluções únicas. Enquanto for mais barato desmatar do que usar áreas degradadas, a floresta vai ser arrasada.

(Envolverde/Instituto Ethos)

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