Foto: http://www.shutterstock.com
Análise da posição de países e coalizões sobre o acordo climático global de 2015 atualmente em negociação nas conferências das Nações Unidas.
Ao longo dos últimos meses, países e coalizões compartilharam suas expectativas sobre os resultados das negociações para alcançar um novo acordo climático das Nações Unidas até 2015, que deve ser adotado em Paris. Estas submissões escritas tem um papel especialmente particular no processo de negociações devido à ausência de uma sessão adicional de discussões entre o encontro realizado em junho e a Conferencia de Varsóvia, em novembro. Neste contexto, as submissões oferecem um bom panorama dos rachas que podem ser esperados entre os posicionamentos dos países na próxima conferência.
A data da submissão dos compromissos nacionais, o papel da revisão dos compromissos internacionais, o grau de diferenciação entre os países e o nível das obrigações incluídas no acordo de 2015 são talvez os quatro pontos de desentendimento mais importantes, indicando que as discussões serão difíceis até chegar em Paris.
Parte 1: Países em desenvolvimento
Os caminhos do BASIC até o acordo de 2015
As submissões de Brasil, Índia e África do Sul fornecem talvez as lições mais interessantes desta analises, já que enfatizam três conjuntos de prioridades dentre os membros do BASIC – incluindo algumas divergências marcantes de pontos de vista (até 22 de outubro, a China não havia apresentado submissão escrita).
Índia: obrigações e conformidade diferenciadas
Relembrando a sua posição anterior sobre a questão, a Índia enfatizou a sua forte expectativa que as negociações respeitem a estrutura atual da convenção e seus anexos. Portanto, os países devem continuar divididos em duas categorias com base nos anexos à convenção. O país alerta que qualquer tentativa de categorizar os países de forma diferente do que foi feito em 1992 seria uma violação das negociações.
A submissão indiana também ressalta que o processo para o acordo climático de 2015 deve lidar com todos os quatro pilares da convenção (mitigação, mas também adaptação, e apoio financeiro e tecnológico), além da capacitação.
Em termos de conformidade, a Índia solicita um mecanismo baseado no Protocolo de Quioto que garantiria o respeito pelos países do Anexo I às suas obrigações, sendo que elas seriam baseadas na ciência. Para países não incluídos no Anexo I (em desenvolvimento e emergentes), a sugestão é apenas para incentivar positivamente a melhoria da conformidade.
Brasil: reavaliando a responsabilidade histórica e lançando debates nacionais
O Brasil também argumenta pela diferenciação baseada nos anexos da convenção, indicando uma distinção legal entre os compromissos de ambos os grupos. Segundo o país, a forma do novo acordo deve garantir: ambição, efetividade, equidade e flexibilidade. A submissão tem duas propostas principais.
Primeiramente, o país sugere que as emissões históricas cumulativas devem ter um papel importante na definição das responsabilidades de mitigação. O Brasil defende que as emissões desde 1850 devem ser consideradas na avaliação e pede pela adoção de um processo de curto prazo que deve incluir o IPCC. O processo permitiria que os países apresentassem avaliações simplificadas das suas emissões históricas durante o encontro climático da ONU organizado por Ban Ki-moon em setembro de 2014.
Um segundo passo seria a organização de debates nacionais – iniciando após a conferência de Varsóvia – para discutir domesticamente os compromissos de cada país no acordo de 2015. O país argumenta que apenas tais debates nacionais podem dar força aos governos para se comprometer em Paris.
África do Sul: um protocolo legalmente compulsório para todos
A posição articulada pela África do Sul no seu documento de setembro é bem diferente dos aliados do BASIC. O país é bem explicito em relação a sua ambição de ver como resultado das atuais negociações a adoção do novo protocolo (uma opção que a Índia tem se oposto veementemente) e sobre a necessidade de que todas as partes aceitem compromissos compulsórios. Estas obrigações incluiriam metas de corte nas emissões para toda a economia nos países industrializados e reduções relativas para as nações em desenvolvimento. Estes compromissos seriam registrados no novo acordo com base em períodos sucessivos e acompanhados de mecanismos de conformidade (portanto, seguindo uma abordagem similar ao Protocolo de Quioto).
A África do Sul também propõe um processo passo a passo de definição de metas para cada país. No próximo ano, as nações fariam propostas iniciais, seguidas por metas quantificadas em 2015.
A conferência de Paris revisaria estas metas e indicaria ajustes baseados em uma Estrutura de Referência em Equidade e nos resultados da revisão realizada em 2013-2015 da meta global.
As metas atualizadas seriam então subscritas no acordo climático em 2017.
Grupo africano: um resultado equilibrado baseado no principio da convenção
A proposta sul africana também diverge de vários elementos da submissão do Grupo africano. Esse documento constitui um misto de propostas top-down e botton-up (de cima para baixo e de baixo para cima, respectivamente).
O grupo defende a adoção de novas metas globais, não apenas para a limitação do aumento nas temperaturas, mas também para o corte nas emissões, adaptação e apoio financiamento e tecnológico. Eles solicitam uma revisão da adequabilidade dos compromissos nacionais de todos os países com base em uma estrutura de referência que incluiria elementos científicos e de equidade (como os princípios da convenção relacionados a responsabilidade histórica, capacidade e necessidade de desenvolvimento).
Porém, o grupo sugere apenas um mecanismo de conformidade facilitador para os países industrializados (ou, aqueles contidos no Anexo I), se referindo aos elementos fracos do Plano de Ação de Bali ao invés de ferramentas mais robustas e focadas na execução fornecidas pelo Protocolo de Quioto. O grupo também sugere que consultas nacionais, definindo os compromissos de cada país, começariam apenas no inverno de 2014, com a revisão científica e baseada na equidade iniciando após 2015.
Grupo de países em desenvolvimento com pensamento alinhado (LMDCs, em inglês): reafirmando os princípios da convenção e o papel dos anexos de 1992
Avançando a partir de submissões anteriores, este grupo (composto por Bolívia, China, Cuba, Equador, Egito, Índia, Mali, Malásia, Nicarágua, Filipinas, Arábia Saudita, Tailândia e Venezuela) enfatiza principalmente a sua oposição a qualquer desvio da atual diferenciação de países (Anexo I e não Anexo I), reafirmando seus compromissos com o respeito aos princípios da convenção. Os LMDCs sugerem que apenas tal abordagem pode chegar a uma situação em que todos ganham, garantindo benefícios às pessoas, clima e desenvolvimento.
Em relação aos compromissos de mitigação, a submissão pede pela adoção de metas abrangendo toda a economia para os países do Anexo I – objetivando minimizar os impactos adversos de tais políticas sobre outras nações. Os países que não estão no Anexo I participariam através da implementação das Ações Nacionais de Mitigação Apropriada (NAMAs) com o apoio de países do Anexo 2.
Os LMDCs também enfatizam a importância do equilíbrio entre os fluxos de trabalho (curto prazo e ambição pós 2020) e os diferentes elementos dentro de cada uma destas discussões, ressaltando a obrigação dos países industrializados (Anexo 2) de apoia-los financeira e tecnologicamente (incluindo através da remoção de barreiras à Propriedade Intelectual).
Países Menos Desenvolvidos: um resultado ambicioso lidando com a ausência de conformidade
A submissão deste grupo (veja a lista do 48 países) contem vários elementos interessantes.
Primeiramente, é a única coalizão que se refere a importância de melhorar a ambição da meta global, limitando o aumento da temperatura a 1,5º C. Os menos desenvolvidos pedem pela adoção de um protocolo compulsório garantindo o respeito a regras básicas que seriam acordadas coletivamente e com base na ciência mais recente. A coalizão forneceu a única submissão que se refere à vulnerabilidade do regime global a um país que resolva agir por conta própria. Assim, o documento pede pela elaboração de regras, incluindo a relação com países que não façam parte do acordo (um assunto que atualmente é um tabu nas negociações).
Em relação aos compromissos de mitigação, eles sugerem flexibilidade para os países em desenvolvimento, permitindo a consideração das circunstâncias nacionais.
Parte 1: Países industrializados
Essa é a segunda parte de uma análise da posição de países e coalizões sobre o acordo climático global de 2015 atualmente em negociação nas conferências climáticas da ONU. As análises abaixo são baseadas em observações fornecidas por países anteriormente à conferência climática de Varsóvia.
Essa segunda seção fornece análises curtas das posições dos países industrializados.
EUA: uma “corrida ao topo” sem meta
A posição dos Estados Unidos baseia-se na proposta de uma “corrida ao topo” fundamentada em promessas determinadas nacionalmente e na esperança de que as ações ambiciosas de alguns vão estimular outros. O texto reconhece que essa abordagem não fornece garantias de chegar ao nível de comprometimento exigido para atingir o objetivo comum, mas sugere que a pressão em última análise irá incentivar as partes a fazê-lo.
O país pede que as negociações em curso cheguem a um acordo conciso em 2015, com alguns detalhes sobre as regras que permitam uma análise transparente das ações nacionais e uma mistura entre compromissos obrigatórios e aspiracionais. Compromissos de mitigação seriam registrados em um cronograma separado, depois de uma fase consultiva a começar em março de 2015. O documento lista a informação que deveria ser fornecida pelas partes a fim de permitir que os países comparem seus esforços.
Finalmente, em relação ao papel do financiamento no cenário pós-2020, os EUA enfatizam a importância de redirecionar os fluxos de investimento e o papel que as finanças climáticas podem ter para fornecer incentivos positivos para que isso aconteça.
UE: confiança como instigadora das ambições
A posição da União Europeia (em nome de 34 países) enfatiza a necessidade de acelerar o processo de negociação. A UE pede pela adoção em 2015 de um protocolo ambicioso e juridicamente obrigatório com participação global e esclarecido pela ciência. O protocolo deve ser aplicável a todos com base em seu “quinhão” (definido pela UE como baseado na evolução das responsabilidades e capacidades). Também enfatiza sua expectativa de que as negociações resultem em um pacote abrangente que aborde não só a mitigação, mas também a adaptação, meios de implementação e transparência.
Onde os EUA e outros países desenvolvidos veem flexibilidade e pragmatismo como um fator para ambição, a UE enfatiza confiança (através da implementação de um robusto sistema baseado em regras) como chave para chegar a ações de mitigação mais fortes. Portanto, pede pela adoção de uma estrutura de reporte e responsabilização juridicamente obrigatória baseada no Protocolo de Quioto e nos processos adotados depois dos Acordos de Cancún, incluindo a capacitação, quando necessário, em relação às obrigações de reporte.
O bloco pede por mais discussão em novembro sobre a operacionalização das finanças. Sugere que todas as partes façam ofertas iniciais em 2014 em relação aos compromissos de mitigação, permitindo assim um processo de revisão passo a passo posteriormente. Tais compromissos deveriam ser metas de redução de emissões para toda a economia em países que já têm obrigações ou outros tipos de compromissos baseados em circunstâncias nacionais para as outras partes. O objetivo seria ver todos os países eventualmente convergirem para o primeiro tipo de compromissos.
EIG: um instrumento ambicioso com compromissos juridicamente obrigatórios para todos
O Grupo de Integridade Ambiental (Liechtenstein, México, Mônaco, República da Coreia e Suíça) é otimista em relação às suas expectativas: um instrumento compulsório com ambição suficiente, participação abrangente e mecanismos de conformidade efetivos. Os cinco países enfatizam o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades (CBDR/RC) como possibilitador de ações adicionais, baseado em uma estrutura dinâmica e flexível.
Em relação à mitigação, a submissão destes países enfatiza a necessidade de todos os compromissos terem a mesma forma jurídica e as mesmas regras, com o tipo, rigidez e calendário das ações variando com base no CBDR/RC e na equidade. Este grupo fornece informações adicionais sobre as suas expectativas quanto à responsabilização, verificação e conformidade em relação aos compromissos.
Apesar de o grupo enfatizar a importância de avançar em Varsóvia sobre as modalidades e o calendário da fase consultiva, que permitiria a revisão dos compromissos internacionais, os países não forneceram detalhes sobre suas opiniões.
Nova Zelândia: um desmantelamento ambicioso da estrutura multilateral
A posição da Nova Zelândia é baseada em uma abordagem híbrida entre uma abordagem de baixo para cima e um regime de cima para baixo, com flexibilidade como palavra chave. Os elementos de cima para baixo previstos pelo país são uma obrigação para adotar ações de mitigação e um compromisso para respeitar as exigências de transparência no reporte de ações domésticas. Assim, o acordo de 2015 também deveria conter uma meta global aspiracional e um compromisso geral para todos os países melhorarem a ambição ao longo do tempo. A Nova Zelândia rejeita qualquer fórmula de equidade para avaliar a adequação das ações nacionais.
A submissão então detalha os elementos de baixo para cima que o país defende: a determinação nacional de ações, baseada em metodologias escolhidas a critério de cada país, juntamente com a possibilidade de “op-ins” (mecanismos de flexibilidade) adicionais e “op-outs” (para excluir um setor de sua contagem). Em relação ao período de negociações, o país sugere que os compromissos nacionais sejam registrados em algum momento após 2015, uma vez que um conjunto de condições seja atendido. Nenhuma referência é feita para garantir que tal abordagem híbrida garantiria que os países chegassem ao objetivo final da convenção.
Japão: regime flexível
A submissão japonesa sugere levar em conta a “proposta” do G8 de reduzir as emissões globais em 50% até 2050 (países desenvolvidos reduzindo suas próprias emissões em 80%). A visão do país para o acordo climático pós-2020 é definida como um sistema híbrido flexível com compromissos nacionais determinados baseados em regras firmadas internacionalmente. A submissão desses compromissos seria então seguida por um processo internacional de avaliação.
A submissão do país fornece informações detalhadas sobre as expectativas para consulta “ex-ante”, permitindo a revisão dos compromissos internacionais antes de sua inscrição em um novo acordo, assim como uma avaliação “ex-post” do progresso feito por países para implementar seus compromissos. Mais flexibilidade é sugerida pelo país em relação ao prazo para apresentação dos compromissos, assim como a possibilidade de demonstrar uma ação do país sobre mudanças climáticas através de outros critérios além da redução de emissões.
AILAC: “meios de implementação” como um elemento chave
A submissão da Aliança Independente da América Latina e do Caribe (“AILAC”, composta por Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Panamá e Peru) foca no papel de dois elementos centrais: a importância de um novo quadro para adaptação e o papel dos meios de implementação (apoio financeiro e tecnológico, assim como capacitação) no novo quadro. A coalizão oferece um lembrete útil do papel que esses recursos têm no processo intergovernamental: contribuir para a realização das metas globais para facilitar o aumento da ambição, assim como permitir o cumprimento, por exemplo, para fornecer recursos para países para implementar reporte adequado de suas ações. O grupo sugere que ambos estes aspectos deveriam ser considerados quando da definição de disposições relativas aos meios de implementação no regime pós 2020. A AILAC também enfatiza a importância para negociações relacionadas a meios de implementação para seguir o mesmo período à medida que as discussões se focam em compromissos de mitigação.
Singapura: defendendo uma abordagem puramente de baixo para cima
Como um dos países mais ricos que não estão no âmbito de aplicação do Anexo 1 da convenção climática, Singapura reiterou a importância de criar uma estrutura fornecida pela convenção e seus anexos no regime pós-2020. Sua submissão enfatiza a importância da participação de todos os países no novo quadro climático assim como o papel fundamental de reconhecer as circunstâncias nacionais para atingir sua participação universal. O país propõe que os compromissos nacionais de mitigação sejam submetidos em 2015. Nenhuma menção é feita sobre a posição do país a qualquer tipo de revisão desses compromissos perante àqueles que forem registrados no acordo climático de 2015, sugerindo assim uma abordagem puramente “de baixo para cima”.
O autor gostaria de agradecer aos que forneceram comentários desde a publicação da primeira parte desta análise.
Outras partes também apresentaram sua posição escrita sobre o acordo climático de 2015. A submissão da Coalizão das Nações de Florestas Tropicais se foca principalmente em elementos relacionados ao REDD+. A posição russa infelizmente só está disponível no idioma russo. PAté o momento da publicação dessa análise, nem a China nem a AOSIS (Aliança dos Pequenos Estados Insulares) forneceu sua posição escrita.
* Traduzido por Fernanda B. Müller.
* Publicado originalmente no Adopt a Negotiator e retirado do site CarbonoBrasil.
(CarbonoBrasil)