Trabalhou na cidade de Barcelona durante seis meses como cuidadora de uma senhora idosa até sua morte, quando foi demitida sem nenhuma indenização, e desde então Rossana assegura que “apenas há emprego e o que há não é dado a imigrantes sem os devidos documentos, como eu”. Sobre situações como a de Rossana foi discutido no dia 29 de novembro na cidade de Valência, durante o fórum Mulher, Migração e Cuidados, promovido por organizações de mulheres imigrantes.
Elas cuidam de idosos, crianças e pessoas dependentes, passam roupas e cozinham; o trabalho da empregada do lar, pouco reconhecido socialmente, tem rosto de mulher e na Espanha é realizado em 65% por imigrantes, boa parte procedente da América Latina, de cujas remessas dependem familiares em seus países de origem.
A Pesquisa da População Economicamente Ativa do Instituto Nacional de Emprego na Espanha revela que há 667 pessoas empregadas do lar, das quais 592 mil são mulheres. Mas o setor conta com apenas 399.796 filiados ao sistema de Assistência Social, segundo os últimos dados oficiais de uma profissão na qual reina a chamada economia submersa.
“Ocorrem situações de abusos que beiram a escravidão”, disse à IPS a economista espanhola Carmen Castro, especialista em políticas públicas e igualdade de gênero e que participou do fórum com a palestra “O que fazemos com os cuidados? Alternativas para outro modelo de sociedade”. Ela assegura que, “quando se dá a conjunção de ser mulher, trabalhadora doméstica e imigrante, se agrava a situação de vulnerabilidade e precariedade”.
Rossana viveu na própria carne duros enganos, como quando encontrou um trabalho pela internet para cuidar durante toda a noite de um idoso em um hospital durante dez dias, e no ficou sem receber o pagamento. “Há muitas aqui com as quais acontece o mesmo”, afirmou. Também há experiências positivas. Entre elas a de Nancy, jovem venezuelana que trabalhou cuidando de um menino por mais de um ano e conseguiu a residência graças ao empenho de Remédios, a mãe do garoto e sua empregadora que não duvidou em enaltecer suas qualidades à IPS.
Para revalorizar e dignificar o trabalho de cuidadoras e empregadas do lar e defender seus direitos, meia centena de mulheres colombianas imigrantes e com experiência migratória criaram em 2011 a cooperativa transatlântica Coomigrar. A organização atende mulheres que vivem na cidade colombiana de Pereira e as espanholas de Valência e de sua vizinha Alicante, e participou da organização do fórum.
A Coomigrar pretende “dignificar um trabalho que as mulheres fazem e que não é reconhecido”, explicou Luisa Vidal, coordenadora na Espanha da organização feminista colombiana Sisma-Mulher, impulsionadora do projeto apoiado pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Na Colômbia, a Coomigrar presta, desde julho de 2011, serviços profissionais de cuidado de crianças, adultos e dependentes e apoio doméstico, enquanto na Espanha sua função se volta no momento para incidir e sensibilizar sobre os direitos das mulheres. Também visualiza seu papel como agentes de desenvolvimento e capacita suas sócias.
“Nenhuma sociedade é sustentável sem o trabalho de cuidados”, disse à IPS a refugiada política Leonora Castaño, coordenadora e sócia da Coomigrar. Ela afirmou que as trabalhadoras do setor na Espanha continuam sofrendo “um forte déficit de direitos trabalhistas” em relação aos demais setores, apesar de a nova normativa que regula a relação trabalhista do coletivo.
Em uma tentativa de tirar as empregadas e os empregados do lar da economia informal, suas condições de trabalho passaram a ser reguladas desde o primeiro dia deste ano por uma lei que obriga seus empregadores a fazerem um contrato, inscrevê-las na Assistência Social e pagar as contribuições correspondentes. “Muitos empregadores não estão contratando” suas trabalhadoras no serviço doméstico, como obriga a norma, disse Vidal à IPS.
A nova legislação considerada insuficiente pelas participantes do fórum, mantém a livre demissão e não soma ao setor os trabalhadores com direito a ajuda por desemprego. Mas estabelece a obrigação de contrato, normatiza o salário mínimo, limita os horários, fixa indenização de 20 dias por ano em demissões e obriga a um aviso prévio, garante acesso gratuito à saúde e dá direito à aposentadoria, entre outras melhorias.
A Espanha sofre os embates de uma crise econômica e financeira que aumenta a desigualdade social e cujo dado mais angustiante é uma taxa de desemprego de 26% da população economicamente ativa, com seis milhões de desocupados, segundo dados oficiais europeus do dia 30 de novembro. Muitas mulheres imigrantes que trabalhavam como cuidadoras para famílias espanholas estão conhecendo o desemprego e voltam para sues países. “Há momentos em que digo que quero ir, mas depois penso que continuarei lutando”, contou Rossana.
A Coomigrar, que se constitui em uma alternativa à crise pela qual passam as mulheres com experiência migratória, ajudou há pouco duas colombianas que voltaram para sua terra a conseguirem trabalho, disse Vidal.
“É preciso dar valor ao trabalho dos que cuidam das pessoas que outros não podem cuidar”, disse à IPS a psicóloga Luz María Arias, integrante da cooperativa colombiana e que vive há 12 anos na Espanha com sua família. Arias valorizou no fórum o fato de que “se passou de criada a empregada do lar”. Para ela existe maior conscientização, mas “ainda há pessoas que se aproveitam”. A nova norma passa a denominar o setor como serviço do lar familiar e seus profissionais como empregados do lar. Mas, para Rossana e muitas outras, ainda não surgiram as mudanças por trás das palavras. Envolverde/IPS
* Rossana e outras fontes desta reportagem pediram para não terem seus sobrenomes divulgados.
(IPS)