Bonn, 28/05/2008 – Lúcio Flores, indígena terena do Brasil, viajava de caminhão pela Amazônia com um fazendeiro que, ao observar a selva, comentou: "Veja isto. Não há nada aqui". Seguiram viagem. A selva deu lugar a uma plantação. O fazendeiro exclamou: "Mas há soja". Para ele, a selva não era nada.
Bonn, 28/05/2008 – Lúcio Flores, indígena terena do Brasil, viajava de caminhão pela Amazônia com um fazendeiro que, ao observar a selva, comentou: "Veja isto. Não há nada aqui". Seguiram viagem. A selva deu lugar a uma plantação. O fazendeiro exclamou: "Mas há soja". Para ele, a selva não era nada. O cultivo era tudo. Flores fez este relato perante ambientalistas, representantes governamentais e jornalistas em uma sessão da IX Conferência das Partes do Convenio das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP9), que acontece nesta cidade da Alemanha. Esta história ilustra as visões opostas que separam a comunidade empresarial dos indígenas. "Para a agroindústria, a natureza não é nada. Mas, para nós, é tudo", disse.
Os opostos são muito
reveladores no Brasil. Em seu território está grande parte da maior reserva de
biodiversidade do planeta, a Amazônia. Mas, também é o principal produtor de
etanol, combustível de origem vegetal destilado da cana-de-açúcar, e o segundo
de soja, atrás dos Estados Unidos. O grande crescimento das plantações de cana e
de soja nos últimos 30 anos levou ao desmatamento de grandes extensões de terra
na região do Amazonas, segundo numerosos ambientalistas. "No Brasil há hoje 21
milhões de hectares cultivados com cana-de-açúcar, a maior parte para produzir
etanol, e soja, insumo do combustível vegetal e forragem para o gado", disse
Camilla Moreno, advogada da organização não-governamental brasileira Terra de
Direitos.
A ativista disse que o governo brasileiro permitiu o
desmatamento apesar da ambiciosa proteção legal que tem a selva. "Uma lei de
1965 obriga reflorestar uma área em 30 anos com pelo menos 20% de vegetação
autóctone", afirmou Camilla. Na Amazônia, esse requisito sobe para 50%. "Após o
pico de desmatamento alcançado em 1995, foi aprovada uma medida provisória em
1996 para aumentar a reserva do Amazonas para 80%. Mas, não é feito um
acompanhamento", lamentou.
Por sua vez, Paulo Adairo, da filial
brasileira do Greenpeace Internacional, disse à IPS que nas 36 municipalidades
da região amazônica apenas 20% dos fazendeiros seguem a legislação. No contexto
do plano agroenergético do governo de 2005, as plantações de cana-de-açúcar e
soja aumentarão para 200 milhões de hectares até 2030. Isto é, o desmatamento
vai continuar. "O governo simplesmente ignora o fato de não haver forma de as
monoculturas serem sustentáveis, seja de cana ou soja", ressaltou Adairo.
O auge dos biocombustíveis não está na agenda da Conferência de Bonn,
que começou dia 19 e terminará na próxima sexta-feira. Mas, dela consta o
desmatamento, conseqüência do auge daqueles. Por sua vez, o desmatamento é a
principal causa de uma concentração maior de gases causadores do efeito estufa,
como o dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, aos quais a maioria dos
cientistas atribuiu o aquecimento global e o atual ciclo de mudança climática.
Ao final da cadeia de causa e efeito, a mudança climática dizima a
biodiversidade mundial. Cerca de 150 espécies de fauna e flora desaparecem por
dia, segundo a Organização das Nações Unidas. A maioria é vitima da mudança
climática.
"A destruição de florestas e a conseqüente perda de
biodiversidade tem conseqüências graves sobre milhões de populações que dela
dependem. Mas, também afeta a segurança alimentar e acelera a mudança
climática", disse à IPS Belmond Tchoumba, coordenador do programa florestas e
biodiversidade da organização Amigos da Terra Internacional. Os países com mais
desmatamento são Brasil e Indonésia. Ambos são os principais produtores de
insumos para biocombustível. As plantações de palma para diesel orgânico são a
principal causa de perda de florestas nesse país do sudeste
asiático.
Numerosos cientistas prevêem que em 2020 a área cultivada com
palma na Indonésia triplicará até atingir 16,5 milhões de hectares, uma
superfície do tamanho da Inglaterra e de Gales, o que ocasionaria a perda de 98%
da cobertura vegetal do país. A vizinha Malásia, maior produtor mundial de
palma, já perdeu 87% de suas florestas, e o desmatamento continua ao ritmo de 7%
ao ano. Numerosos ambientalistas pediram urgência à Conferência da ONU no
sentido de tomar medidas imediatas para frear o desmatamento de selvas
importantes e conter o comércio ilegal de seus produtos derivados.
(IPS/Envolverde)
(Envolverde/IPS)