Após três dias de caminhadas intensas, cruzando florestas e seguindo rio adentro, pesquisadores do projeto ‘Macaé Rio Sustentável’ concluíram os primeiros estudos da parte alta da bacia hidrográfica do rio Macaé. Eles percorreram toda a região de Macaé de Cima, onde estão localizadas as nascentes do rio Macaé e de mananciais importantes para a bacia, coletaram amostras de água, plantas e material orgânico, e analisaram as características físicas e químicas do rio e seu entorno.
No primeiro dia da Expedição Científica no rio Macaé (20), a equipe
passou por vários desafios no caminho que leva até a nascente do Macaé.
Com 136 km de extensão, ele nasce em Macaé de Cima, em uma propriedade
particular, onde a mata atlântica está muito bem preservada. O percurso
é fechado e de difícil acesso, sendo preciso abrir pequenas trilhas e
seguir pelo rio, onde as pedras são escorregadias, se tornando
verdadeiras armadilhas.
Para encarar essa aventura, a equipe do projeto precisou da ajuda de dois guias, Laerte e Paulo César, que nasceram e foram criados no local, e conhecem cada trilha e nascente existente naquela serra. Em meio a vegetação, o grupo passou por uma jararacuçu, espécie de cobra venenosa da mata atlântica, que descansava tranquilamente ao sol. Logo à frente, vestígios de uma cutia que possivelmente fora comida por uma onça durante a madrugada. Nas margens do rio, ainda foi avistado um sapo “gigante”, que estava estático sob a sombra fresca e úmida.
O tempo em Macaé de Cima também é imprevisível, sendo uma região que registra um alto índice pluviométrico, característica que ajuda a manter a vazão do rio, o que dificultou ainda mais a caminhada, impedindo a equipe de subir até a nascente. Para não correr o risco de serem surpreendidos pelo aumento do nível do rio, os pesquisadores decidiram retornar após quase três horas de caminhada na água. “O tempo nos impediu de chegar até lá nesta primeira caminhada quando estávamos próximos, mas retornaremos na próxima semana para atingir este objetivo”, garantiu João Freitas, coordenador do projeto que conta com o patrocínio da Petrobras Ambiental.
Observar para conhecer
Apesar de não terem chegado até a nascente, a caminhada foi extremamente positiva para os pesquisadores, pois conseguiram obter mais informações da área. Durante a trilha, o botânico e o técnico em gestão ambiental, André Luiz Pereira e Pedro Igor Ferreira, observaram algumas espécies que ajudam a identificar a história e o grau de preservação da floresta naquele ponto onde não há influência do homem. Eles ainda coletaram diversas amostras, chegando a avistar espécies raras, como a casca danta (Drimys winteri) e a canela santa (Vochysia oppugmata). “Essas espécies serão levadas para uma análise mais completa no laboratório”, informou André.
Nos dias seguintes, descendo um pouco o rio, eles puderam observar o início da transformação da mata atlântica através da identificação de outras espécies, como a embaúba que dá início a sucessão ecológica da floresta, além de um grande número de eucaliptos, uma espécie exótica que demonstra a presença do homem e os impactos que ele pode provocar.
Já a equipe - formada por três biólogos, Evaristo Castro, Bruno Coutinho e Leonardo Freitas; dois geógrafos, João Crisostomo e Flavio Brasil, e um geomorfólogo, Marcos Felipe - analisou as características físicas e químicas do rio, medindo a qualidade da água, vazão, profundidade e sua extensão.
Eles coletaram amostras em diferentes pontos para poder comparar o nível de poluição ao longo de seu curso. “O primeiro ponto de coleta está localizado onde não há nenhum tipo de ocupação, no caminho para a nascente. Os outros são selecionados em função do uso do solo ao longo do rio. Optamos por pegar as amostras antes e depois de aglomerados urbanos e rurais, e em pontos dentro de fragmentos bem preservados”, falou João Crisostomo, completando que as amostram também serão analisadas em laboratório.
De acordo com o professor de biogeografia do Departamento de Geografia da UFRJ, Evaristo Castro Júnior, o objetivo é elaborar propostas de recuperação desse manancial tão importante para toda a região. “O rio é resultado do que acontece a sua volta. Quando temos uma mata ciliar preservada, conseguimos ter uma boa qualidade da água, mesmo essa região tendo alguma ocupação e diferentes usos do solo, como a criação de truta, gado e agricultura, atividades que encontramos em Macaé de Cima”, observou.
Ocupação, consciência ecológica e a recuperação da região
A identificação dos pesquisadores no campo vai de encontro à história da região, que já sofreu com um forte processo de desmatamento quando a floresta foi devastada para dar lugar ao gado e as carvoarias. No entanto, há cerca de 50 anos, Macaé de Cima começou a ser ocupada por pessoas que possuem uma forte consciência ambiental, dando início a recuperação daquela área.
Com o intuito de manter a mata atlântica, os moradores se uniram através de associação e conselho na tentativa de transformar a região em uma unidade de conservação integral, aliando a ocupação do solo à conservação ambiental. A proposta é criar o Refúgio da Vida Silvestre, com a elaboração um ordenamento jurídico, especificando as atividades compatíveis com a preservação e apontando alternativas para o uso sustentável do solo.
Para isso foi elaborada uma proposta com um diagnóstico sócio-ambiental e justificativas, mostrando que Macaé de Cima é uma das poucas áreas naturais bem preservadas de mata atlântica existentes no Estado, registra uma alta biodiversidade e abriga espécies raras e ameaçadas de extinção. Além disso, é lá que estão as nascentes que abastecem a bacia que fornece água para as cidades da região, como as localidades serranas de Nova Friburgo, os municípios de Rio das Ostras e Macaé, o distrito de Barra de São João, além das plataformas e embarcações da Petrobras que atuam na Bacia de Campos. A importância ambiental e econômica desse manancial já justifica a necessidade de preservar a cabeceira do rio e seus moradores têm plena consciência do papel que podem exercer para isso.
Apesar de terem encontrado algumas atividades perigosas para a floresta, como o cultivo do eucalipto e a extração ilegal do palmito Jussara e de orquídeas, os pesquisadores apontaram a região como um padrão de conservação. De acordo com eles, a natureza em Macaé de Cima conseguiu ser mais forte que o homem, se regerando e mostrando todo o seu potencial de recuperação, sendo que hoje os moradores conseguem respeitar e viver em harmonia com o meio ambiente.
Erika Enne
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