Ecologistas do Brasil e da Argentina alertam para os danos no Rio Uruguai, que podem ser causados pela projetada represa de Garabi.
Buenos Aires, 24 de março (Terramérica) - Preocupados com a demanda de energia, os governos do Brasil e da Argentina retomaram o plano da represa hidrelétrica Garabi no Rio Uruguai, que, para os ecologistas, colocará em risco o caudal desse curso já muito exigido. "Enquanto se fala em construir Garabi, a hidrelétrica argentino-paraguaia de Salto Grande, no mesmo rio, quase não funciona por falta de água", disse ao Terramérica Jorge Cappato, da Fundação Proteger da Argentina.
"Entre as represas que existem e as projetadas, em
poucos anos o Rio Uruguai se converterá em um conjunto de tanques. Mangues,
saltos e florestas serão inundados e a biodiversidade e a qualidade da água
diminuirão"", previu Cappato. Em épocas de seca ou chuvas escassas, as represas
acumularão água e as vazantes serão extremas. "Vamos cruzar o rio a pé", disse o
ativista, coordenador do Comitê Argentino da União Mundial para a Natureza
(UICN).
No final de fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e
sua colega da Argentina, Cristina Fernández, ratificaram a decisão de colocar em
marcha a represa binacional Garabi, idealizada em 1972. Formou-se uma comissão
técnica mista para supervisionar as tarefas preliminares, com previsão de início
das obras em 2011. A primeira represa argentino-brasileira teria potência
entalada de 2.800 megawatts e exigiria alagar cerca de 33 mil hectares de
terrenos povoados nas duas margens do rio. Sua localização seria no trecho
correspondente à província de Corrientes, extremo nordeste da Argentina, e ao
Estado do Rio Grande do Sul. Estão projetadas outras duas represas
argentino-brasileiras no mesmo rio: São Pedro e Roncador.
O Rio Uruguai
nasce no Brasil e desemboca no Rio da Prata, sendo limite natural entre este
país e a Argentina e entre esta nação e o Uruguai. Em seu primeiro trecho,
existem quatro centrais hdrelétricas (Itá, Machadinho, Passo Fundo e Barra
Grande) e águas abaixo fica Salto Grande, a central argentino-uruguaia.
"Necessitamos de uma política de manejo de recursos hídricos entre Brasil,
Argentina e Uruguai. Advertimos quando as Cataratas do Iguaçu secaram em junho
de 2006", disse Cappato. O Brasil havia fechado as comportas de várias represas
no Rio Iguaçu e a redução do volume de água deixou à vista as paredes de basalto
das imponentes cataratas que o país compartilha com a Argentina.
Uma
mostra do que pode ocorrer quando as chuvas escasseiam é Salto Grande. Segundo
sua Comissão Técnica Mista, em meados de novembro a energia fornecida era
superior a 42 mil megawatts/hora (MWh) e em dezembro havia baixado para 8.975
MWh. "Argentina e Uruguai concordaram em usar muito pouca energia da represa,
por isso estão funcionando apenas três das 14 turbinas" de Salto Grande,
explicou ao Terramérica o engenheiro Enrique Topolansky, presidente da delegação
uruguaia da Comissão Técnica Mista de Salto Grande.
"A idéia é armazenar
água para depois da Semana Santa, por isso águas abaixo quase não há volume",
admitiu Topolansky. Contudo, disse que será "favorável" construir Garabi, pois
sua represa forneceria mais recursos de água ao conjunto do sistema hídrico em
tempos de seca e ajudaria a regulá-lo e evitar transbordamentos quando as chuvas
forem excessivas. É certo que "o recurso é muito escasso, porém, mais escassa é
a energia, e os países devem funcionar com o que têm", argumentou.
Além
disso, "Garabi é um projeto do Brasil e da Argentina. Seria irracional que a
Argentina operasse para prejudicar o funcionamento de outra represa que tem com
o Uruguai, como Salto Grande. As operações necessitarão de uma coordenação mais
fina do que a que já se tem hoje para que todos saiam ganhando", disse
Topolansky. Por outro lado, os ambientalistas acreditam que essa coordenação é
apenas um projeto, e insistem que as grandes represas têm custos sociais,
econômicos e ambientais irreversíveis, comprovados na região.
Um
comunicado divulgado no dia 14 de março, em Porto Alegre e Buenos Aires, por
ambientalistas e organizações sociais, afirma que Garabi provocará perda de
biodiversidade e alteração no microclima local, destruirá a pesca e aumentará a
pobreza. Os Saltos de Moconá, um cânion pelo qual caem as águas ao longo de três
quilômetros, podem ficar sepultados por causa da represa. Já ocorreu com as
caudalosas Sete Quedas desaparecidas com a construção da represa de Itaipu no
Rio Paraná, recordou Cappato. Algo semelhante aconteceu depois com Itá, que
deixou sob as águas os saldos do Estreito do Uruguai.
"Garabi será um
golpe final à bacia do Rio Uruguai", segundo o advogado Jorge Daneri, da
Fundação Mbiguá, na cidade argentina de Paraná. "Agimos para que Garabi não seja
construída", disse ao Terramérica Elisángela Soldatelli Paim, coordenadora de
Projetos da Amigos da Terra Brasil. A represa vai "agravar os danos à bacia",
que já suporta grandes centrais hidrelétricas e tem outras em fase de
preparação, ressaltou.
Segundo Topolansky, Garabi, Salto Grande e as
outras centrais águas acima não têm grandes represas. "São pequenas em relação à
potência que desenvolvem", afirmou. Um dos estudos prévios do projeto diz que
sete mil famílias deverão ser reassentadas, incluindo cooperativas de
agricultores familiares e pescadores artesanais, disse Soldatelli Paim. "Nem
mesmo houve um debate com a sociedade para saber por que e para quem é
necessária uma grande hidrelétrica", denunciou a ativista. Em sua opinião, é
muito provável que a energia seja destinada a indústrias de uso intensivo da
eletricidade, como as de alumínio e celulose. "Mas para isso há alternativas
energéticas, como a eólica ou a termelétrica, que são desprezadas",
ressaltou.
* A autora é correspondente da IPS. Com as colaborações de
Mario Osava (Rio de Janeiro) e Diana Cariboni (Montevidéu).