Sete dos onze ministros que formam o STF (Supremo Tribunal Federal) foram escolhidos por Lula (cinco) e por Dilma (dois). Joaquim Barbosa é um dos ministros indicados por Lula.
À disposição dos dois presidentes nomes que preenchiam os requisitos constitucionais (notável saber jurídico e ilibada reputação) e jamais transformariam a Corte Suprema num teatro com direito a espetáculo televisivo diário.
A capitulação de Lula começou antes de sua eleição, na célebre carta de intenções com o FMI. O que parecia uma demonstração de "maturidade política" foi somente um morder de isca plantada por FHC e os interesses que FHC representa.
Começa aí o mensalão, pois começa aí o compromisso de levar adiante o projeto de reformas neoliberais implementado por FHC. Previdência e a lei de biotecnologia que abriu as portas do País aos transgênicos e a Monsanto.
Deputados e senadores se acostumaram com os oito anos de FHC e a prática de receber por votações essenciais no Congresso Nacional, a tal base aliada num e noutro governo. Foi assim que FHC comprou sua reeleição e passou o tal plano nacional de privatização.
Elites financeiras, empresariais e latifundiários são amorais. A isso se acresce a bancada evangélica, um projeto de poder montado numa bíblia onde se lê dez por cento e pronto. Nada além disso.
Essa mistura de ingredientes altamente indigestos marcou o governo Lula e fez com que o ex-presidente, mesmo com altos índices de popularidade (a política assistencialista do bolsa família), passasse todo o seu período fustigado pela grande mídia, vítima de dossiês montados nos momentos mais decisivos como sua reeleição e assim numa corda bamba que certamente lhe conferiu o status de grande equilibrista.
O mensalão foi a bomba de efeito retardado deixada por FHC. A tentativa de golpe branco que Lula conseguiu desmontar, dar a volta por cima, mas sem mexer em um único pilar das políticas do governo tucano. Todas as privatizações de setores estratégicos da economia e da soberania nacional se mantiveram intocadas.
Lula não consertou, remendou aqui e ali e o preço agora é do caráter roto dos remendos.
Dilma, na prática, faz de conta que não é com ela.
O esquema começou bem antes.
É claro, há o silêncio da Procuradoria Geral da República, da grande mídia, sobre todos os procedimentos golpistas de FHC (a reeleição foi um golpe), sobre toda a corrupção envolvendo o governo FHC e o tucanato, É muito maior que o mensalão do período de Lula.
Isso torna Lula e os que participaram do esquema inocentes? Não.
Mas justifica o show de Joaquim Barbosa? Não. Uma corte suprema se presta a discrição e a firmeza no julgamento de qualquer feito e ministros dessas cortes não são atores de uma novela cujo roteiro e direção estão à margem das funções constitucionais do STF e dirigido a interesses de elites tacanhas que não têm o menor escrúpulo, ou a menor preocupação com o Brasil e os brasileiros.
O papel de Joaquim Barbosa é lamentável. Por outro lado, Tófoli Dias ministro do STF é um escárnio tão grande quanto Gilmar Mendes.
Num plano maior o que se tenta é um golpe aniquilando forças políticas que não têm nada a ver com a luta de classes, pano de fundo de tudo isso (O PT não é um partido de esquerda, mas um bolo sem sabor e sem cor) é destruir a menor resistência que possa existir ao que Eike Batista chama de "kit felicidade", o conjunto de medidas de Dilma a favor do empresariado.
É bem pior. Ao caracterizar o PT de Lula como partido de esquerda, socialista, a mídia sabe que está destruindo movimentos populares (muitos cooptados pelo poder), na mesma medida que eliminando as forças reais da classe trabalhadora. Os partidos e movimentos capazes de se opor com propostas e políticas de organização popular, do poder popular, que ameacem os interesses dos que controlam o Estado brasileiro.
Fustigar Lula e o PT, o governo Dilma num período eleitoral já é em si parte do plano de desmontar toda e qualquer espécie de reação ao Estado neoliberal. Dilma hoje já fala em medidas de flexibilização dos direitos trabalhistas e tendo como ponto de partida uma proposta de um sindicato do ABC paulista, base de Lula, nascedouro do Lula político.
Não é hora de apenas apontar o dedo para Joaquim Barbosa, ministro escolhido por Lula. É hora de autocrítica, de avaliação dos passos do PT nesses últimos anos, desde a eleição de Lula, ou desde a assinatura da tal carta de intenções, para perceber que, na prática, o grande lesado em tudo isso foram e continuam sendo os trabalhadores, num País que se constrói à imagem e semelhança do capitalismo mais selvagem e cruel que se tem notícia.
Lula é parte disso, aceitou regras de um jogo que sabia não iria vencer e transformou seu partido numa igreja onde o culto à sua pessoa é cego. Não significa que parte da militância petista não tenha percebido isso. Percebeu e passado o estado de choque começa a juntar os cacos da ilusão lulista para se reagrupar no PT ou fora dele, em torno do que de fato move todo esse conflito. A luta de classes.
Se não for capaz dessa autocrítica o ex-presidente vai acabar engolido num processo político que vem de fora inclusive, jogar fora sua biografia e passar à história como aquele que sepultou, num determinado momento, por conveniências pessoais e políticas, a luta popular no Brasil.
Joaquim Barbosa é um peão nesse contexto.
O show do mensalão só acontece porque Lula misturou água e óleo e achou que poderia obter um resultado diferente daquele que todos conhecemos.
Há uma tentativa de calar vozes à esquerda? Sim, esse é o objetivo primordial. E é isso que Lula tem que entender, ao invés de pensar que é tudo contra ele ou José Dirceu.
A luta popular não se resume nem ao PT, nem aos dois. O ex-presidente e o ex-ministro.
Um e outro têm história e força seja para a autocrítica, seja para dar a volta por cima. Mas é preciso calçar sandálias tanto de humildade, como de um choque de realidade.
O preço das concessões de Lula está sendo cobrado a todos os trabalhadores brasileiros e pode se estender, pela importância do Brasil , a toda a América Latina.