Produzida por reações químicas, a fumaça espalha-se pelo ar, atinge todo mundo de forma indiscriminada. Foto: Marcelo Camargo/ABr
Estudos mostram que a poluição cotidiana em nossas cidades mata tanto quanto as armas de destruição em massa.
Você deve estar se perguntando o que seria a sigla ADM em medicina. Essa sigla não tem nada ver com o complicado glossário médico. Ela foi emprestada da política, da história, dos jornais atuais. Em inglês seria WMD. Armas de destruição em massa. Seriam armas nucleares ou químicas, muito na moda hoje, tendo em vista os conflitos na Síria e as incógnitas experiências iranianas. Por que não incluir a poluição do ar como uma arma química de destruição em massa?
Ela adapta-se muito bem nesse papel. Produzida por reações químicas, espalha-se pelo ar, atinge todo mundo de forma indiscriminada, causa distúrbios na saúde da população atingida de forma aguda e pode ter efeitos deletérios a longo prazo, causando doenças graves e, eventualmente, a morte. A associação da poluição atmosférica com doenças graves tem sido sugerida em vários estudos científicos. Mesmo assim, as autoridades de saúde, principalmente as autoridades ligadas às indústrias poluidoras e à venda de combustíveis e de carros, relutam ainda em atribuir a essas fontes atraentes de lucros, quaisquer males que possam resultar. Discutem-se os estudos, e permanecem as dúvidas.
Um estudo recentemente publicado na revista médica Jama fornece dados contundentes da correlação entre níveis de poluição atmosférica por partículas finas, e a mortalidade da população geral, e as mortes causadas por câncer de pulmão ou por doenças cardiovasculares como infarto e derrame cerebral. Um time de cientistas liderado pelo doutor AC Pope, da Universidade de Brigham Young, em Utah, Estados Unidos, em associação com universidades em Nova York, Ottawa e a Sociedade Americana de Câncer, apresentou os resultados mais claros e sólidos que correlacionaram diretamente a concentração de poluentes e partículas finas no ar das cidades com o risco de morte de seus habitantes.
Eles incluíram nesse estudo de prevenção de câncer, desde 1982, 1,2 milhão de pessoas adultas. Ao término da pesquisa, após, no mínimo, 16 anos de seguimento, mais de 500 mil pessoas tiveram detalhadas avaliações de suas exposições a poluentes. O estudo demonstrou a associação entre a poluição ambiental por partículas finas e os riscos de morte por câncer ou por doenças cardiovasculares. Cada aumento de 10 ug/m3 na concentração desses poluentes no ar das cidades elevou a mortalidade geral, por câncer de pulmão ou por doenças cardiovasculares, entre 4% e 8%. São milhares de pessoas que, pelo simples fato de respirarem o ar poluído de suas cidades, sofrem e morrem de doenças graves, mutiladoras e incapacitantes. Mortes rápidas ou lentas. Qualidade de vida piorando progressivamente.
Os autores do estudo confirmam que os resultados dessa publicação fornecem a mais sólida evidência até hoje do impacto da poluição na vida das pessoas. Essa correlação é independente de fumo, obesidade ou outras causas de doenças graves. O doutor Pope e seus colegas alertam para a gravidade dessas conclusões, e urgem todas as autoridades a reverem seus conceitos de níveis seguros de poluentes no ar. Acredito que tenhamos de tratar a poluição e seus causadores, no mínimo, com a mesma atenção que damos ao raro uso do gás sarin. Uma arma de destruição em massa.
* Riad Younes e médico, diretor clínio do Hospital Sírio-Libanês e professor da Faculdade de Medicina da USP.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)