Organizações da sociedade civil e empresas se reúnem em Belém e criam um grande espaço de diálogo pelo futuro da Amazônia.
O
tempo disponível para que o Brasil assuma de fato seus compromissos como fiel
depositário de um dos mais importantes patrimônios da humanidade, a Amazônia, é
muito curto. Sob o ponto de vista científico, o atual ritmo de desmatamento e de
comprometimento dos biomas amazônicos poderá destruir um delicado equilíbrio que
garante a distribuição de recursos hídricos por toda a América do Sul, sem falar
em seus impactos em outras regiões do planeta. Sob o ponto de vista geopolítico
a Amazônia é vista por outros países e organizações internacionais como uma das
regiões críticas para a sobrevivência da humanidade. O tempo, no máximo cinco
anos, concordam cientistas, como o pesquisador do Instituto de Pesquisas da
Amazônia, Antonio Donato Nobre, mestre em biologia tropical, e líderes do setor
empresarial, como Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos.
Sob este
olhar, organizações da sociedade civil da Amazônia e empresas começaram a
construir as pontes que possibilitam pensar na existência de um futuro
sustentável para a maior floresta tropical do planeta. Um caminho difícil e
cheio de armadilhas, mas necessário para que os serviços ambientais da região
sejam definitivamente incorporados aos sistemas de valores sociais, empresariais
e políticos. Durante quatro dias neste início de novembro, em Belém, capital do
Pará, um grupo de líderes, representando boa parte dos interesses presentes na
região, se reuniu e criou o Fórum Amazônia Sustentável, uma organização que
deverá atuar com metas claras no sentido de coibir incisivamente a ilegalidade,
acabar com a impunidade e a corrupção que permeiam os processos de degradação
socioambiental e demandar do Estado brasileiro, em suas diferentes esferas, o
exercício pleno de suas responsabilidades constitucionais frente aos direitos
humanos, como por exemplo, a justiça, a segurança pública e a proteção do meio
ambiente.
Empresários e líderes sociais acreditam que não haverá
desenvolvimento enquanto persistirem na Amazônia o crime e a impunidade como
regras básicas, o trabalho escravo e a degradação ambiental como ferramentas
aceitas para a obtenção de lucro. Ricardo Young, um dos mais ativos
participantes do Fórum, acredita que é possível uma convergência dos interesses
das grandes empresas que atuam na região e dos movimentos sociais a partir de
indicadores claros que possibilitem um outro tipo de governança para a Amazônia.
"Temos de construir novos paradigmas de confiança, que levem em conta os tempos,
os interesses e a linguagem de cada um dos atores.". Para ele o trabalho começa
no estabelecimento do diálogo multicultural e multiétnico, com cada uma das
partes entendendo que somente assim se conseguirá a legitimidade necessária para
a ação. "É preciso construir uma agenda mínima comum, porque ninguém vai
conseguir enfrentar sozinho o desafio", diz Young.
Os números da região
são desafiadores, a Amazônia brasileira corresponde a 59% de todo o território
nacional, abriga 12,2% da população do país, com mais de 180 etnias distintas,
mas responde por apenas 8% do PIB. Mais de dez milhões de pessoas, 45% de sua
população, vivem abaixo da linha da pobreza e menos de 1% do PIB amazônico advém
da biodiversidade regional.
Representatividade e legitimidade
A
carta de fundação do Fórum Amazônia Sustentável (http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=39933&edt=4),
assinada por cerca de setenta organizações empresariais e da sociedade civil,
coloca em linha de igualdade na complexa arquitetura do Fórum, empresas como
Alcoa, Vale do Rio Doce, Philips e Petrobras, entre outros gigantes, como o
Conselho Nacional dos Seringueiros, organizações indígenas, ongs tradicionais na
região, como o Imazon, o Greenpeace, o Instituto Peabiru , entre muitas outras.
E um dos desafios que o grupo assumiu é o de atrair para esta causa centenas de
outras organizações de todo o Brasil. (Veja as primeiras organizações a aderir:
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=39932&edt=4).
Para Magnólio de Oliveira, da ong Saúde e Alegria, responsável por todo um
trabalho de facilitação do diálogo durante os quatro dias de conversas que
resultaram na fundação do Fórum, a Amazônia precisa que as pessoas se conheçam e
que aprendam a conviver. Por isso todo o trabalho foi precedido de dinâmicas de
grupo que levaram ao diálogo e ao sorriso. "É mais fácil acreditar nas pessoas
depois que sabemos algo sobre elas", explica o ambientalista. Ele mostra que,
"para as pessoas que estão trabalhando para a construção do Fórum, muitas vezes
até as palavras têm significados diferentes".
Isto fica claro quando,
entre os executivos presentes, que representavam empresas de grande porte com
atuação na região, havia sempre a impressão de que as conversas eram redundantes
e que o tempo gasto poderia ser muito menor. No entanto, aos poucos, se sobrepôs
a compreensão de que a lógica das reuniões empresariais não é a mesma das
articulações dos movimentos sociais, onde a "fala" tem o papel de legitimar o
tema e os interlocutores, afinal, coletivos sociais são estruturas com
hierarquias distintas e onde cada organização precisa se posicionar. Também, aos
poucos, foi se construindo a compreensão de que as empresas têm muito a aprender
com a sociedade civil. "Não pode existir um empreendimento econômico de sucesso
inserido em uma sociedade fracassada", disse Rubens Gomes, do Grupo de Trabalho
Amazônico (GTA).
Esta percepção já chegou a algumas das mais importantes
empresas que atuam na região. A Alcoa deixou isto bastante claro quando seu
principal executivo no Brasil, Franklin Feder compareceu a uma das reuniões de
preparação do Fórum Amazônia Sustentável. A empresa está fazendo investimentos
de R$ 1,3 bilhão na pequena Juruti, cidade de 35 mil habitantes no Oeste do
Pará. "Queremos ser a geração 3.0 da mineração sustentável", diz Feder. Ele
acredita que o diálogo com as comunidades será fundamental para estabelecer uma
relação de confiança com a sociedade e inserir a empresa em um permanente
processo de aperfeiçoamento da relação com os stakeholders locais. "A empresa
vai ficar por gerações na região, é preciso que a nossa atividade gere
benefícios tangíveis para a sociedade", explica. A Alcoa tem diversas
experiências no Sul de Minas, onde mantém atividades há mais de 40 anos, e no
Maranhão, onde está presente com o projeto Alumar. "Não desejamos sobrepor o
poder local, mas apoiar iniciativas que possam estimular o IDH das regiões onde
estamos", disse o executivo.
Diálogos, falas e expectativas
Outras
empresas também tiveram representação de alto escalão, como a Natura, com seu
presidente Guilherme Peirão Leal, o Banco ABN Amro com Christopher Wells, a
Philips com a gerente-geral de Sustentabilidade, Flávia Moraes, o presidente do
Grupo Orsa, Sergio Amoroso e outros executivos de bancos como Itaú, CEF e Banco
da Amazônia, além de equipe da Petrobrás, da Vale do Rio Doce e de outras
empresas. Flávia Moraes disse que a experiência da constituição do Fórum foi um
grande aprendizado. "Estamos acostumados aos processos executivos e durante os
diálogos do Fórum começamos a perceber novos valores que devem estar expressos
nos modelos de desenvolvimento sustentável que precisamos construir",
disse.
O diretor do ABN Amro, Christopher Wells, disse que existem alguns
elementos inovadores neste Fórum: "nunca vi outra reunião onde tantos atores com
interesses quase opostos conseguem construir convergências, como aconteceu em
Belém". Ele destacou, também, a importância da presença de diversas instituições
financeiras. "A maior parte dos grandes projetos na Amazônia são realizados com
crédito. Se os bancos assumirem compromissos claros em relação à
sustentabilidade na região, será um grande avanço", disse Wells.
Para o
diretor executivo do Instituto Ethos, Paulo Itacarambi, um dos grandes desafios
a ser enfrentado pelos participantes do Fórum Amazônia Sustentável será a
construção de indicadores que sirvam para estabelecer novas maneiras de manejar
a riqueza da Amazônia, com a preservação da biodiversidade e dos direitos. Ele
lembra que a ausência do Estado é um grande entrave para o desenvolvimento e
para a sustentabilidade, "pois sem educação, segurança e justiça não é possível
criar um ambiente estável de negócios para que as empresas bem intencionadas
possam atuar e distribuir benefícios", explica. Ele lembra que nenhuma instância
do Estado participou dos quatro dias de articulação para a construção do Fórum,
mas garantiu que isto não será um entrave. "Para chegar até a reunião de Belém
foram oito meses de trabalho, e o Fórum vai continuar trabalhando para atrair
todos os atores que precisam ser envolvidos", garantiu Itacarambi.
Outra
adesão de peso para o Fórum Amazônia Sustentável foi levada pelo ator Vitor
Fasano, que representou no evento o movimento "Amazônia para Sempre", que tem a
participação de Juca de Oliveira, Christiane Torlone, Ana Botafogo e dezenas de
outros artistas motivados, principalmente, pelos cenários que presenciaram
durante o trabalho que realizaram na região para a filmagem da minissérie
"Amazônia", produzida pela Rede Globo de Televisão. O manifesto dos artistas e
um belíssimo audiovisual podem ser vistos no site http://www.amazoniaparasempre.com.br . Fasano, que fez a
leitura do documento de fundação do Fórum Amazônia Sustentável, faz um alerta
sobre a necessidade urgente de parar com o desmatamento. "Vivemos em um país com
nome de árvore, Brasil, somos um povo da floresta", afirmou.
Para
continuar o trabalho de articulação, organização e mobilização, e para atingir
os objetivos do Fórum, a Comissão Executiva que organizou o evento de Belém foi
reconduzida ao cargo para mais um ano de mandato, e o Imazon – Instituto do
Homem e Meio Ambiente da Amazônia foi confirmado novamente como secretaria
executiva do novo Fórum.
A fundação do Fórum Amazônia
Sustentável
Para a cerimônia de fundação do Fórum Amazônia Sustentável
estiveram presentes a ministra do Meio Ambiente e a governadora do Pará, Ana
Julia Carepa. Ambas ouviram a palestra proferida pelo cientista Antonio Donato
Nobre, que deixou claro, com dados científicos coletados em anos de pesquisa,
que o ecossistema amazônico está entrando em colapso. "Temos em 2007 dados de
aquecimento que só deveriam acontecer em 2050", alertou. Sua apresentação
mostrou que o ecossistema da região é muito mais do que simplesmente floresta e
água, é um sistema de auto-regulação que bombeia a umidade sobre o oceano
Atlântico e a leva para o Sul/Sudeste do Brasil. A tese do cientista é de que a
floresta tropical emana substâncias que fazem chover e que as queimadas estão
prejudicando esta delicada relação.
Nobre alerta que o equilíbrio da
floresta é rompido pelas queimadas porque a Amazônia não é um ecossistema
acostumado ao fogo. E mostra, em mapas, que o Sudeste brasileiro só é fértil por
conta da água que a Amazônia manda para a região. "São Paulo, Paraná e Mato
Grosso do Sul estão na mesma latitude em que em outros continentes existem
desertos", explica, mostrando que na mesma latitude, na África, existe o deserto
de Kalahari e, o grande deserto australiano. Segundo Nobre, esta região
brasileira só não é desértica graças a uma combinação de umidade da Amazônia e
cordilheira dos Andes, que empurram as nuvens para irrigar a região mais rica e
produtiva do Brasil. E ele cita um número impressionante: se o homem tivesse de
gastar energia para evaporar as 20 bilhões de toneladas de água por dia, serviço
ambiental que a Amazônia faz de graça, seria necessária a energia de 50 mil
usinas de Itaipu. Para melhor compreender esta tese pode-se ler a entrevista que
Antonio Nobre concedeu ao jornalista Roberto Belmonte Villar, publicada
originalmente na Ecoagência, do Rio Grande do Sul (http://www.rvb.jor.br/nobre.htm ).
A ministra Marina
Silva disse, em sua fala durante o lançamento do Fórum, que é hora de se sair do
debate para o diálogo. Para ela, somente iniciativas que tenham o potencial de
juntar os diferentes podem ser transformadoras. A ministra lembrou os programas
de governo existentes para a região e disse que o Brasil deve fazer um grande
esforço para proteger a Amazônia. "As mudanças climáticas serão avassaladoras
para a Amazônia, mesmo que façamos nosso dever de casa", disse, lembrando que a
humanidade está vivendo a era dos limites, onde há coisa que devemos reconhecer
como insustentáveis, mesmo que gerem lucros no curto prazo. Marina Silva fez um
alerta importante sobre o ano de 2008. Ela lembrou que em anos eleitorais o
desmatamento historicamente cresce na região, "e a pressão será ainda mais forte
porque existe uma tendência de valorização das commodities que são produzidas na
Amazônia", afirmou.
Compromissos Assumidos
Os fundadores do Fórum
Amazônia Sustentável concordaram com oito linhas de ação que serão assumidas de
imediato e que deverão ter resultados para a próxima reunião geral, dentro de um
ano:
1.Mobilização da sociedade para o controle social do mercado e das
políticas públicas;
2.Fortalecimento do mercado de produtos e serviços
sustentáveis;
3.Construção de compromissos de boas práticas
produtivas;
4.Valorização do conhecimento tradicional e reconhecimento e
garantia dos direitos de povos indígenas, comunidades quilombolas e populações
tradicionais;
5.Estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico para a
sustentabilidade;
6.Demanda de ações do Estado para ordenamento, regulação,
fiscalização, monitoramento e proteção de direitos;
7.Proposição de Políticas
Públicas de fomento e apoio ao desenvolvimento sustentável; e
8.Fomento ao
diálogo entre as organizações e redes dos países amazônicos.
Os desafios
assumidos são grandes, mas são poderosas as forças mobilizadas para o Fórum
Amazônia Sustentável. (Envolverde)
Carta de Fundação do Fórum Amazônia
Sustentável: http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=39933&edt=4
Entidades
Fundadoras do Fórum Amazônia Sustentável: http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=39932&edt=4
Manifesto
dos Artistas: Amazônia Para Sempre: http://www.amazoniaparasempre.com.br
Informações para
adesão ao Fórum Amazônia Sustentável: http://www.imazon.org.br
(Agência Envolverde)