Os parcos resultados alcançados nesses 36 anos de reuniões das quais participaram milhares de delegados, jornalistas e representantes de ONGs, causam desânimo e desespero naqueles que lutam incansavelmente para salvar o planeta e a humanidade de desastres ecológicos cada vez mais violentos e freqüentes.
Para Bali, as expectativas eram muito grandes: acabara de ser publicado o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), cujo impacto pode ser comparado ao Informe do Clube de Roma, intitulado "Os Limites do Crescimento" resultado de uma pesquisa realizada no Massachussets Institute of Technology (MIT), em 1972. O tema central desta reunião de Bali deveria ser o "Efeito Estufa", o aquecimento global terrestre, claramente perceptível e divulgado pela comunidade científica.
Tanto em Kyoto como
em Bali, os principais países poluidores – Estados Unidos e os BRICs (Brasil,
Rússia, Índia e China) – recusaram-se terminantemente a assumir suas
responsabilidades para reduzir nos próximos 15 anos (1997-2012) suas emissões de
CO2, NO4, SO2 e metano, destacando-se por sua arrogância a delegação
estadunidense que, devido a sua recusa numa reunião internacional que requer
unanimidade na votação, inviabilizou todo o esforço.
No ano de 2007, a
Rússia – um dos grandes poluidores – aderiu às metas de Kyoto e, no final do
ano, a Austrália sob novo governo trabalhista declarou sua adesão às metas da
Convenção. Permanecem os EUA – maiores poluidores – consumidores de carvão e de
petróleo, cujo presidente tem rechaçado qualquer medida de redução das emissões
sob a alegação que isto prejudicaria a economia do país. Também os BRICs
continuam a alegar seus direitos de poluir, até que tenham alcançado o nível de
desenvolvimento dos países "ricos". Argumento frágil e indefensável no caso do
Brasil, onde a queimada de florestas é responsável por aproximadamente 20% da
emissão de CO2 no mundo. As propostas do MDL, supostamente mais eficazes, por
permitir a transferência de créditos mediante pagamentos aos países que ainda
não poluíram sua cota soam infantis porque não reduzem o total das
emissões.
As metas da Agenda 21, proclamadas na RIO´92, não foram
cumpridas, com poucas exceções, e somente em nível local. As conseqüências dessa
atitude negativa e o descaso com o futuro de nosso planeta têm agravado a
situação das populações mais carentes e desprotegidas, em casos de desastres
naturais, cada vez mais freqüentes.
Além do aquecimento global terrestre,
verifica-se uma escassez crescente de água potável, sobretudo nas regiões do
agreste, cujas terras, rios e lagos secaram. Ocorre, também, uma degradação
contínua de solos cultiváveis, por erosão e salinização, conseqüência de métodos
de irrigação irracionais.
Rios, lagos e costas marítimas são degradados
pela destruição da mata ciliar, a invasão de manguezais e o despejo
irresponsável de detritos tóxicos da produção industrial e da mineração. Na
própria agricultura cuja mecanização procede a passos gigantes nas monoculturas
da soja e da cana-de-açúcar. No uso de agrotóxicos, fertilizantes químicos e
pesticidas, a tendência é de agravamento da situação por que as substâncias
tóxicas são levadas pelas chuvas para o subsolo e os lençóis freáticos,
contaminando assim as reservas do precioso líquido. A água contaminada,
consumida pelo gado e por seres humanos, causa efeitos patológicos na saúde de
seus consumidores.
Outro problema que inspira grande preocupação é
representado pelo crescimento explosivo das áreas urbanas, particularmente, das
metrópoles, grandes consumidores de água e de energia. Algumas metrópoles
alcançaram níveis de população que desafiam a administração racional, com
problemas praticamente insolúveis. A demanda por mais energia leva à instalação
de termoelétricas, grandes produtoras de CO2 e do Efeito Estufa. A água,
contaminada pelas invasões de áreas de mananciais por milhões de favelados,
exige investimentos cada vez mais elevados para assegurar um grau de pureza
aceitável para consumo humano.
Em muitos municípios, há falta de
saneamento básico, o que leva a população a usar água contaminada para lavar-se
e para cozinhar. Os efeitos são sentidos na área de saúde, que deve atender
inúmeros casos de diarréia, hepatite e outras infecções causadas por parasitas,
sobretudo na população infantil.
Além do problema de falta de
infra-estrutura nas áreas periféricas das metrópoles, há uma imensa falta de
moradias decentes, com o conseqüente adensamento da população marginalizada em
favelas, onde o atendimento adequado por serviços públicos é praticamente
ausente.
Esse quadro reflete a gritante desigualdade na distribuição de
riquezas e de renda. Uma minoria detém a maior parcela de recursos materiais e
simbólicos, vive na opulência e no desperdício, enquanto a imensa maioria da
população carece do mínimo necessário para uma existência digna, com qualidade
de vida aceitável.
Infere-se, portanto, que o conceito de
sustentabilidade não pode ser restringido ao "esverdeamento", ao ecologicamente
"correto" e, tampouco, ao economicamente "viável" (para quem?). Há uma dimensão
social e ética que deve ser priorizada, assegurando os direitos humanos e
justiça para todos.
Essa visão da sustentabilidade ultrapassa a dimensão
temporal do presente e reclama urgentemente mudanças em prol de um futuro mais
eqüitável. Cabe a cada um de nós levantar a pergunta e responder: Que tipo de
sociedade queremos para nós e para nossos filhos? As elites vivem se queixando
de altos impostos, reclamam com os gastos sociais do governo e querem "enxugar"
o Estado. Quase todos sonegam impostos, praticam o sub e superfaturamento,
mandam divisas para paraísos fiscais que empobrecem o país. Nos países europeus,
onde prevalece (ainda) o Estado de bem-estar, a alíquota de impostos chega a
45%, enquanto aqui no Brasil não passa de 27,5%.
Lá, o Estado obtém os
meios para uma política social decente, inclusive para os imigrantes. As elites
louvam-se na democracia, conquista dos movimentos operários e sociais após a
queda da ditadura. Mas, nossa democracia é apenas formal e o sistema eleitoral
veda o acesso das classes baixas ao poder, com exceção das oligarquias
partidárias e sindicais cooptadas, que têm acesso à informação e aos direitos de
cidadania.
Os economistas falam da necessidade de maior eficiência dos
recursos humanos e de produtividade, mas silenciam sobre o problema de
distribuição de renda e da deterioração dos recursos humanos, submetidos a um
regime de trabalho desumano. Não se calculam as perdas com a falta de
racionalização do sistema produtivo – os desperdícios de água, de energia, de
tempo necessário para o transporte e, portanto, o desgaste sofrido pela força de
trabalho submetida a um ritmo e cadência desumana. Em outras palavras, os custos
de produção causados pela organização irracional do espaço urbano e do sistema
de transporte são "externalizados", transformados em custos sociais. Caberia ao
Estado zelar pela "internalização" dos custos sociais e das deseconomias das
metrópoles, penalizando seus responsáveis. Entretanto, a estrutura do sistema
político não toca nos privilégios da elite, enquanto ignora as necessidades da
população desamparada.
Enquanto não houver uma democracia verdadeira e
participativa, a resolução dos conflitos se arrastará por anos, por causa de um
sistema judiciário moroso, ineficiente, quando não, corrupto. Então, como sustar
as queimadas na Amazônia quando o poder executivo, legislativo e judiciário está
nas mãos das oligarquias e das elites hereditárias? Há uma confusão, talvez
propositada, entre economia de mercado e democracia.
A nossa democracia
representativa não cria obstáculos à concentração das terras, indústrias e
finanças cujo poder se impõe e sobrepõe ao dos representantes eleitos. Como se
elegem repetidamente, elegem seus filhos e parentes, criam verdadeiros clãs ou
dinastias que tomam conta do Congresso, arranjam empregos sem concurso para seus
familiares e detém os meios para beneficiarem-se dos contratos com as grandes
empreiteiras.
Sua política, na melhor das hipóteses, concede esmolas de um
assistencialismo descarado, aproveitadas para construir suas carreiras políticas
e eleitorais. Um verdadeiro Estado de bem estar como prevalece nos países
escandinavos, dispõe de recursos pela tributação das grandes fortunas para
manter os sistemas de habitação, saúde, educação, transporte público e segurança
que constituem a base para a formação da consciência e de cidadania. Utopia,
diriam os porta-vozes das elites. Convém lembrar as palavras de Victor Hugo:
"... a utopia de hoje é a imagem do futuro".
Voltando ao nosso tema
central: seria possível evitar o risco imenso que representa o aquecimento
global terrestre? O crescimento econômico de que tanto se vangloriam os governos
é "perverso", considerando-se seus impactos ambientais. A indústria
automobilística brasileira encerrou o ano 2007 com uma produção de três milhões
de veículos, contribuindo para o aumento do PIB de forma significativa. Mas,
analisando seus efeitos "para frente" e "para trás", verificamos um aumento da
demanda de aço, vidro, plástico e alumínio, todos grandes consumidores de
energia que exigem mais carvão e petróleo ou gás para as termoelétricas, cujas
emanações poluem a atmosfera e contribuem para o Efeito Estufa.
Por outro
lado, o sucesso da indústria automobilística significa que, diariamente, mais de
700 carros estão sendo emplacados e lançados nas ruas da cidade, que não
comporta mais essa sobrecarga, haja em vista os congestionamentos diários do
trânsito, por dezenas de quilômetros. O gasto excessivo com combustível cujos
gases são inalados pelas pessoas causam inúmeras doenças respiratórias,
sobretudo em crianças e idosos e levam a um aumento significativo de gastos em
internação hospitalar e de pagamentos de serviços médicos profissionais. Os
gases emanados dos veículos danificam prédios e edifícios de moradia, as roupas
que vestimos, enfim, tudo, aumentando os "custos sociais" desse tipo de
crescimento.
Efeitos destrutivos verificam-se com a expansão da
agricultura notadamente com a plantação da soja e da cana-de-açúcar, para a
produção de etileno. Além de invadir áreas de reservas florestais e de proteção
de mananciais, os agrotóxicos atingem os lençóis freáticos e os aqüíferos que
constituem uma reserva preciosa do líquido cada vez mais escasso no Planeta. Com
o advento do álcool à base da cana-de-açúcar e da expansão da soja, vastas áreas
são queimadas anualmente para dar lugar à produção de "commodities" exportáveis
ou a formação de pastos para a criação de gado. O avanço desse "progresso" na
agricultura destrói biomas insubstituíveis, tais como o agreste, a catinga e,
sobretudo, a floresta amazônica. Ademais, expulsam as populações indígenas de
seu habitat natural e invadem também as propriedades de pequenos
agricultores.
Os estudos e as advertências dos cientistas do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o aumento da temperatura terrestre
e seus efeitos dramáticos – o derretimento do gelo das calotas polares, a
elevação do nível dos mares e as conseqüentes inundações de inúmeras cidades
situadas nas regiões costeiras não encontram ouvidos atentos entre os
representantes dos governos. Infelizmente, nos países pobres, os primeiros a
serem atingidos pelas calamidades naturais, as instituições públicas e a
consciência popular não alcançam o grau de compreensão dos desastres imanentes e
carecem de poder de cidadania organizada para cobrar dos governos atitudes mais
preventivas, seguindo o "Princípio de Precaução" quanto aos efeitos do
aquecimento global terrestre.
O que fazer? E quem vai fazer? Para evitar
as tragédias anunciadas. O poder das grandes corporações, aliadas à tecnocracia
e aos militares seria insuperável? Neste momento histórico, parece haver um
recuo diante das pressões de contingentes crescentes da população, sobretudo da
classe média e uma parte dos empresários aliados aos movimentos sociais. Mas, os
governos formados por um tripé de forças – as grandes corporações de negócios,
as elites tradicionais da aristocracia rural, os dirigentes cooptados dos
sindicatos e dos fundos de investimentos, baseados nas contribuições acumuladas
dos trabalhadores – preferem distribuir migalhas sob forma de um
assistencialismo populista, enquanto resistem às reformas agrária, tributária,
urbana e trabalhista que teriam como efeito a redistribuição das riquezas. O
centro do poder parece inamovível e a periferia – centenas de milhões de
deserdados continuam condenados à marginalização, a carência das necessidades
básicas e a repressão truculenta pelas forças da "ordem", a polícia militar e
civil. Não se pode esperar dessas forças boa vontade e disposição para induzir
uma política de mudanças.
As grandes teorias – o socialismo, o
neoliberalismo e os movimentos libertários impulsionados pelas massas parecem
incapazes de mobilizar e organizar a população que dá sinais de apatia e de
desânimo com a luta política, resultando em alta percentagem de abstenção nas
eleições. Contudo, não há motivos para o desânimo ou desespero da situação
política. O Instituto de Pesquisas de Santa Fé no Novo México que, há duas
décadas, reúne cientistas de diversas áreas do conhecimento para tentar
responder questões cruciais sobre a origem da vida, da Terra e do Cosmos,
levantou uma hipótese promissora a partir dos conceitos de complexidade e do
caos que caracterizam o estado atual da natureza e da sociedade humana.
Segundo essa hipótese, testada nas áreas de biologia, astronomia e de
computação avançada, a aplicação do conceito de Caos à sociedade humana e o caos
reinante em sua organização política e social é caracterizada por conflitos
étnicos, religiosos, tribais que se estendem a um vasto espaço geográfico, desde
as pequenas Ilhas-Estado no Oceano Pacífico, passando pelo Mianmar, Tailândia,
Paquistão, todo o Oriente Médio – Iraque, Afeganistão, Israel e os palestinos
até o Norte da África. Onde, a partir da década dos 80 houve uma relativa
pacificação com o fim das guerras civis no Moçambique, Angola, Quênia e Uganda,
embora despontasse um conflito sangrento no Sudão, particularmente na região de
Darfur, com dezenas de milhares de vítimas e mais de dois milhões de refugiados.
As tropas das Nações Unidas, da OTAN e dos próprios EUA, com todo seu poderio
militar têm se mostrado incapazes de impor a paz e uma relativa estabilidade
nessas regiões.
São nessas situações de caos, de desestruturação social
que surgiriam, nas bordas do sistema, novas formas de estruturação da vida
organizada. A formação de cooperativas de produção e comércio, de economia
solidária e outras formas de atuação coletiva são capazes de enfrentar e superar
a desordem reinante. Mais ainda, a organização coletiva permite também a
formação de mais variadas formas de expressão cultural, movidas por valores como
solidariedade, justiça e respeito dos direitos humanos.
Pensamos na
Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas de Auto-Gestão (ANTEAG) e nas
cooperativas de agricultura familiar, nas quais jovens e adolescentes conseguem
romper os grilhões da marginalidade através da formação de grupos de danças, de
canto, de orquestras, de teatro e outras. Trata-se, em geral, de iniciativas
privadas, de pessoas que procuram e encontram um sentido para suas vidas no
resgate de jovens da pobreza e da exclusão social. E, até o poder público local
é obrigado a colaborar com as diversas iniciativas de associação de moradores,
estendo a cooperação aos municípios vizinhos, criando consórcios de
administração de micro-bacias, disposição e tratamento de lixo, purificação da
água, enfim, um esforço coletivo para assegurar a qualidade de vida de suas
populações. Quem sabe, essa pressão "por baixo" consiga mover e obrigar o poder
central, o Estado, a enfrentar de forma séria e responsável as questões sobre o
futuro de nossa sociedade.
Lembrando Oswald de Andrade... "em cada utopia
não há somente um sonho; há também um protesto contra a situação existente".
* Henrique Rattner é professor da USP. Fundador do Programa LEAD
Brasil.
(Envolverde/ECO 21)