Bombardeada intensamente por agrotóxicos, cidade — que nasceu de um latifúndio — é recordista em câncer de pâncreas e malformações congênitas. No Congresso, avançam projetos ainda mais permissivos a venenos agrícolas
O município paulista com a maior taxa de morte por câncer do pâncreas é Sandovalina, pequena cidade de pouco mais de 4 mil habitantes na região do Pontal do Paranapanema. É também o segundo maior índice de nascidos vivos com malformações congênitas, conforme dados do Ministério da Saúde de 2000 a 2013, e o motivo é bem conhecido pela população. São "os aviões que passam despejando veneno", contaminando as águas, pessoas e plantações – como relata Solange Cristina Ribeiro, da área de meio ambiente da CUT-SP.
Os agrotóxicos despejados nas lavouras por aviões de grandes fazendas de cana-de-açúcar e soja da região, carregados pelo vento, vão além dos limites das monoculturas. Daí a contaminação de plantações de mandioca e hortaliças, e a perda de safras dos produtores de seda pela contaminação das amoreiras, onde se alimentam as lagartas que se transformam em bicho-da-seda.
Sandovalina nasceu de um latifúndio, de propriedade do fazendeiro Antônio Sandoval Neto, em meados do século passado. O veneno que atinge a cidade é principalmente o glifosato – não recomendado para a cana-de-açúcar – e pode causar doenças tais como Alzheimer, anencefalia e outras malformações em recém-nascidos, cânceres de próstata, pulmão, mama, cérebro, pâncreas, depressão, doenças cardíacas, linfoma não-Hodgkin, doença de Parkinson etc.
Segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) a pulverização aérea de agrotóxicos, mesmo em condições meteorológicas ideais, faz com que uma quantidade considerável dos venenos pulverizados seja absorvida pelo solo e levada para áreas vizinhas pelos ventos, numa distância de até 32 quilômetros da área de aplicação.
Contra esse estado de coisas, que se repete em várias regiões do estado e do país, está em tramitação o PL 6670/2016, que institui a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos. Já a "PL do Veneno" (6299/2002) prevê mudanças nefastas na atual lei de agrotóxico (7.802/1989), tais como redução da necessidade de estudos de risco, facilitando a liberação de agrotóxicos atualmente proibidos.
Outras propostas do Legislativo que ameaçam a saúde pública são o PL 3200/2015, que pretende revogar a atual lei de agrotóxico propondo a alteração do nome de "Agrotóxico" para "Defensivos Fitossanitários", e a Lei 13.301/2016, que libera a pulverização aérea de veneno para controlar o mosquito Aedes Aegypti. Em Americana, também no interior de São Paulo, o PL 53/2017, do vereador Padre Sérgio (PT), quer proibir a pulverização aérea de agrotóxicos na cidade. Se aprovada, pautará o debate em outros estados e municípios que queiram barrar essa ameaça à saúde de suas populações.
http://outraspalavras.net/blog/2017/08/31/maldicao-em-sandovalina/
- Inês Castilho