Outro dia, a ministra Marina Silva referiu-se a um "ambientalismo romântico", que deveria ser superado. Creio que esse deveria ser o primeiro item de uma nova agenda ambientalista: rediscutir sua estratégia, seus objetivos e seus métodos.
Está lá no Estadão dessa segunda-feira
(8), com fotografia e tudo, a notícia que eu só esperava ver numa edição de
primeiro de abril: "Melancia quadrada faz sucesso na Europa". Além de fácil de
transportar e guardar na geladeira, a tal melancia não tem sementes. A
quadratura é conseguida à força. Assim que nasce, enfiam a coitada dentro de uma
caixa. Já a eliminação das sementes não é explicada. A reportagem diz apenas que
o método foi importado há dois anos da Coréia do Sul. Deve ser engenharia
genética; uma melancia transgênica.
Estou esperando as reações. Algum
procurador do meio ambiente, em parceria com alguma ONG ambientalista,
certamente vai entrar na justiça com pedido de liminar, exigindo a suspensão
imediata do plantio da melancia quadrada, se não forem realizadas antes as
audiências públicas e os estudos prévios de biossegurança.
Foi assim que
quatro ONGs conseguiram suspender a licença dada pela Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança, a CTNbio, para o plantio do milho transgênico Liberty Link, da
Bayer. A liminar também proíbe a CTNbio de analisar qualquer outro pedido de
liberação de milho transgênico, enquanto não criar normas de monitoramento para
cada produto. Há seis variedades de milho, três de algodão e uma de arroz na
fila dos pedidos. Essa do Liberty já espera há nove anos.
Enquanto nós
demonizamos os transgênicos e por tabela desqualificamos os cientistas que
emitem os pareceres técnico-científicos da CTNBio, vai se expandindo em todo o
mundo o plantio das variedades geneticamente modificadas. A transgenia, diz o
importante geneticista Francisco Salzano, em entrevista à revista Pesquisa, da
Fapesp, é apenas mais uma técnica de melhoria das variedades importantes na
alimentação humana e animal, entre tantas que o homem vem inventando desde que
surgiu a agricultura. É mais sofisticada do que as anteriores e muito menos
perigosa, por exemplo, do que a hibridação, diz ele.
As primeiras
culturas de grãos aproveitáveis na alimentação humana, o trigo, a cevada e a
ervilhas, foram domesticadas no Oriente Médio há onze mil anos a partir de
variedades silvestres. Salzano pega pesado em alguns grupos opositores da
transgenia e do uso de células-tronco. Acusa-os de não apenas ignorarem a
ciência, também de hostilizá-la.
Vai ver que a melancia quadrada nem
passou pela CTNbio. Entrei no site da Prefeitura de Icapuí, bonitinho, bem
organizado, revelando uma Prefeitura moderna e dotada de uma Secretaria de Meio
Ambiente ativíssima. Mas na lista de suas ações nada encontrei sobre a tal
melancia quadrada, certamente um orgulho do município. Afinal, diz a reportagem
do Estadão, de Icapuí já são exportadas 12 mil melancias quadradas por ano. Na
janela de busca coloquei a expressão melancia quadrada e também não recebi
nenhuma resposta.
Além de demonizar o transgênicos, também conseguimos
demonizar as hidroelétricas, que no meu tempo de imprensa alternativa e crise do
petróleo eram consideradas a forma mais limpa e ecologicamente interessante de
gerar energia. E as estradas que deviam ligar o Brasil ao Pacífico e integrar
fisicamente a América do Sul? Um ambientalista, depois de admitir a contragosto
na semana passada, no Estadão, que os projetos eram ecologicamente corretos,
advertiu em tom dramático que, se forem construídas, em 40 anos a floresta vai
desaparecer. Qual é então a solução se nem os projetos ecologicamente corretos
podem ser realizados? Não construir as estradas, vitais para o acesso das
populações pobres aos recursos da modernidade e até mesmo para o policiamento
eficaz do meio ambiente? Não integrar a América do Sul?
Vejo também
problemas nos métodos de mobilização do movimento ambientalista. Muito
quebra-quebra de audiências públicas; muita obstrução e poucos argumentos. A
oposição dos ambientalistas ao projeto do rio São Francisco, usando como
argumento as ações predatórias do passado, é um atestado da fragilidade da atual
razão argumentativa do movimento ambientalista.
Bandeiras que combatem
projetos localizados são eficazes, fáceis de serem propagadas e necessárias,
cada uma delas isoladamente, em alguma medida. Também são necessárias para que
haja no Brasil um movimento forte contra-hegemônico, capaz de refrear a ganância
de alguns grandes grupos econômico e pressionar nossos legisladores e nossos
executivos.
Mas, no seu conjunto, nas prioridades escolhidas e no seu
método, não são bandeiras suficientemente responsáveis e maduras num país que
luta pelo desenvolvimento sustentável, que tem um governo democrático e agências
reguladores e de controle ambiental legalmente constituídas.
Outro dia, a
ministra Marina Silva referiu-se a um "ambientalismo romântico", que deveria ser
superado. Creio que esse deveria ser o primeiro item de uma nova agenda
ambientalista: rediscutir sua estratégia, seus objetivos e seus
métodos.
* Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de
São Paulo, é colaborador da Carta Maior e autor, entre outros, de "A síndrome da
antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro" (1996) e "As Cartas Ácidas da
campanha de Lula de 1998" (2000).
(Envolverde/Agência Carta
Maior)