Aos grandes meios de comunicação passou despercebido o impressionante
discurso que o Presidente da Bolívia Evo Morales fez em outubro nas
Nações Unidas. Falou menos como chefe de Estado e mais como um
líder indígena, cuja visão da Terra e dos problemas ambientais está
em claro confronto com o sistema mundial imperante. Denuncia sem
rodeios: "a doença da Terra chama-se modelo de desenvolvimento
capitalista" que permite a perversidade de "três famílias possuírem
ingressos superiores ao PIB dos 48 paises mais pobres" e que faz
com que "os Estados Unidos e a Europa consumam em média 8,4 vezes
mais do que a média mundial". E fez uma ponderação sábia e de
graves conseqüências: "perante esta situação, nós, os povos
indígenas e os habitantes humildes e honestos deste Planeta,
acreditamos que chegou a hora de fazer uma parada para
reencontrarmos as nossas raízes com respeito à Mãe Terra, com a
Pachamama como a chamamos nos Andes".
O alarme ecológico provocado pelo aquecimento global já iniciado deve produzir este primeiro efeito: fazermos uma parada para repensarmos o caminho até agora andado e criarmos novos padrões que nos permitam continuar juntos e vivos neste pequeno planeta. Temos, sim, que reencontrar nossas raízes terrenais. Urge que reconquistemos a consciência de que homem vem de humus (terra fecunda) e que Adão vem de Adamah (terra fértil). Somos Terra que sente, pensa, ama e venera. E agora, devido a um percurso civilizatório de alto risco, montado sobre a ilimitada exploração de todos os recursos da Terra e da vontade desenfreada de dominação sobre a natureza e sobre os outros, chegamos a um ponto crítico em que a sobrevivência humana corre perigo.
Assim como está não podemos continuar, caso contrário, iremos ao encontro de nossa própria destruição. Ainda recentemente observava Gorbachev: "precisamos de um novo paradigma civilizatório porque o atual chegou ao seu fim e exauriu suas possibilidades; temos que chegar a um consenso sobre novos valores ou em 30 ou 40 anos a Terra poderá existir sem nós".
Conseguiremos um consenso mínimo quando sabemos que o capitalismo e a ecologia obedecem a duas lógicas contrárias? O primeiro se preocupa em como ganhar mais dominando a natureza e buscando o benefício econômico e a ecologia como produzir e viver em harmonia com a natureza e com todos os seres. Há aqui uma incompatibilidade de base. Ou o capitalismo se nega a si mesmo e assim cria espaço para o modo sustentável de viver ou então nos levará fatalmente ao destino dos dinossauros.
Mas somos confiantes como Evo Morales que em seu discurso enfatizou: "tenho absoluta confiança no ser humano, na sua capacidade de raciocinar,de aprender com seus erros, de recuperar as suas raízes e de mudar para a reconstrução de um mundo justo, diverso, inclusivo, equilibrado e harmônico com a natureza".
Consola-nos a sentença do poeta alemão Hölderin: "Quando grande é o perigo, grande é também a chance de salvação". Quando, dentro de anos, atingirmos o coração da crise e tudo estiver em jogo, então valerá o máxima da sabedoria ancestral e do cristianismo dos primórdios:"em caso de extrema necessidade, tudo se torna comum". Capitais, saberes e haveres serão participados por todos para poder salvar a todos. E nos salvaremos, com a Terra.
* Leonardo Boff é teólogo, escritor, professor emérito de ética da UERJ e membro da Comissão da Carta da Terra.
Fonte: Rebia Sudeste / Envolverde / Adital.