Anúncio de novo aumento no desmatamento provoca reações internacionais. Secretário-geral da ONU visitará floresta na semana que vem. Países europeus também manifestaram preocupação. Temor é que expansão dos biocombustíveis aumente degradação da Amazônia brasileira.
RIO DE JANEIRO
– Após receber por três anos os elogios da comunidade internacional aos esforços
perpetrados para conter a degradação da Amazônia, o governo brasileiro voltou a
ser alvo de pressões vindas do exterior. Desde que foi confirmado que o
desmatamento na região voltou a crescer de forma perigosa em 2007, a ONU, a
União Européia e diversos governos nacionais já manifestaram publicamente sua
preocupação. O temor internacional é que o início do cultivo em grande escala de
matéria-prima para a produção de biocombustíveis, como o biodiesel e o etanol,
venha a acelerar ainda mais o desmatamento da maior floresta do
planeta.
Com chegada ao Brasil, onde fará sua primeira visita oficial, o
secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, já sinalizou que seu principal ponto de
pauta junto ao governo brasileiro será a Amazônia e os riscos que a expansão dos
biocombustíveis pode trazer à floresta. A agenda do sul-coreano, que culminará
em um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclui uma visita a
uma usina de produção de etanol e um encontro em Manaus com cientistas e
lideranças indígenas que atuam na Amazônia brasileira.
"O objetivo da
visita a Manaus e à floresta, feita às vésperas da Conferência de Bali sobre
mudanças climáticas, é dar uma clara mensagem política ao mundo sobre a
importância da preservação da Amazônia", disse Ban Ki-moon em Buenos Aires, onde
iniciou esta semana seu périplo pela América do Sul e Antártida. Marcada para o
mês que vem, a conferência da ONU citada pelo secretário-geral pretende definir
quais serão os desdobramentos do Protocolo de Quioto após 2012, quando terminará
a primeira etapa do acordo.
A ONU tem dedicado nos últimos tempos
especial atenção à Amazônia. Em relatório apresentado no dia 25 de outubro, o
relator especial das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação, o sociólogo
suíço Jean Ziegler, cita a provável expansão dos cultivos de cana-de-açúcar e
plantas oleaginosas no Brasil - e a ameaça que ela traz à Amazônia - como um dos
principais motivos de seu polêmico pedido de moratória por cinco anos na
produção mundial de biocombustíveis.
Presidente do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês),
Rajendra Pachauri foi outro que, há poucos dias, se manifestou publicamente
sobre a Amazônia brasileira. O cientista indiano, que defende a criação de "um
tratado internacional para garantir a cobertura florestal do planeta", sabe o
quão complexa é a preservação da floresta: "Nos países emergentes, como o Brasil
ou a Índia, há muitas pessoas que sequer tem acesso à energia",
disse.
Europa preocupada
A União Européia também já manifestou sua
preocupação com a expansão do etanol no Brasil. Em visita ao país realizada no
mês passado, a comissária da UE para a Agricultura, Mariann Fischer Boel, deixou
um recado claro: "A União Européia não abrirá mão das garantias de que o etanol
brasileiro está sendo produzido a partir de fontes ambientalmente sustentáveis.
Sem essas garantias, o produto não entrará nos países da comunidade", disse a
dinamarquesa.
Junto com a pressão, os países da Europa acenam com
financiamentos a programas de preservação da Amazônia. Através de um banco
estatal, o Instituto de Crédito para a Reconstrução (KFW, na sigla em alemão), o
governo da Alemanha anunciou a doação de dez milhões de euros para o Programa
Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). O financiamento alemão, que depende somente
do aval do Congresso brasileiro para se concretizar, ainda poderá ter
contrapartida de igual valor vinda do Banco Mundial.
Outro país europeu a
anunciar ajuda ao Brasil é a Noruega, que prometeu investir dezessete milhões de
euros na proteção da floresta amazônica nos próximos três anos. O acordo entre
os governos dos dois países foi selado no fim de outubro em Oslo, quando a
ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva, se reuniu com o ministro
norueguês Erik Solheim.
Governo ajusta os ponteiros
Enquanto sofre as
pressões internacionais, o governo brasileiro ajusta os ponteiros internamente.
Após algumas declarações desencontradas de ministros acerca da possibilidade de
se cultivar cana-de-açúcar para a produção de etanol na Amazônia, o Palácio do
Planalto bateu o martelo dizendo que a região estará excluída do zoneamento
agrícola e econômico que vai definir quais regiões do país estão aptas a atender
à crescente demanda por biocombustíveis em geral.
Esse tema foi motivo de
forte divergência no governo depois que o ministro da Agricultura, Reinhold
Stephanes, afirmou no final de setembro que o zoneamento iria "permitir e até
incentivar" a chegada da cana na Amazônia: "Em Rondônia, por exemplo, existe uma
área devastada e que hoje é pastagem. Nada impede que se plante cana ali", disse
o ministro.
As declarações de Stephanes foram mal recebidas pela colega
Marina Silva: "Não interessa ao Brasil que o etanol produzido no país seja
identificado com práticas social ou ambientalmente incorretas", disse a ministra
do Meio Ambiente. A polêmica provocou uma reunião de emergência no Planalto, ao
final da qual a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, garantiu: "Não se
plantará cana na Amazônia nem serão abertas novas áreas de plantio no Cerrado",
disse.
(Envolverde/Agência Carta Maior)