Guaranis fora de ambiente



Sem florestas, nem rios nem terras suficientes, os indígenas de Mato Grosso do Sul tentam sobreviver com o trabalho assalariado em canaviais e produções alternativas.


Dourados (MS), 11 de fevereiro (Terramérica) - Até que o visitante não encontre uma grande "casa de reza" que confirme sua condição de indígena, esta cidade no centro-oeste do Mato Grosso do Sul parece mais um da área rural, com a pobreza realçada por cabanas precárias. O templo, de 4,5 metros de altura e o dobro de comprimento, consta de um teto duplo de sapé (Imperata brasiliensis) que chega até o solo, com paredes laterais triangulares e chão de terra. Precisa de uma reforma, porque sua estrutura de bambu (Bambsa arundinacea) está se rompendo, mas tanto isto quanto o sapé desapareceram de Dourados e arredores, explicou ao Terramérica Jorge da Silva, que a construiu há sete anos.

Silva é um dos "rezadores", ou lideres religiosos que buscam recuperar a cultura e os ritos dos guaranis na Terra Indígena de Dourados. O enfraquecimento das crenças e costumes tradicionais é apontado como uma das causas da crise desse povo, com muitos assassinatos, suicídios de jovens, conflitos de poder e desnutrição infantil. "Com a soja chegou a desnutrição e o veneno nos rios", disse Silva, que atribui a essa monocultura, que se disseminou pelo Mato Grosso do Sul nas últimas três décadas, a maior devastação de um ambiente natural do qual os indígenas extraíam bens para sua sobrevivência, como alimentos e o sapé.

A soja e a pecuária respondem pela prosperidade atual do Estado. São atividades fortemente devastadoras, como se nota de forma gritante na Amazônia, e acabaram também por encurralar os guaranis no Mato Grosso do Sul. A Terra Indígena de Dourados é o principal exemplo do "confinamento" apontado por antropólogos. Seus 3.539 hectares são insuficientes para uma comunidade de 12 mil pessoas, cercada pela cidade, de um lado, e imensos campos de soja, por outro. Não há mais florestas na região.

Para os guaranis, especialmente do grupo kaiowá que é majoritário na reserva compartilhada com os ñandevas e terenas, é uma prisão e grande fator de violência. Não podem seguir sua tradição de se mudar quando surgem conflitos com parentes ou vizinhos. Outras reservas sofrem limitações semelhantes, e há tentativas de expandi-las para áreas que os guaranis consideram historicamente suas. Isto produziu confrontos com latifundiários e mortes. O rápido aumento da população indígena desde os anos 80 tornou menos suportável o confinamento.

Além disso, a terra deixou de ser coletiva. Por mecanismos internos de distribuição e transferências foram criadas desigualdades na posse de áreas, com famílias sem nada e outras concentrando muitos hectares, que também serão poucos para as novas gerações. Silva, por exemplo, tem oito filhos e nove netos. A terra escassa degradada torna inviável a agricultura tradicional, que exige fertilização e investimentos em novas tecnologias para as quais esses povos não dispõem de recursos nem apoio técnico, afirmou Antonio Brand, historiador e indigenista da Universidade Católica Dom Bosco, que há três décadas acompanha e estuda as etnias originárias de Mato Grosso do Sul.

Muitas famílias guaranis dependem de cestas de alimentos distribuídas pelo governo. A única alternativa, especialmente para os jovens, é trabalhar na colheita da cana-de-açúcar, entre maio e novembro. Com a forte expansão desse cultivo para produção de etanol, a condição de assalariado se acentuará, disse Brand. Calcula-se que mais de mil indígenas de Dourados cortam cana. Alguns são transportados diariamente em ônibus, da reserva até os canaviais próximos, e outros permanecem pelo menos 70 dias em locais de trabalho distantes.

Este segundo grupo é acusado de levar más influências externas para a aldeia, como o alcoolismo, ao ficar tanto tempo fora de seu lugar de origem convivendo com estranhos. Porém, Jacir Freitas, de 30 anos e quatro filhos, prefere ficar alojado perto do canavial, porque após os 70 dias se faz credor dos direitos trabalhistas na hora da rescisão do contrato, acumulando dinheiro razoável para investir em suas plantações. "Corto cana desde os 11 anos", contou ao Terramérica, dizendo que é uma história comum para os que, como ele, não puderam estudar mais do que a escola primária nem conseguir um emprego público.

O povo kaiowá, mais vulnerável, se dedicou a variados cultivos, mas como uma atividade vinculada à religião, diz Levi Pereira, antropólogo que deu assistência aos indígenas como técnico agrícola. Agora também perderam a "justificativa" para a produção agrícola, ao decaírem práticas como as festas religiosas que inauguram a semeadura e a legitimação de lideres por sua produção, afirmou. Os guaranis "não são movidos pelo consumo e acúmulo de riquezas, como nós", disse Pereira, mas precisam tanto do recurso natural quanto do espiritual para se esforçarem.

Os rezadores foram duramente reprimidos na década passada e há cinco anos várias casas de reza foram incendiadas. A ação agressiva de igrejas pentecostais nas aldeias complica mais a situação. Silva acredita que agora, com o reinício da reza, dos "batismos do milho, dos bebês e da terra", a agricultura vai se recuperar nas aldeias. A cruz sagrada indica onde semear, diz sua mulher, Floriza Souza, mostrando o mamão (Carica papaya) que cultiva em seu quintal. Além disso, na aldeia são desenvolvidas novas alternativas produtivas, como a piscicultura.

A associação de 200 pessoas, que Silva coordena, já cria peixes em dois criadouros e prepara a construção de outros quatro, aproveitando áreas próximas à casa de reza. As primeiras produções foram doadas a famílias desnutridas. Agora, além de fornecer proteínas aos associados, o projeto busca se sustentar, dispensando rações doadas pela prefeitura para comprá-las com a renda obtida pela venda de 20% da produção. A dificuldade, segundo indigenistas, é fazer os guaranis superarem a produção de subsistência. Já há 26 criadouros na Terra Indígena, segundo Anastácio Peralta, um kaiowá que impulsiona essa alternativa como coordenador de Políticas Publicas para Indígenas da prefeitura de Dourados.

* O autor é correspondente da IPS.

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