Alto Tietê, que também abastece região metropolitana. Foto: Reprodução/Tijolaço
O Brasil, reconhecidamente, é um país de imensas reservas hídricas, detentor de 12% da água doce do Planeta e, certamente, seríamos um país sem problemas neste setor, mas, infelizmente, as reservas não são distribuídas uniformemente em nosso território e tampouco seu uso é planejado e gerenciado de forma adequada.
O ano de 2014 ficará marcado, na gestão hídrica, não por qualquer grande avanço, mas por nos ter apresentado uma nova realidade: a escassez hídrica na região mais desenvolvida do país. Apregoada por tantos estudiosos do tema, finalmente ela chegou às duas maiores regiões metropolitanas brasileiras, originada na maior estiagem já observada na Bacia do Rio Paraíba do Sul, a crise da água, agora, passou a fazer parte do nosso cotidiano e as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo descobriram-se interdependentes deste rio.
Além destas áreas metropolitanas, outras cidades da região Sudeste também foram impactadas pela escassez, resultando numa crise inédita que, entretanto, foi pontuada mais pelo embate político do que pelas propostas concretas para evitar sua repetição futura.
Descontando o mau humor do clima e seus efeitos hidrológicos críticos, parte dessa crise poderia ter sido amenizada caso fossem consideradas as estratégias apontadas pelos gestores e a construção de uma agenda objetivando a intervenção positiva no ciclo hidrológico para atenuar os efeitos climáticos.
Embora inúmeros alertas tenham sido emitidos, ainda são discretas as ações significativas, concretas, em grande escala e permanentes para esclarecer a população sobre a necessidade do uso racional da água e o mais grave: crescemos iludidos por uma cultura perdulária fundamentada na ideia da abundância hídrica.
Significa dizer que a atual crise pode ser vitrine anunciadora de situações futuras, podendo se repetir, ainda que relacionada somente às incertezas climáticas.
Um outro obstáculo identificado neste cenário é a ausência do tema água no cotidiano do cidadão comum, da classe política e em muitos programas governamentais. Exceção feita às situações críticas como as vivenciadas atualmente pelo Rio de Janeiro e São Paulo, e, mesmo assim, por conta da perspectiva de racionamento.
Até hoje fomos inábeis para demonstrar ao cidadão comum a importância da gestão hídrica. Pouco é conhecido sobre os avanços e conquistas desse sistema, por exemplo, com relação à importância da participação nos Comitês de Bacia, corresponsáveis pelas decisões na gestão hídrica e onde as decisões podem ser compartilhadas. Portanto, atrair a sociedade civil para essa discussão é um desafio a ser enfrentado.
Por outro lado, jamais houve, por parte dos nossos governantes em geral, um compromisso sério e duradouro para com o tema da água (e por que não incluir a questão ambiental também?), e vem de muito tempo, das favelas cariocas ao Semiárido nordestino, a estratégia de abordar a “gestão hídrica” atenuando as situações críticas com ações pontuais e demagógicas, tais como a inauguração de uma bica d’água ou um chafariz.
Diante destes fatos, é pouco provável que os recursos hídricos sejam protagonistas ou ganhem destaque nas campanhas eleitorais que ora se iniciam. No entanto, diversas regiões brasileiras apresentam ou irão apresentar dificuldades relacionadas à disponibilidade de água, quer devido à quantidade ou à qualidade.
Apesar de contarmos com planos de recursos hídricos em diferentes escalas, do Plano Nacional de Recursos Hídricos aos inúmeros Planos Regionais de Bacia Hidrográfica, instrumentos orientadores da gestão das águas e construídos a partir de um amplo processo de discussão com a sociedade, a realidade dos recursos hídricos é outra e aquém das ações preconizadas por esses documentos.
Ainda que se possa avaliar que parte destes planos é de difícil implementação, a maioria estabelece ações orientadoras factíveis. No entanto, mesmo considerando o Estado do Rio de Janeiro, onde há a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, os recursos arrecadados pela cobrança são reduzidos para realizar as ações necessárias, notadamente quando se fala em saneamento ambiental.
Assim, é nossa obrigação, mais uma vez, tentar clamar aos nossos futuros governantes a necessidade de incluir em seus programas de governo a gestão hídrica como ferramenta essencial para o desenvolvimento social e econômico do Estado do Rio e dos outros Estados do Brasil.
Por fim, não nos basta permanecer apenas na pergunta, como no clássico samba enredo da escola de samba do Rio de Janeiro, União da Ilha do Governador (1978), que indaga: “Como será o amanhã? Responda quem puder…”! Conhecemos muitas das respostas e devemos aprender com a atual crise, incluindo a gestão dos recursos hídricos no cotidiano da sociedade e na agenda política, de modo que não seja mais ignorada ou postergada.
* Decio Tubbs Filho é professor do Departamento de Geociências da UFRural RJ e Diretor-Geral do Comitê Guandu.
** Publicado originalmente no site Eco21.