Este texto foi extraído da revista trimestral do Ibase "Democarcia Viva", número 36, especial sobre aquecimento global e agrocombustíveis, que circula a partir da próxima quarta-feira (26).
O
país tem imenso potencial para contribuir positivamente e reduzir as emissões de
gases de efeito estufa. O primeiro desafio é o fim do desmatamento (é preciso
que o governo adote postura corajosa que elimine os desmatamentos e as queimadas
na região amazônica, fundamental para a redução das vulnerabilidades do Brasil
às mudanças climáticas, bem como para a conservação da biodiversidade). Com
relação ao desmatamento, prioridade número um para a mitigação de nossas
emissões, é fundamental trazer governança para a região amazônica e encontrar
uma maneira de remunerar a floresta em pé pelo seu serviço ambiental como área
megadiversa e como regulador climático. Tal remuneração deve desestimular o
avanço da fronteira agrícola, da pecuária e da exploração madeireira
ilegal.
O segundo desafio tem a ver com nossa matriz energética. É
fundamental garantir aumento significativo em nossa eficiência energética, assim
como redução na intensidade energética per capita em comparação com os índices
de países industrializados. Porém, para que todo esse potencial seja
racionalmente aproveitado, deve-se fortalecer o papel regulamentador e indutor
do Estado com relação aos objetivos e às responsabilidades do país perante a
comunidade internacional.
Adotar uma política nacional de mudanças
climáticas significa considerar todos os princípios e compromissos assumidos
pelo Brasil no regime internacional, especialmente aqueles delineados no artigo
4.1 da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).
Significa, também, definir os marcos gerais que permitam o envolvimento das
várias esferas de governo e, portanto, que estimulem todas as unidades da
federação a desenvolver programas e iniciativas compatíveis com os objetivos do
regime, tendo em vista a Constituição Federal e os princípios do direito
internacional.
Além disso, deve-se considerar, em todas as esferas de
governo, a vulnerabilidade social, econômica e ambiental das populações, bem
como as peculiaridades regionais e setoriais, além das diferenças existentes com
relação à intensidade do consumo de bens e serviços entre os diversos segmentos
sociais, no sentido de estabelecer e definir claramente as responsabilidades de
cada ator nesse processo.
O país precisa regulamentar as ações referentes
ao clima, integrando ações que, hoje, vêm sendo implementadas por instituições
de pesquisa, universidades e sociedade civil. O assunto não pode virar
prioridade apenas durante os desastres. O governo federal deve coordenar a
elaboração de um mapa de vulnerabilidade e riscos com base nas mudanças
climáticas, além de um plano nacional de adaptação e um plano nacional de
mitigação, com ações estratégicas nos campos da agricultura e da saúde
pública.
A inércia do governo brasileiro para adotar, em regime de
urgência, uma política nacional de mudanças climáticas deixa claro conveniente
falta de visão estratégica do governo Lula diante das evidências inequívocas do
aquecimento global. O Brasil, outrora protagonista das negociações multilaterais
na Convenção do Clima, assume, atualmente, postura reativa, equivocada e
perigosa ao desconsiderar a importância da questão climática em sua agenda,
anunciando uma política para 2009, ano em que as negociações do período
pós-Kyoto estarão consolidadas.
O Greenpeace questiona a posição
brasileira, cujas decisões têm inviabilizado o crescimento sustentável, seguro e
limpo do país, tanto pela falta de desenvolvimento de um mercado efetivo para
energias limpas e renováveis e de projetos de eficiência energética, como pela
retomada do programa nuclear brasileiro justificado, oportunisticamente, por não
contribuir com o aquecimento global.
Poderíamos justificar a necessidade,
a urgência e a importância de uma política nacional de clima sob várias
perspectivas, entre elas, do ponto de vista legal, uma vez que o Brasil,
signatário da convenção, comprometeu-se formalmente a estabilizar as
concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, de forma que impeça
interferência antrópica perigosa no sistema climático (art. 2°), e, ainda, a
formular, implementar, publicar e atualizar, regularmente, programas nacionais –
e, conforme o caso, regionais – que incluam medidas para mitigar a mudança do
clima, enfrentando as emissões antrópicas por fontes e remoções antrópicas por
sumidouros de todos os gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de
Montreal, bem como medidas para permitir adaptação adequada à mudança do clima
(art. 4.1, b). Ao estabelecer compromissos para todos os países, a convenção
oferece uma variedade de medidas e de campos de políticas públicas que deveriam
considerar os desafios do aquecimento global para que a sociedade brasileira, as
empresas e o poder público possam, no respectivo campo de suas atribuições,
contribuir para que o objetivo mundial da convenção seja atingido.
*
Marcelo Furtado é engenheiro químico com especialização em administração,
diretor de Campanhas do Greenpeace no Brasil e coordenador das atividades
brasileiras da organização nas áreas de clima e energia, transgênicos e
florestas
** Luis Henrique Piva é economista e bacharel em Direito,
especialista em Direito Ambiental e Agrário, mestrando em Ciência Ambiental e
coordenador da Campanha de Clima do Greepeace Brasil
Este texto foi
extraído da revista trimestral do Ibase Democarcia Viva, número 36, especial
sobre aquecimento global e agrocombustíveis, que circula a partir da próxima
quarta-feira (26). Interessados podem solicitar uma cópia sem custos pelo
e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
(Envolverde/Ibase)