Toronto, 09/10/2007 – O efeito da mudança climática já atingiu algumas das regiões setentrionais mais frias do planeta, convertendo suas paisagens geladas em uma espécie de papa por causa de elevações na temperatura de até 15 graus centígrados acima do habitual. Encostas de montanhas, às vezes mais de um quilômetros de extensão, desceram neste verão boreal com uma grande almofada verde para vales e rios na ilha Melville, na região noroeste do Ártico canadense, disse Scott Lamoureux, da Universidade de Queens e líder de um projeto do Ano Polar Internacional. "A paisagem em seu conjunto está mudando. É muito difícil encontrar alguma encosta que não tenha sido alterada", acrescentou.
Lamoureux dirigiu uma expedição científica à
remota e desabitada ilha Melville, cuja topografia e ecologia foram rapidamente
modificadas devido ao aquecimento da Terra. "Cada dia tem um aspecto diferente.
É um processo de mudanças permanentes", disse à IPS. Normalmente, os 42.500
quilômetros quadrados da ilha estão durante todo o ano rodeados por uma camada
de gelo formada pela água do mar congelada, chamada banquisa. Melville é parte
da região que até agora tinha sido pouco afetada pela acentuada redução do gelo
marinho da década passada.
Porém, neste verão a parte austral da ilha
esteve livre de banquisa, acrescentou o cientista, que liderou expedições a essa
região anualmente desde 2003. Na baía Mould, noroeste da ilha, sua equipe de
pesquisadores registrou em julho temperaturas recordes entre 15 e 22 graus
centígrados. O calor derreteu o permafrost, a camada permanente congelada no
nível superficial do solo, até uma profundidade superior a um metro, onde o que
se encontra majoritariamente é gelo. Quando este se dissolve, afeta a delgada
camada superior de solo e plantas que se formou ao longo de milênios. Além
disso, uma enorme quantidade de água e sedimentos correm para rios, lagos e
oceanos.
Estão sendo feitos estudos para determinar o impacto em aves,
peixes, almíscares e outras espécies que vivem ali no verão. Devido à magnitude
das mudanças, há poucas dúvidas de que as conseqüências serão significativas,
disse Lamoureux. A redução recorde do gelo marinho em todo o oceano Ártico
também modificará os padrões climáticos na região e inclusive em outras partes
do mundo. As nevadas serão mais fortes devido ao aumento da umidade provocada
por uma superfície mais ampla de águas abertas. Por outro lado, essa água
marinha é escura e absorve calor, ao contrário do gelo, que reflete os raios
solares. Assim, a região ficará mais quente, mais gelo derreterá e assim se
realimentará todo o processo.
Outras áreas do Ártico experimentaram
acentuadas mudanças nos últimos 50 anos. "Agora há árvores e jardins em Nome, no
Alasca", disse Patricia Cochran, presidente da Conferência Circumpolar Inuit, a
etnia aborígine da zona ártica. "Jamais imaginei que veria crescer árvores na
tundra", acrescentou. Sua cidade natal, sobre o mar de Bering, anos atrás era
muito fria para permitir seu crescimento. "Os castores invadiram a área porque
agora há comida para eles. Inclusive podem ser encontrados em Barrow, ao norte
do Circulo Polar", disse Cochran à IPS desde seu escritório em Anchorage, no
Alasca.
A tundra, nome que deriva do vocábulo lapão "tunturi", que
significa "planície desprovida de árvores", também está derretendo. Por esta
razão, ataúdes sobem à superfície nos cemitérios, as estradas apresentam
rachaduras e aparecem grandes afundamentos de terreno em todas as partes, até
mesmo nas cidades, disse Cochran. A cada verão surgem plantas, animais, aves e
insetos que ninguém via antes. Libélulas e tartarugas se fizeram donas de áreas
que durante dezenas de milhares de anos foram extremamente geladas para elas.
"Todos os que vivem aqui notam as mudanças", acrescentou.
Espera-se que
haja mais, mesmo se políticos e empresas deixarem de simular e realmente fazerem
algo para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, que, segundo
os cientistas, são os principais responsáveis pelo aquecimento do planeta. "O
oceano ártico estará livre de gelo durante o verão. Só resta esperar a rapidez
com que isso ocorrerá", disse Andrew Weaver, especialista em clima da Escola das
Ciências da Terra e do Oceano, da Universidade de Victoria, no Canadá. A
Administração Nacional de Aeronáutica e do Espaço (Nasa) concluiu este mês que a
cobertura permanente de gelo marinho do mar Ártico diminuiu 2,6 milhões de
quilômetros quadrados desde que se começou a usar satélite para medi-la, em
1979.
"É uma redução surpreendente", disse Weaver à IPS. Também terá
caráter permanente. Embora o gelo volte a se formar durante os seis meses de
inverno nos quais há luz solar, será mais fino e derreterá mais rapidamente no
verão, acrescentou. O gelo marinho do Ártico é uma massa flutuante, por isso seu
derretimento não afetara o nível do oceano, mas "provocará um desastre no
ecossistema", alertou o especialista. Novas pesquisas mostram que as mudanças
poderão ocorrer de maneira abrupta. Os piores cenários previstos podem estar a
caminho de se concretizar neste momento, disse Weaver.
Segundo Lamoureux,
algum dia será possível começar a explorar gás e petróleo na ilha Melville, que
conta com abundantes reservas, se durante o verão houver um caminho livre de
gelo. O uso destes combustíveis fósseis é a principal razão que determina o
desaparecimento do gelo no Ártico. Cientistas e as comunidades aborígines
destacam que será irônico as emissões de gases causadores do efeito estufa
permitirem extraí-los em maior quantidade, realimentando e agravando os
problemas causados pelo aquecimento global.
(Envolverde/ IPS)