A partir do início do ano, começou a valer uma nova legislação que barra a entrada no país de determinados tipos de detrito
Homem separa garrafas plásticas em uma vila nas cercanias de Pequim, em 2015. Mudança em lei chinesa pegou europeus despreparados.
Durante anos, a China foi o principal destino do mundo para o lixo reciclável, mas a proibição recente de certas importações deixou os países em busca de novos aterros para pilhas de lixo crescentes.
A decisão foi anunciada em julho e entrou em vigor em 1º de janeiro, dando às empresas da Europa aos Estados Unidos apenas seis meses para procurar outras opções e levando algumas a armazenar lixo em estacionamentos. Na China, algumas empresas de reciclagem tiveram que demitir funcionários ou fechar devido à perda de negócios.
A proibição impede as importações de 24 categorias de resíduos sólidos, incluindo certos tipos de plásticos, papel e têxteis. "Grandes quantidades de resíduos sujos ou mesmo perigosos são misturados nos resíduos sólidos que podem ser usados como matérias-primas. Isso poluiu o ambiente da China seriamente", explicou o Ministério do Meio Ambiente em um aviso à Organização Mundial do Comércio.
Somente em 2015, o gigante asiático comprou 49,6 milhões de toneladas de lixo, de acordo com dados do governo.
A União Europeia exporta metade dos seus plásticos coletados e separados, 85% deles para a China. A Irlanda sozinha exportou 95% de seus resíduos plásticos para a China em 2016.
Nesse mesmo ano, os EUA enviaram mais de 16 milhões de toneladas de commodities de sucata para a China no valor de mais de 5,2 bilhões de dólares.
Problema ambiental catastrófico
A proibição tem sido como um "terremoto" para países dependentes da China, disse Arnaud Brunet, chefe do Escritório Internacional de Reciclagem. "Isso colocou a nossa indústria sob estresse, uma vez que a China é simplesmente o maior mercado do mundo" para materiais reciclados, disse à AFP.
As exportações mundiais de plástico para a China podem cair de 7,4 milhões de toneladas em 2016 para 1,5 milhão de toneladas em 2018, enquanto as exportações de papel podem despencar em quase um quarto, de acordo com a estimativa de Brunet.
A diminuição será em parte devido a uma queda no limite de impurezas que a China está disposta a aceitar por tonelada de resíduos – padrões mais elevados que a maioria dos países atualmente não pode atender.
Alguns agora estão olhando para mercados emergentes em outros lugares, como a Índia, o Paquistão ou o sudeste da Ásia, mas isso pode ser mais caro do que mandar lixo para a China.
Trabalhadoras chinesas desmontam lixo eletrônico em Shantou, próxima a Guangdong, em 2014.
O envio de materiais recicláveis para a China é mais barato porque eles são colocados em navios que "de outra forma estariam vazios" ao retornar ao país asiático depois de entregar bens de consumo na Europa, disse Simon Ellin, diretor executivo da Associação de Reciclagem britânica.
Brunet também advertiu que muitos países alternativos ainda não têm a capacidade de ocupar o lugar da China, uma vez que "a capacidade de processamento não se desenvolve da noite para o dia".
Há o risco de que a proibição cause um problema ambiental "catastrófico", já que os acúmulos de resíduos recicláveis são incinerados ou despejados em aterros com outros resíduos.
Nos Estados Unidos, coletores de materiais recicláveis já estão reportando "estoques significativos", disse Adina Renee Adler, diretora sênior de relações internacionais no Instituto de Indústrias de Reciclagem de Sucata (ISRI). "Alguns municípios anunciaram que não aceitarão certos materiais ou os direcionarão para aterros", disse.
Brandon Wright, porta-voz da Associação Nacional de Resíduos e Reciclagem dos EUA, disse à AFP que algumas instalações estavam armazenando estoques do lado de fora ou em estacionamentos.
Difícil fazer negócios
A proibição também criou desafios para empresas chinesas dependentes de resíduos estrangeiros. "Será muito difícil fazer negócios", disse Zhang Jinglian, dono da empresa de reciclagem de plástico Huizhou Qinchun, na província de Guangdong.
Mais de metade dos seus plásticos eram importados, e à medida que os preços de tais matérias-primas subirem, a produção será reduzida em pelo menos um terço, disse. Ele já havia despedido uma dúzia de funcionários. Outros, como a Nantong Heju Plastic Recycling, na província costeira de Jiangsu, "deixarão de fazer negócios", disse um representante.
Homem dirige triciclo carregado de plástico em ponte de Xangai, em 2016. País pode começar produção de reciclados com matéria-prima local.
Mas, ao mesmo tempo, a proibição poderia levar a China a melhorar seus próprios sistemas de reciclagem, permitindo reutilizar mais materiais locais, disse o especialista em plásticos da Greenpeace Liu Hua.
"Atualmente não existe um sistema de reciclagem completo, legal e regulamentado", na China, onde até mesmo grandes cidades como Pequim dependem de catadores ilegais, afirmou. "Quando não há recursos provenientes do exterior, há uma maior probabilidade de melhorarmos nossa própria reciclagem interna".
Na Europa, a proibição também poderia ter o efeito positivo de estimular os países a se concentrarem no desenvolvimento de indústrias domésticas de reciclagem, afirmou Jean-Marc Boursier, presidente da Federação Europeia de Gerenciamento de Resíduos e Serviços Ambientais.
"A decisão chinesa nos obriga a nos perguntar se não estaríamos interessados em criar fábricas de processamento na Europa para exportar produtos em vez de resíduos", afirmou. Na terça-feira 23, a UE revelou planos de eliminar os plásticos descartáveis, como copos de café, e tornar recicláveis todas as embalagens de plástico até 2030.