A FICÇÃO E O REAL

O cineasta Michel Moore escreveu uma carta a Barack Obama propondo-se a assumir a chefia do gabinete presidencial para ajudar o presidente a realizar aquilo que foi prometido durante a campanha eleitoral.

Michael Moore faz um histórico da situação do governo Obama, dos propósitos anunciados em campanha, do fracasso do atual chefe de gabinete em articular políticas corretas, faz menção ao passado desse chefe de gabinete atual, comprometido com os “negócios” e pede o salário simbólico de um dólar por ano.
 
Declara-se uma pessoa movida a esperança e por isso mesmo um “idiota”, como considera que há uma oportunidade de tentar mudar alguma coisa nos EUA, dentro dos EUA e para fora dos EUA.
 
O ATIRADOR é um filme produzido em 2007, seis anos após o ataque ao território dos EUA e a destruição das torres do World Trade Center, logo, após a invasão do Iraque e do Afeganistão e todas as suas conseqüências e desdobramentos.
 
É a história de um agente norte-americano interpretado pelo ator Mark Wahlberg que comete um erro, refugia-se nas florestas do estado de Arkansas e num dado momento volta para consertar o erro.
 
Dirigido por Antoine Fuqua, o filme mostra a ação de um senador ligado a empresas petrolíferas, com apoio dentro da Casa Branca, responsável pelo extermínio de uma vila, 400 pessoas, num país africano, para que, ali, viesse a ser construído um oleoduto. Passasse um oleoduto.
 
A lógica do senador para justificar a ação militar, o extermínio, a morte de 400 inocentes é simples. Não importa que sejam republicanos ou democratas, importa que é o petróleo e isso “é a democracia”.
 
No curso do filme o agente vive todas as situações possíveis de se imaginar em termos de perseguição, mas como todo filme norte-americano, acaba vencendo o mal (o senador e o coronel comandante da operação de extermínio), triunfando o bem, provando sua inocência nas tramas urdidas pelos “defensores da democracia”.
 
Há quem diga que filmes assim se voltam para o público norte-americano com o intuito de mostrar que a despeito de gente como Bush, por exemplo, prevalece o ideal democrático lato senso. E se dirige ao público de outros países para deixar claro que nos EUA existem setores ou pessoas que lutam por esses ideais, levando em conta que além de norte-americanos e israelenses, outros povos, mesmo sendo “inferiores,” são respeitados.
 
Pode até ser, lá na pontinha. No duro mesmo mostram a arrogância, a prepotência, a barbárie, o que é o império e todas as suas garras e tentáculos.
 
O filme é ficção.
 
Iraque, Afeganistão, Colômbia, golpes de estado como o de Honduras, sabotagens e ações criminosas envolvendo seqüestros, tortura, prisões como Guantánamo, nos países ocupados, imunidade em se tratando dos direitos humanos “deles”, essa é a realidade.
 
É o que filmes assim mostram. Não são o que podem ser chamados de grandes obras cinematográficas, mas numa medida que acaba sendo lucrativa para a indústria do cinema, acabam sendo um bom negócio, mesmo porque, a última coisa que norte-americanos se preocupam é em esconder o caráter doentio e bárbaro de sua sociedade.
 
Ao contrário, fazem questão de deixá-lo explícito. O que são 400 habitantes de uma vila na África, num país africano, diante da importância de um oleoduto para as grandes empresas do império?
 
Mais ou menos o que significam afegãos mortos em bombardeios “equivocados”, ou balas de urânio enriquecido, ou agentes químicos em bombas de efeito devastador, algo como presos sem culpa formada e submetidos a tortura por um documento denominado Ato Patriótico (“o último refúgio dos canalhas”) em Guantánamo.
 
Ficção e realidade aí se misturam na farsa da democracia nos EUA. Há menos de uma semana um jornalista deles descobriu que as últimas batalhas no Afeganistão foram uma grande montagem, a cidade atacada não passava de uma pequena aldeia transformada em mega reduto de inimigos, terroristas, tudo para convencer os incrédulos na impossível vitória dos EUA exatamente no Afeganistão.
 
O senador do filme disse, a certa altura, tentando convencer o “mocinho”, que matar 400 pessoas numa vila foi a “atitude correta”, levando em conta que o oleoduto teria que passar por outras vilas e aí as pessoas já saberiam o seu destino caso resistissem ao “progresso”.
 
Na lógica hipócrita do american way life matar 400 foi uma forma de evitar matar mil, dois mil, três mil, quantos existissem ou habitassem aldeias no caminho do oleoduto. Só faltou rotular a ação de “cristã”.
 
Michael Moore não é necessariamente o “mocinho” desse roteiro que escreveu em forma de carta para Obama. E nem é o “idiota” que se auto-rotula, no conservar o que chama de esperança.
 
Constata a falência do modelo, do american way life, da democracia adjetivada dos norte-americanos. Item de exportação da economia dos EUA. O senador Demóstenes Torres, DEM, provavelmente não tem a menor idéia disso, ou talvez até tenha, nas idéias tortas e descabidas do escravagismo que deixou explícito numa audiência pública no STF (Supremo Tribunal Federal).
 
A realidade é outra, é brutal, a prática do império não difere das barbáries que costumam imputar a outros povos, Nero e Calígula apenas ficariam atônitos com a tecnologia de violência, com os instrumentos que em seus tempos jamais poderiam ser imaginados.
 
Tocar fogo em Roma e tocar harpa? Nomear o cavalo Incitatus para o Senado? Ora, os EUA tocam fogo onde seus interesses falem e afinal o Senado seja aqui ou lá, tem figuras como Demóstenes Torres, Kátia Abreu, a rigor, que diferença existe para Incitatus?
 
Cavalo não fala, relincha? Num sei em se tratando de figuras como John McCain por lá, essa dupla Demóstenes, Kátia por aqui, todo o conjunto, o dilema é sério e talvez sem resposta.
 
Ou atentamos para essa realidade ou a ficção vai continuar levando milhões a votar no BBB e a tecer considerações democráticas sobre o voto, o exercício desse direito.
 
O que a realidade sinaliza é que a luta é pela própria sobrevivência da classe trabalhadora, antes que vire item de exportação na cabeça do senador Demóstenes.
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