O caso dos palestinos acampados em Brasília

O que está acontecendo com os palestinos?

Antes de explicar a situação dos refugiados palestinos aqui no Brasil, é importante saber de você uma coisa: o que você ganhou de presente de Natal no ano passado? Uma camiseta, um celular, um livro? Talvez você nem tenha gostado do que ganhou, ainda assim, deve lembrar com alegria dos bons momentos passados ao lado da família confraternizando e agradecendo ao ano que se acabava. Para Fahrouk, Ramdam, Kammal e os outros companheiros palestinos refugiados no Brasil, o natal teve um gosto um pouco mais amargo. O ataque genocida de Israel à Faixa de Gaza, onde estão muitos de seus familiares, mostrou mais uma vez o lado podre do nazi-sionismo e a inércia e ineficácia da diplomacia ocidental. Para os refugiados ao redor do mundo, este ataque representava a certeza de que a fúria e o ódio daqueles que fazem da Faixa de Gaza hoje um novo Gueto de Varsóvia iriam destruir o pouco que ainda lhes restava de pátria, onde um dia sonhavam em retornar para viver com seus familiares.

A ONU condenou o ataque verbalmente, o governo brasileiro o qualificou como “uso desproporcional da força”, assim como muitos outros países. Tudo retórica, talvez exceto pela expulsão dos embaixadores israelenses da Bolívia e Venezuela por parte de seus presidentes. A imprensa livre e os movimentos sociais tentaram em vão romper o bloqueio da mídia corporativa, preocupada demais em fomentar o gasto do 13º salário do trabalhador brasileiro. Foram denunciados inúmeras vezes os assassinatos em massa de civis, em sua maioria crianças, e o uso de armas proibidas pela ONU, como o fósforo branco. Apesar disso, assim como acontece com a parcela do território palestino demarcado pela própria ONU, nada aconteceu.

Enquanto isso, um grupo de palestinos estava dormindo no chão, sem atendimento médico, comendo manga e comida doada pelo pessoal do mercado, enquanto clamavam pela atenção dos organismos internacionais para que alguém aliviasse sua dor e sofrimento. Casos como esse são corriqueiros no Oriente Médio, no entanto, dessa vez estamos falando de um fato que aconteceu, e acontece, aqui no Brasil. Essa pequena versão de um campo de refugiados acontece em plena capital federal, em seu bairro mais rico, o Lago Sul, que tem o IDH comparável ao de países como a Suécia e Islândia. 

O “programa” para refugiados


É assim a nossa versão tupiniquim da tragédia palestina: O governo, gentilmente (ou para mostrar serviço e ser premiado com um “assento” ao lado dos causadores dos grandes problemas do mundo) oferece nosso país para ser o lar temporário de um grupo de palestinos que estavam em um campo de refugiados na Jordânia. A ONU (a mesma que criou toda essa confusão em 1948), representada aqui pelo ACNUR, recebe dinheiro para cuidar então desses refugiados. No entanto, a ONU não acredita ter o tempo necessário para cuidar dessa situação (claro, afinal, Palestina, Sudão, Colômbia, Haiti, Timor Leste não são os países que mais contribuem com o milionário orçamento desse organismo internacional), então incumbe a Cáritas Brasileira (entidade da Igreja Católica, designada enquanto “representante da sociedade civil”) de monitorar e acompanhar o programa para os refugiados. No caso de algum problema no “programa”, o governo brasileiro diz que só repassa os recursos, a ACNUR não dá nenhuma resposta, pois é um “organismo internacional”, e a Cáritas Brasileira diz que só administra o “programa”, que quem o criou foi a ACNUR e o governo brasileiro.

Mesmo para nós brasileiros parece algo complicado, agora imagine para um estrangeiro que não fala português, não está acostumado com a nossa cultura e ainda necessita atendimento médico. Imagine então se você fosse colocado dentro de um asilo nessas condições, sem ter ninguém com quem se comunicar. O que você faria? Imagine também que os organismos que batem no peito e fazem marketing social dizendo que cuidam de vocês desviassem dinheiro, comprassem eletrodomésticos novos para você, mas lhe entregassem velhos. Como se não fosse suficiente, imagine uma comunidade árabe ausente, um governo que não quer se indispor com a ONU, além de inúmeros aproveitadores à sua volta querendo ganhar destaque e lucrar com a sua deplorável situação. Que fazer?

O ano em que os palestinos acamparam em protesto em frente ao ACNUR

Mais de um ano se passou sem que nenhum dos envolvidos pudesse resolver a situação. Inúmeras foram as vezes em que levamos os companheiros às pressas para o hospital, por conta de seus problemas de saúde, ainda mais agravados pelo desumano tratamento que lhes era dispensado pelas autoridades. Chegou uma hora em que o impasse gerou o mesmo conformismo que impregna todo o conflito israelense e palestino: a idéia de um caso sem solução.

E assim ficaria até que, para piorar a situação, o ACNUR, com a ajuda do digníssimo judiciário brasileiro (aquele mesmo que barra a reforma agrária, solta Daniel Dantas e criminaliza os movimentos sociais), consegue uma autorização para retirá-los da frente da bela mansão-sede do ACNUR com ajuda da Polícia Federal. Era uma bela manhã de sábado quando alguns dos vizinhos ricos viam sua bela vizinhança sendo “higienizada”, removendo aqueles senhores do caminho. Outros vizinhos, mas estes loucos ou desavisados, que tinham de alguma forma criado um carinho pelas pessoas que, de forma tão determinada, protestavam em frente às suas casas (apesar do ACNUR ter enviado uma carta a cada vizinho dizendo para NÃO ajudarem os palestinos), discutiam com os policiais inutilmente.

O que pensava o ACNUR? Que os palestinos, justo eles, iam desistir ao primeiro sinal de violência? Que ia adiantar jogar para longe as suas coisas, que eles se calariam e resignariam? Obviamente, não foi isso que aconteceu. Os nossos dignos e corajosos companheiros palestinos resistiram, colocaram suas coisas um pouco mais afastado da sede-mansão do ACNUR, mas ainda ficaram por lá, dessa vez na avenida principal do Lago Sul. Foi um ato de coragem maravilhoso, mas que infelizmente introduziu na história um personagem talvez ainda mais sinistro que todos os anteriores: nosso digníssimo governador do DF, ex-violador de painel eletrônico, atual chefe da polícia, José Roberto Arruda. A saída da frente da sede do ACNUR fez com que a polícia deixasse de enxergar aquilo como um ato político de protesto e encarasse como uma mera ocupação de área pública, justamente no lugar onde todo mundo sabe que não se pode ter ocupação de área pública.

O que aconteceu em seguida seria óbvio, não fosse pela proporção que atingiu. Eram mais de vinte viaturas da Polícia Militar e seus grupos táticos com rifles, talvez em maior número que para prender Daniel Dantas ou os grandes bandidos do tráfico de drogas no Rio e São Paulo. A ação militar tinha como objetivo não apenas assustar e intimidar os palestinos e seus apoiadores, mas também dar o recado para qualquer pessoa que tentasse ocupar um local no Lago Sul. Curiosamente, a operação era comandada por um oficial SUDESA, a Superintendência de Defesa do Solo e da Água (a mesma que não se manifesta para defender o solo de pessoas como Pedro Passos e as águas de gente como PaulOOctávio). Funcionários do GDF recolhiam as coisas e as atiravam em um caminhão, apreendendo as barracas, as roupas, os alimentos e todos os outros “luxos” que os palestinos tiveram nesse ano em que acamparam no chão. Teriam levado tudo, não fosse pela ajuda de alguns companheiros solidários com os palestinos que aceitaram guardar as coisas em suas próprias casas. Para os que presenciaram o fato, era inconcebível tamanha mobilização militar para retirar um grupo de idosos pacíficos de seu protesto político. Era uma versão brasileira do “uso desproporcional da força”, tão criticado por Lula e Celso Amorim, agora praticado pelo governador e seus “capangas”.

O desespero tomou conta por muitas vezes dos companheiros palestinos nesse dia. Agora encontravam-se na rua sem assistência do governo, da ACNUR ou da Cáritas, sem tratamento médico, quase sem apoio da comunidade palestina e árabe e agora sem suas barracas e o pouco de alimento que lhes restavam. Parecia demais para pessoas que tinham sofrido uma vida de privações, de acossamentos e de abusos perpetrados pelo nazi-sionismo. Para eles, era a extrema-unção definitiva da ingênua idéia e do sonho do país tropical, terra de deus, que lhes foi oferecida enquanto estavam em um triste campo de refugiados palestinos na Jordânia. 

Uma nova fase do conflito

Sem casa, sem barraca, quase sem alimentos, o grupo de palestinos, principalmente as mulheres grávidas e as crianças, saiu de lá e concentrou-se em um alojamento cedido pela comunidade árabe para a emergência, que expira essa semana. Uma viatura da polícia manteve-se no local, como se fosse uma bandeira cravada no chão dizendo: nós vencemos. Só que os policiais deram de cara com uma coisa que eles não contavam: a persistência, a dignidade e a determinação ferrenha dos palestinos Fahrouk e Ramdam. 

Sem comida, sem teto, sem cobertor, sem amigos, eles permaneceram lá, como quem fica simplesmente sentado na grama conversando com um amigo. Não carregam consigo nada grande, porque senão caracteriza uma ocupação e serão presos pelos policiais. De noite acendem um fogo para espantar o frio, mas ainda estão expostos ao sereno e às chuvas. Mais de uma semana já se passou desde o despejo, no entanto os dois palestinos resistem, em uma demonstração clara de dignidade e moral. Eles são dois, assim como são a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, resistindo pequenininhos, apesar de toda a ofensiva imperialista do vizinho. É uma singela representação do que acontece no Oriente Médio e, em ambos os casos, pode ter um final diferente dependendo da nossa intervenção.

Como ajudar?

A urgência da situação nos obriga a sermos rápidos. A saúde de todos os refugiados palestinos está em jogo, além de todos nós sabermos que eles merecem um tratamento humano. Cabe agora a nós, cidadãs e cidadãos brasileiros, ajudarmos essas pessoas que estão dando a cada dia uma nova lição de dignidade, de valentia e pureza. É importante concentrar os esforços de forma organizada e eficiente, para podermos desfazer um pouco do mal que alguns maus representantes de nosso maravilhoso país tropical fizeram a essas pessoas. Moradia, alimentação, tratamento médico, são apenas algumas das necessidades que passam esses grandes homens sem pátria, filhos de uma brava terra para a qual eles não podem voltar, longe de sua família, com nada que lhes comprove o direito a viver ali exceto um papel sem valor da ONU, que demarcou tanto o território israelense como o palestino. Cabe a nós agora formar uma rede de apoiadores e ajudar da melhor maneira possível, e sim, é possível, a esses corajosos homens de paz, de amor e de justiça, que sonham em ver um dia esse planeta onde vivemos transformado na Terra, a Pátria do Homem.

Um enorme abraço internacionalista para todos vocês,

Thiago Ávila - 9806.6981 (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.)
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