Em um contexto no qual as denúncias que vieram à tona envolvendo o nome da Vale e membros do governo, o deputado Chico Alencar, do PSOL, conta como atuam deputados e lobistas financiados pela Vale no Congresso Nacional. O deputado participou de comissões e redigiu projetos sobre a mineração.
Carta Capital: Por que os projetos para mitigar os riscos da mineração nunca saem do papel?
Chico Alencar: Tão avassalador quanto os corpos soterrados na lama é o lobby dessas mineradoras. Até 2014, havia o pesado financiamento das campanhas. Hoje o financiamento empresarial acabou, mas há pessoas físicas que repassam os recursos. E os lobistas estão lá, atentos a qualquer projeto de lei que possa afetar seus interesses, disfarçados por nomes como “dinamismo econômico”, “desenvolvimento”. Na verdade, são mesquinhos, capazes do lucro a qualquer preço. Como escreveu Cecília Meireles no Romanceiro da Inconfidência, “A sede do ouro é sem cura e por ela subjugados os homens matam-se e morrem, ficam mortos mas não fartos”.
CC: O senhor participou da elaboração do novo marco regulatório da mineração, antes da tragédia de Mariana. Não foi uma oportunidade de mudar as coisas?
CA: Dos 27 titulares da Comissão Especial do Novo Código da Mineração – eu era um deles – 20 tiveram campanhas financiadas pelas mineradoras, especialmente a Vale. Como a gente sabe, quem contrata a banda escolhe a música. A comissão era presidida por Leonardo Quintão, do MDB de Minas Gerais, fortemente financiado pela Vale (Quintão está agora na equipe da Casa Civil de Bolsonaro). O relator era o Gabriel Guimarães, do PT (filho do mineiro Virgílio Guimarães, quadro histórico do partido), também bancado por mineradores. Aliás, não por acaso, a maioria dos componentes da comissão eram de Minas e do Pará, estados com a maior produção mineradora. O PSOL entrou com pedido de destituição do Quintão, mas (o presidente da Câmara) Henrique Eduardo Alves, hoje em prisão domiciliar, indeferiu.
CC: Que resultado teve a comissão?
CA: Conseguimos impedir a aprovação do novo código, que era no fundo um facilitador da atividade. No caso da comissão externa reunida depois da tragédia da Samarco, os projetos propostos não caminharam, o que foi muito negativo. Agora, mesmo que caminhassem, este é o país da lei que não pega, daquela que tem brecha. E só acha a brecha quem tem poder econômico.
CC: O senhor tentou sustar pontos de um decreto de Temer sobre o setor. O que aconteceu nesse caso?
CA: Tem esta via também: o decreto de regulamentação de lei que facilita a vida das mineradoras. O Temer havia editado um e então fiz o chamado Projeto de Decreto Legislativo, para sustar vários dos pontos regulamentados por ele. Levou cinco meses só para começar a tramitar. E, como tem de passar pela Mesa Diretora, claro que nem sequer foi apreciado em plenário até agora.
CC: O presidente da Vale tem se isentado de culpa com o argumento de que seguia lei. Mas são eles que fazem as leis…
CA: O que ele diz é um jogo de palavras que serve apenas à sua defesa. A não ser em delação premiada, ninguém confessa culpa nem suborno à fiscalização.