JOÃO GOULART – ANISTIA E "PATRIOTAS NACIONALISTAS"

A Carta que resultou da XX Conferência Nacional de Advogados em Natal considera uma "afronta" que militares culpados por crime de tortura sejam abrigados na impunidade pela Lei de Anistia.

O presidente da Comissão de Anistia do Governo Federal, Paulo Abrão, considera que "não há nem uma linha sequer da lei" que dê margem a esse tipo de interpretação. "Há um entendimento político equivocado na leitura dessa legislação. Não há uma só linha que absolva criminosos torturadores".

O Brasil subscreveu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um dos documentos básicos da constituição das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948 e tortura é crime contra a humanidade, é imprescritível. O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que João Goulart "não caiu por seus defeitos, se é que os tinha, mas por suas virtudes". A declaração do ministro foi feita logo após entregar ao neto de Jango o documento que anistia o ex-presidente e sua mulher Maria Teresa Goulart. O ato foi solene no encerramento da XX Conferência Nacional de Advogados em Natal e promovido pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Imagine, já que a história oficial tenta esconder a história verdadeira, que um monte de pessoas fardadas com fardas do Exército, da Marinha, ou da Aeronáutica, forças em tese constituídas para garantir a soberania nacional e a integridade do território do Brasil e tendo como comandante em chefe o presidente da República e como norte a Constituição, chegue à porta de sua casa, invada e leve um filho, um pai, ou uma mãe, sem ordem judicial, mandado de prisão, apenas leve e sem qualquer explicação. 

Em dependências do DOI/CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) para onde as pessoas eram levadas, por exemplo, (podia ser o quartel da Polícia do Exército no Rio de Janeiro) o cidadão ou cidadã sofria interrogatórios sobre supostas atividades "subversivas". O "preso" era amarrado, colocado amarrado pelos pés e pelas mãos a uma barra de ferro entre duas mesas. Esbofeteado, cuspido, violentado, tomava choques elétricos, tudo sob o comando de um "militar revolucionário" (havia civis também), tudo em defesa da "pátria", da "democracia" e da "revolução" que depusera um presidente constitucional com o argumento que as liberdades estavam ameaçadas.

O coronel José Carlos Brilhante Ustra foi durante anos comandante do DOI/CODI de São Paulo e segundo ele, exerceu apenas a atividade de evitar que "terroristas" ameaçassem a "democracia".

Quando João Goulart foi deposto, em 1964, as forças armadas brasileiras estavam divididas em dois blocos. O dos militares legalistas, ou seja, fiéis à Constituição e o dos militares a soldo de potência estrangeira, sob comando de general estrangeiro (Vernon Walthers, adido militar dos EUA no Brasil, ex-diretor da CIA e amigo pessoal do primeiro ditador militar, Castelo Branco).

Democracia e liberdade foram apenas palavras de ordem vendidas pela mídia que já começava a se deixar apodrecer e por uma REDE GLOBO incipiente e montada por capitais norte-americanos (grupo TIME/LIFE à época), como pelos setores majoritários da Igreja Católica (então de suma influência no País), tudo sob o comando de empresas nacionais e estrangeiras.

O golpe veio de longe. Veio de Washington.

Quem acha que o general Olímpio Mourão Filho, que comandava a IV Região Militar em Juiz de Fora, MG, saiu com suas tropas por ser como ele se autodefinia uma "vaca louca", sem aviso prévio, sem combinação, por decisão pessoal, não se lembra que Mourão foi o autor do Plano Cohen, em 1937, que sugerindo um complô comunista, tal e qual em 1964, serviu de pretexto para o Estado Novo. 

Era capitão àquela época. 

Mourão saiu quando os seus mentores, dentre eles o general Antônio Carlos Muricy, decidiram que havia indecisão demais entre os golpistas e era preciso colocar as tropas nas ruas, desfechar o golpe e surpreender os legalistas evitando e tirando qualquer chance de reação.

Muricy, por exemplo, não confiava em Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército (Nordeste, com sede em Recife). Nem em Âncora de Moraes, comandante do I Exército (Rio de Janeiro), ou Amaury Kruel, comandante do II Exército (São Paulo) e "amigo" do presidente Goulart. À exceção do general Âncora de Moraes os outros dois aderiram ao golpe. Âncora era um comandante militar de tamanha dignidade que pouco tempo depois morreu não suportando os rumos tomados pelo Brasil e a execração que lhe foi imposta.  

Jango teve condições de resistir, mas já sem o controle de boa parte do território nacional e o Congresso, por decisão covarde do seu presidente, Auro Soares de Moura Andrade, ter decretado, em manobra da ex-UDN e por um telefonema do general golpista Costa e Silva, a vacância do cargo de presidente da República, empossando um pústula chamado Ranieri Mazilli, deputado e presidente da Câmara, simbolicamente no cargo.

O presidente constitucional do País decidiu não resistir. Estava no Rio Grande do Sul sob controle do ex-governador Leonel Brizola e parte do III Exército sob o comando do general Ladário Pereira Telles, leal e legalista, que assumiu na marra o comando daquela unidade, destituindo o general Galhardo, golpista.

A derrubada de Jango, tomando como ponto de partida o golpe de 1964 começou antes de sua posse depois da renúncia do bêbado Jânio Quadros, da adoção do parlamentarismo como medida de conciliação nacional para evitar uma guerra civil e acelerou-se com a volta do presidencialismo em 1963 depois de manifestação popular pelo voto.

Os Estados Unidos sob o governo do democrata Lyndon Johnson, orquestrou o golpe via Departamento de Estado (Dean Rusk) e CIA (general Vernon Walthers, que além de amigo de Castelo, falava português fluentemente).

A necessidade de derrubar o governo constitucional do Brasil, o de João Goulart escorava-se no que Richard Nixon (mais tarde presidente dos EUA, a partir de 1969), constatou ser a verdadeira dimensão do País – "para onde se inclinar o Brasil se inclinará a América Latina".

A ascensão de Fidel Castro num movimento revolucionário popular em Cuba, a eclosão de movimentos anti-norte-americanos em toda a América Latina e a perspectiva de governos contrários aos interesses dos EUA, tudo isso num mundo em disputa (EUA versus URSS), com áreas de influência definidas (caso da América Latina, quintal dos EUA), tornou a derrubada de Goulart imprescindível para esses interesses.

Goulart não era comunista, mas tinha profunda consciência social e percepção nítida da importância do que se chamou "reformas de base", para criar as perspectivas de um País mais justo, com democracia consolidada a partir de ampla participação popular, o que vale dizer contrariar interesses seculares e subordinados de elites nacionais (até hoje) aos donos.

O presidente iniciara um processo de reforma agrária em 13 de março de 1964 determinando a desapropriação de oito quilômetros de terras às margens de rodovias, ferrovias, lagos, açudes e rios (só o governador de São Paulo, Ademar de Barros tinha várias fazendas nessas margens, pois antes de construir as estradas comprava as terras para si). O presidente limitou a remessa de lucros de empresas estrangeiras no Brasil determinando o reinvestimento de parte desses lucros em nosso País. Ampliou o monopólio estatal do petróleo até a distribuição e nacionalizou várias empresas estrangeiras de setores estratégicos e fundamentais ao desenvolvimento do Brasil.

Isso a grosso modo, pois a defesa de um Brasil democrático e justo socialmente chegava, por exemplo, à compra do ácidoacetilsalicílico (aspirina nossa de cada dia) da China, cujos custos eram imensamente mais baixos que os comprados à multinacional Bayer, como revelou o professor Moniz Bandeira em seu livro "O governo João Goulart", editado pela Civilização Brasileira e depois proscrito pela ditadura.

A idéia que o Brasil pudesse transformar-se numa potência eqüidistante dos dois eixos, Estados Unidos e União Soviética (o Brasil começava a se alinhar com o chamado Terceiro Mundo, países como a Índia, a própria China, Egito sob o governo Nasser e outros), não agradava e muito menos era aceita pelos EUA e seus interesses.

A solução foi o golpe. A compra de militares ávidos de poder, de políticos corruptos e entreguistas, a aliança com empresários paulistas e a Igreja Católica conservadora em sua maioria a despeito das reformas que começavam a ser introduzidas pelo Papa João XXIII (anos mais tarde retomaram o controle da Igreja com o papa João Paulo II). Dois, apenas dois, dentre os líderes católicos de maior proeminência à época, d. Hélder Câmara e o cardeal primaz Carlos Mota Vasconcelos, se opuseram ao golpe. A base do que viria a ser a teologia da Libertação começava a nascer e a deitar ramas. Pagou um dos mais altos preços na ditadura.

Padres presos, torturados, assassinados no processo de violência e barbárie que se seguiu à deposição de João Goulart. E foi um dos mais importantes setores de resistência ao regime de boçalidade dos militares.

Tem razão o ministro da Justiça, Tarso Genro, quando diz que Jango caiu por suas virtudes, se "defeitos os tinha".

O governo constitucional e democrático do presidente João Belchior Marques Goulart foi deposto por militares travestidos de "nacionalistas e patriotas", que transformaram o Brasil num grande campo de concentração e violações sistemáticas dos direitos humanos (sistemáticas e deliberadas), sufocando a democracia, as liberdades fundamentais e cometendo toda a sorte de crimes contra esses direitos previstos e definidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Abrir os baús da ditadura, revelar a história de horror dos que permaneceram no País e foram perseguidos, torturados, assassinados, ou mesmo fora dos limites territoriais na associação com as ditaduras do chamado Cone Sul (a Operação Condor) – Uruguai, Paraguai, Argentina e Chile – é um imperativo da ordem democrática, do direito tanto quanto julgar e punir torturadores.

Não importa que o presidente do supremo tribunal federal, gilmar mendes, saia em defesa dos torturadores, estreitamente associados e ele também aos bandidos/banqueiros/latifundiários/empresários. É preciso resgatar o próprio tribunal dito supremo que à época da ditadura e até o AI-5 foi transparente no processo de resistência à estupidez "patriótica e nacionalista" do setor das forças armadas que venceu e deu o golpe.

Alegar que isso desmoraliza as forças armadas é mais ou menos como a história das armas químicas e biológicas do Iraque que Bush inventou para invadir aquele país. Não existiam e nem as forças armadas podem ser confundidas com torturadores como Brilhante Ustra e outros tantos. Torres de Melo e vai por aí afora.

É no temor e no medo que nascem figuras sinistras e golpistas como o general Augusto Heleno (comandante militar da Amazônia). Estreitamente associado aos interesses estrangeiros (EUA) e de empresas num mundo globalizado segundo a ótica dos mais fortes.

E sempre travestidos de "patriotas e nacionalistas".

João Goulart, que provavelmente terá sido assassinado pela Operação Condor (como vários líderes de oposição nesta parte do mundo) foi um presidente digno, um dos grandes estadistas contemporâneos do Brasil.

E para ilustrar, o jornal O GLOBO, esse mesmo de hoje, só que agora com um poder paralelo ao Estado no chamado grupo GLOBO, produto da ditadura e dos interesses internacionais e de "patriotas nacionalistas" em nosso País, andou atrás de "documentos" para denunciar corrupção no governo Goulart, depois que o presidente compareceu a um show de teatro no Rio e em seguida foi jantar num restaurante da antiga capital federal. Quando descobriram os "documentos", perceberam que o presidente pagara com um cheque pessoal, de sua conta pessoal, as despesas que fizera.

Aí não tinha saída, tinham que montar a farsa que montaram mesmo.

Como nação que subscreveu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que faz agora em dezembro 60 anos, o Brasil deve manter-se fiel ao documento que como o próprio título indica é universal e punir torturadores, fechando essa página aberta da história encoberta.

A anistia a Jango, como era chamado o presidente, deve ser um passo nessa direção. Mesmo porque os interesses e apetites sobre o Brasil continuam os mesmos e em estreita associação com setores das forças armadas e do grande empresariado nacional. Com o latifúndio e com banqueiros.

São os "patriotas nacionalistas" que se voltam para Washington tantas quantas vezes se fizer necessário a cada dia.    
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