Bactérias litoautotróficas do basalto, fotografadas a mil metros de profundidade. As células são vistas em vermelho e a rocha de basalto da qual se alimentam aparece em verde. Foto: Photostock/IPS
O ciclo do carbono na superfície do planeta é bem conhecido. Mas há outro ciclo, que envolve as profundezas terrestres e se desenvolve através de eras geológicas. Os cientistas estão começando a descobrir seus segredos.
Uxbridge, Canadá, 11 de março de 2013 (Terramérica).- Cada ser vivente, desde as bactérias até o ser humano, é feito de carbono procedente da explosão das estrelas. Há milhões de anos, as partículas de carbono e outras poeiras estelares formaram a Terra. O carbono é a base da vida, mas a maior parte deste elemento desapareceu nas profundezas do planeta, afirmam os cientistas. E, embora pareça incrível, a vida prospera nas camadas rochosas localizadas vários quilômetros abaixo de nossos pés.
“Os micróbios sobrevivem comendo rocha nessas profundidades”, explicou Robert Hazen, diretor-executivo do Deep Carbon Observatory (Observatório do Carbono Profundo), um projeto internacional de pesquisa sobre o funcionamento interno do planeta. “A vida é muito diferente sob essas tremendas pressões e temperaturas”, afirmou Hazen ao Terramérica. A variedade de vida bacteriana em profundidade, onde a pressão é extremamente alta, constitui uma espécie de “Galápagos” subterrâneo, acrescentou.
“Faça um buraco de um ou dois quilômetros de profundidade em qualquer parte e encontrará uma comunidade microbiana escassa mas resistente”, destacou Isabelle Daniel, da Universidade Claude Bernard, em Lyon, na França. “Estes micróbios, que vivem nas gretas e fissuras mais diminutas das rochas, sobrevivem graças à energia química dos minerais”, detalhou Isabelle, integrante do grupo de cientistas que participam do Deep Carbon Observatory.
As análises genéticas revelam uma diversidade de micro-organismos, a maioria unicelular, embora muito abaixo do solo oceânico vivam organismos com estruturas celulares mais complexas, semelhantes aos fungos. Os pesquisadores estimam que se trate de seres extraordinariamente longevos, que possivelmente vivam milhões de anos. “Também há uma enorme quantidade de vírus”, com sua informação genética “cuidadosamente alojada em células viventes”, explicou Hazen.
Estes vírus não matam os organismos nos quais se alojam, mas permanecem adormecidos durante centenas ou milhares de anos, à espera de que uma célula tenha alimento suficiente para se reproduzir e, então, se tornam ativos. Os cientistas inclusive especulam que a vida pode ter começado vários quilômetros abaixo da terra. “As profundidades subterrâneas podem ter sido o laboratório natural para a origem da vida, com múltiplos experimentos simultâneos”, disse John Baross, da Universidade de Washington, com sede em Seattle, nos Estados Unidos, coeditor do livro Carbon in Earth (Carbono na Terra), que resume os primeiros três anos de trabalhos do Observatório.
O livro foi apresentado em uma reunião científica internacional realizada entre os dias 3 e 5 deste mês na Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, em Washington. “O Observatório poderá encontrar formas de vida totalmente novas, na medida em que chegarmos a maiores profundidades e temperaturas, e a pressões mais altas. E é bem possível que a vida mais profunda da Terra não utilize o ADN (ácido desoxirribonucleico) e as proteínas do modo como fazem as células normais”, afirmou Baross em um comunicado.
O carbono é o elemento mais importante da Terra. Não só está presente em todas as formas de vida como, praticamente, em todos os materiais dos quais depende a humanidade: plásticos, petróleo, medicamentos, tinturas e materiais de construção, apontou Hazen. “Nenhum outro elemento contribui de modo tão crucial para o bem-estar e a sustentabilidade da vida na Terra, incluída a espécie humana”, ressaltou.
O ciclo do carbono superficial é bem conhecido: os animais inalam oxigênio e exalam dióxido de carbono, enquanto as plantas realizam o processo inverso. Mas há outro ciclo do carbono, de duração muito longa, que implica a saída de enormes volumes deste elemento das profundezas do planeta para a superfície, pelos vulcões e afloramentos nas crostas oceânicas.
Por sua vez, o carbono é eliminado da superfície da Terra nas zonas de subducção, onde o solo oceânico afunda e as placas continentais deslizam umas sobre as outras, explicou Rajdeep Dasgupta, da Rice University em Houston, Texas, nos Estados Unidos. Por sua vez, nas zonas onde há movimentos tectônicos (terremotos), “o carbono da superfície volta a submergir no manto terrestre”, acrescentou ao Terramérica.
Esta forma de sequestro deste elemento tem particular interesse diante do enorme aumento das emissões humanas de carbono na forma de gás lançado na atmosfera, que está causando a mudança climática, disse Dasgupta. Petróleo, carvão e gás são carbono de matéria vegetal afundado nas profundezas durante milhões de anos, e a queima destes combustíveis libera esse antigo carbono. Através das eras geológicas (milhões de anos), o planeta regula a quantidade de carbono que há na atmosfera, enterrando-o profundamente no solo, detalhou Dasgupta.
Um dos objetivos do Observatório, que completará seu trabalho em 2020, é determinar quanto carbono se “exala” e se enterra nesse longo ciclo. “O carbono é assombroso, fascinante e fundamental para nosso bem-estar. Precisamos saber tudo o que pudermos sobre ele”, concluiu Hazen. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.