Há muita falta de compreensão de conceitos técnicos na cobertura do aquecimento global.
Porto Alegre foi a sede do 2º Congresso
Brasileiro de Jornalismo Ambiental, realizado no complexo da reitoria da UFRGS,
entre os dias 10 e 12 de outubro, reuniu cerca de 300 profissionais de todas as
áreas da mídia, além de estudantes. Participaram representantes de vários
estados (SP, RJ, MS, MT, AL, PE, BA) e também da América Latina (Cuba, Panamá,
Equador, Uruguai, entre outros). Com o tema "Aquecimento Global: um desafio para
a mídia", o evento trouxe à capital gaúcha pesquisadores importantes, como o
metereologista José Marengo Orsini, do centro de Previsão de Tempo e Estudos
Climáticos, do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o primeiro
glaciólogo brasileiro, Jefferson Cárdia Simões (gaúcho), o documentarista inglês
Adrian Cowell, diretor da série de documentários "A Década da Destruição", o
professor Wilsen da Costa Bueno, da ECA/USP, Philip Martin Fearnside, há 30 anos
de Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. E inúmeros jornalistas
especializados da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental, enfim, foram mais de
10 conferências, outras tantas mesas e oficinas sobre assuntos tão diferentes
como "reflexões para a construção de uma teoria do jornalismo ambiental",
"impacto do aquecimento global nos biomas brasileiros, produção de vídeo
documentário ecológico, centro de excelência ambiental da
Petrobrás".
Convencendo peões
A abertura do documentarista
Adrian Cowell, há 50 anos reproduzindo imagens das florestas brasileiras,
conviveu com o ambientalista gaúcho, José Lutzenberger durante 10 anos, conheceu
Chico Mendes, fez as últimas imagens deles, antes do assassinato em 1988 (época
em que comemoravam a aprovação do primeiro projeto das reservas extrativistas de
seringueiras), deu o tom emocional do congresso. Imagens comentadas da batalha
dos seringueiros em Rondônia e no Acre, convencendo peões de fazendas a não
derrubar a mata. Chico Mendes comemorando a vitória do primeiro projeto e
dizendo que outros viriam – são 81 reservas extrativistas atualmente, e mais 108
pedidos de reconhecimento. Lutzemberger aparece na Br-364, liga o Centro-Oeste a
Rondônia, estava sendo asfaltada – ele e Chico Mendes eram contra, - discutindo
com um gerente do Incra. Argumenta que a distribuição de lotes de 30 hectares na
região era um projeto insustentável. Realmente não tinha como dar certo. Áreas
que foram revendidas ou incorporadas por fazendas maiores.
Cowell ainda
contou histórias do comportamento de Lutzenberger nas viagens pela Amazônia. Em
um certo trecho da estada, no meio da floresta, ele pediu para parar, precisa
urinar. Entrou no mato, voltou depois de alguns minutos. Aí pediu para que
esperassem outros 10 minutos. Voltou ao local e observou a reação dos insetos.
Centenas deles extraiam algo da urina. Lutzenberger comenta: eles têm
necessidade de sal, mineral escasso na floresta. Ele era assim, costumava
mostrar na prática o funcionamento dos sistemas naturais e o comportamento da
fauna e flora. Sem contar a coragem, porque em 1980, em plena ditadura era o
único a contestar o projeto dos militares de desenvolvimento na Amazônia, com
amplos incentivos fiscais a pecuária de corte e a agricultura. O documentarista
também anunciou a doação para a Universidade Católica de Goiás do acervo de 50
anos de trabalho em 16 toneladas de
negativos.
Catastrofismo
Ele se considera um otimista,
acredita que a pior fase do desmatamento acabou e que na próxima etapa do
Protocolo de Kyoto, em 2012, os países poderão aprovar o financiamento de áreas
de floresta intocada, coisa que não aprovaram no documento atual. Os
especialistas em clima Marengo e Cardia acostumados ao debate público, fontes de
jornalistas do país e do exterior, fizeram uma análise crítica da cobertura dos
veículos nacionais, jornais diários e revistas, mais a televisão. Falaram muito
do catastrofismo, manchetes do apocalipse imediato – caso da Veja e da Época -,
dos ursos polares muito usado, imagens que, segundo eles, estão distante da
realidade. No caso da Antártica, continente com 14 milhões de km2, mesmo a
hipótese de descongelamento ocorreria em centenas ou milhares de anos. Existe
exagero na cobertura e muita falta de compreensão de definições, conceitos
técnicos, informações contraditórias, entre aquecimento global, mudanças
climáticas e camada de ozônio. Ressaltaram a cópia de informações das agências
internacionais, e da falta de debate sobre o efeito do desmatamento no Brasil,
que coloca o país como um dos maiores poluidores do mundo. Ou seja, falta
esclarecer mais a situação do Brasil, de regiões como a Amazônia e o nordeste –
caso do semi-árido, poderá virar um deserto -, de figuras nacionais na discussão
sobre as mudanças climáticas. Embora os dois concordem que o catastrofismo leva
ao debate da sociedade, e o esquecimento pode reforçar a teoria, bancada por
grupos americanos, como o Instituto Ibero Americano (financiado pela Exxem
Móbil), que pratica uma política de contra-informação, rebatendo as pesquisas do
IPCC – Painel intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas, e até mesmo a
técnica de avaliação de informações sobre o gelo da Antártica – coletada em
tubos, que conservam as condições atmosféricas de milhares de
anos.
Trabalhamos com idéias
O aquecimento global é um tema
político e deve ser tratado por todos os representantes das sociedades nacionais
e mundiais, não apenas por especialistas. Informação que precisa ser cotidiana,
estar na páginas de todos os jornais e revistas e não apenas em seções ou
editoriais específicas, como a de ciências, conforme ressaltou o jornalista
Eduardo Geraque, da Folha de São Paulo (da editoria de ciências). A cobertura
tem que ser sistêmica, envolver todos os ângulos da questão e mostrar as
conseqüências no cotidiano das pessoas, das cidades, e por aí vai.
Os
jornalistas Adalberto Marcondes, da Revista Eletrônica Envolverde (dois milhões
de acessos por mês), e Vilmar Sidnei Berna, editor do Jornal e Revista do Meio
Ambiente, juntamente com o jornalista João Batista Santafé Aguiar, editor da
Ecoagência de Notícias iniciativa do Núcleo de Eco Jornalistas gaúchos (funciona
há 17 anos, e responsável pela organização do congresso) dissecaram os problemas
e dificuldades de manutenção da imprensa verde. Como disse Vilmar Berna
"trabalhamos com idéias", talvez por isso, não tenham a retribuição financeira
do mercado, Marcondes disse que não reconhece as agências de publicidade como
intermediárias desse panorama. Quem decide o que os cidadão precisam saber para
avaliar os problemas ambientais do mundo? Foi um pega e tanto. Mesmo assim, o
fato de reunir centenas de profissionais preocupados com a questão ambiental do
planeta já revela uma organização consistente e histórica, que tem avançado nas
coberturas e influenciado o restante da mídia. Interessante notar a participação
feminina no evento, muito maior do que a masculina.
*Najar Tubino é
jornalista, autor da palestra "Uma visão Holística e atual sobre a integração do
planeta", que trata das mudanças climáticas, aquecimento global, extinção de
espécies, o funcionamento dos sistemas que compõem e movimentam a vida na Terra,
com data-show, ilustrada com imagens de satélite da Nasa. Pode ser agendada pelo
telefone: (51) 9672-0363, e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Crédito
de imagem: Gino Santa Maria
(Envolverde/Ecoagência)